Dentre os países desenvolvidos, a Itália tornou-se um caso atípico: detém o maior índice de corrupção e o pior desempenho econômico. A corrupção voltou mais virulenta do que antes da Operação Mãos Limpas, fortalecida pela impunidade e pelo descrédito imposto ao Judiciário, aliados à complacência da sociedade italiana. Vamos seguir o exemplo?
O mundo sabe que os impactos da corrupção sobre a economia são desastrosos. E que corrupção e pobreza caminham juntas. Na origem de ambas estão as instituições econômicas e políticas extrativistas, como ensinam Acemoglu e Robinson, garantindo a existência de governos que geram riqueza e poder para a oligarquia que os apoia. Já na origem da prosperidade e da baixa corrupção estão instituições inclusivas, cujo objetivo é garantir o bem-estar do maior número de pessoas de um país.
O convite a Paulo Guedes e Sergio Moro para os ministérios mais importantes trouxe a esperança de que o presidente Jair Bolsonaro tivesse entendido a relevância de pautar seu governo sobre instituições não extrativistas, adotando uma estratégia de cunho liberal na gestão econômica e dando prioridade ao combate à corrupção. Havia coerência, pois medidas que aumentem a eficiência econômica reduzem a corrupção e medidas que reduzam a corrupção aumentam a eficiência econômica. Para tanto Guedes formularia as reformas econômicas mais importantes, como a da Previdência e a tributária, além de abrir a economia, retomar os investimentos em infraestrutura, acelerar as privatizações, que seriam complementadas pelas medidas contra a corrupção e o crime organizado propostas por Moro. Sem fortalecer o combate à corrupção, como fazer privatizações ou investimentos em infraestrutura sem a garantia de leilões competitivos e justos? Como barrar a formação de cartéis e impedir a volta de velhos esquemas de corrupção? Como reduzir o risco regulatório para atrair investidores estrangeiros? A estratégia poderia dar início a um novo ciclo, recursos entrariam para financiar projetos de infraestrutura e o crescimento, finalmente, deslancharia.
Mas a ilusão durou pouco e fica a impressão de que a agenda contra a corrupção, que foi fundamental para Bolsonaro se eleger, nunca foi por ele compreendida ou adequadamente valorizada. Acuado por denúncias de corrupção que chegam perto do seu círculo familiar, seduzido e assustado pelo poder de pressão dos que defendem o próprio pescoço, e se situam em altos escalões dos Poderes da República, o presidente rapidamente foi comprometendo os pilares institucionais que garantiram o sucesso das investigações contra a corrupção conduzidas pela Lava Jato e todas as demais operações, ora liderando, ora seguindo um arremedo de reação política como a sofrida pela Mãos Limpas na Itália.
O presidente já demonstrou que não aceita a independência das agências reguladoras; que pouca importância dá ao Cade, impedido durante meses de julgar casos importantes por falta de quórum; que pretende “mandar” na Receita e na Polícia Federal. Reluta em apoiar o pacote anticrime proposto por Moro e em aceitar suas ponderações sobre a escolha do novo procurador-geral da República. Colocou o Coaf no Ministério da Justiça, depois tirou e passou para o da Economia e agora se propôs a incorporá-lo ao Banco Central, onde corre o risco de virar um anexo burocrático para não emitir as temidas ondas de choque, ou levar as ondas de choque para dentro do Banco Central, interferindo no seu desempenho e independência. O presidente parece não saber que a qualidade das instituições forja o fracasso ou o sucesso dos países.
A mudança de Bolsonaro quanto ao combate à corrupção, se não foi orquestrada com integrantes dos demais Poderes, soou como música aos ouvidos de muitos cujo objetivo é claro: dificultar as investigações e punições de crimes de corrupção. O Congresso aprovou uma controvertida lei sobre abuso de autoridade, com artigos propositalmente vagos e outros que intimidam magistrados a proferirem suas sentenças. Atendendo a pedido da defesa de um filho de Bolsonaro, Toffoli suspendeu todas as investigações com base em relatórios do Coaf e outros órgãos de inteligência sem autorização judicial, contrariando vários acordos internacionais assinados pelo Brasil de combate a crimes de lavagem de dinheiro e financiamento de terrorismo internacional.
É bom lembrar que a incoerência entre o dito antes e o feito depois tem custo político elevado, como mostra a punição pelas urnas de políticos com longa tradição na defesa dos próprios interesses. Os eleitores, que não foram consultados sobre o “astuto” acordo entre Poderes, continuam indignados com a corrupção e não perdoarão aos que a ela se aliarem.
A corrupção é insidiosa, deixa raízes profundas por onde passa e está pronta a ressurgir, ainda mais forte, ao menor sinal de impunidade. Combater a corrupção exige forte vontade política e o desenvolvimento de instituições que promovam a integridade e a responsabilização dos funcionários públicos, de todos os escalões e Poderes. É importante que os defensores da volta da corrupção e da impunidade saibam que, caso tenham sucesso, estarão condenando o País à pobreza e ao atraso. E que também o alcance das reformas econômicas será mutilado para proteger interesses de grupos e produzir ganhos que ferem a lógica econômica.
As instituições não são neutras, elas incorporam a visão e as preferências dos grupos que têm poder político e econômico. Na Venezuela, a oligarquia mantém-se no poder graças ao apoio das máfias e milícias que se beneficiam da situação de penúria da população. Espero que não tenhamos de chegar a tal ponto para promover mudanças institucionais que coloquem o País na rota da integridade e do crescimento. Que a reação da sociedade torne o atual momento sombrio aquele que precede o amanhecer, e não o que se perpetua num baile macabro de mortos-vivos recuperando o poder e os privilégios à custa da pobreza da população.
Fonte: O Estado de S.Paulo (01/09/2019)
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