Vencida a batalha da Previdência, é preciso encarar o desafio de retomar o crescimento econômico, que não se faz com estímulos à demanda e com ações que favoreçam os grupos de pressão, e sim com reformas que deem os incentivos econômicos corretos e elevem a produtividade. Um passo decisivo nessa direção é aprovarmos uma reforma tributária que transforme os impostos sobre bens e serviços, englobando ICMS, IPI, PIS e Cofins, em um verdadeiro IVA cobrado no destino, que coloque um fim à guerra fiscal entre os Estados e elimine uma enorme distorção que penaliza as exportações.
Um IVA com essas características é idêntico a imposto incidindo apenas sobre a última operação, que é a venda do produto a um consumidor final, ou a sua exportação para outro país. Nos EUA não há um IVA, e sim um imposto sobre a venda ao consumidor final, com plena isenção sobre a exportação. Na Europa, o que existe é precisamente o IVA acima descrito, que, devido à sua equivalência a um imposto sobre a última operação, permite que seja isentado em uma exportação. Não é por acaso que na Europa cada país exporte (e importe) em torno de 40% ou mais de seu PIB.
É surpreendente, diante dessas evidências, que ainda haja defensores de um imposto incidindo sobre todas as transações financeiras. O argumento é que seria um imposto “moderno”, e como sua alíquota é pequena, não geraria distorções. No entanto, quem usa esses argumentos esquece (ou deliberadamente omite) que a receita por ele gerada terá de ser igual à que é produzida pelo conjunto dos impostos sobre bens e serviços, e como incide em cascata terá de gerar até que se chegue à última operação, enorme efeito sobre o preço final, cuja eliminação nas exportações torna-se impossível.
Retórica e adjetivos bombásticos não tornam corretos argumentos errados. EUA e países da Europa não são propriamente pequenos e ineficientes e, no entanto, ao adotarem o regime tributário que estou defendendo neste artigo são vistos pelos defensores da nova versão da CPMF brasileira como praticantes de um regime “retrógrado”. Em The New Industrial State, Galbraith define um “homem do saber convencional”. É aquele que não se preocupa com a correção do argumento, mas simplesmente com a sua aceitação por outros “homens do saber convencional”, que apesar do respeito que granjeiam em rodas de networking, nada têm a contribuir na solução dos problemas do País.
Infelizmente, no Brasil, por vezes entramos no bom caminho, mas logo nos desviamos. Quando em 1966 Campos e Bulhões criaram o ICM e o IPI em substituição ao IVC e ao Imposto sobre o Consumo, o definiram como um verdadeiro IVA. A Lei 4.502 de 1964 isentou de IPI toda exportação, assegurando o ressarcimento do imposto relativo a matérias-primas e produtos intermediários, e sua isenção transformou-se em imunidade constitucional pela Emenda 18, de 1965. O artigo 24 da Constituição de 1967 estendeu a imunidade constitucional do ICM nas exportações de manufaturas, que após sucessivas reformulações passaram a ser definidos pelo Confaz.
Em todo aquele arcabouço legal, a cujo espírito busca-se retornar, foram cometidos erros que levaram à enorme desorganização que atinge o ápice no ICMS. O primeiro pecado foi adotar na incidência do ICM o princípio do destino, que deixou a porta aberta à guerra fiscal entre os Estados. O segundo foi quando em 1969 o governo federal criou um programa com o objetivo correto de estimular as exportações, mas usou instrumentos errados, como o crédito prêmio do ICM. Para colaborar com o governo federal na tarefa de promover as exportações de produtos manufaturados, os Estados foram docemente constrangidos a renunciar a parte de sua receita para subsidiar as exportações. Em porteira aberta passa boi e passa boiada. Por que os Estados, munidos do poder que tinham no Confaz, não deveriam usar isenções do ICM para atrair indústrias localizadas em outros Estados? Afinal, como o ICM era cobrado no princípio de origem, não teriam uma perda de receita, que se concentraria apenas no Estado perdedor.
É esse conjunto de distorções que precisamos eliminar, sem o que dificilmente teremos uma economia aberta ao comércio internacional, pois precisamos que as empresas brasileiras elevem a sua eficiência. E isso não se faz com berros e adjetivos, e sim com sólido entendimento do funcionamento da economia.
Fonte: O Estado de S.Paulo (21/07/2019)
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