Fabio Giambiagi e Guilherme Tinoco, em texto para discussão do BNDES, propuseram alteração da regra constitucional que estabelece um limite superior para a taxa de crescimento do gasto primário da União. A proposta é alterar o teto do gasto a partir de 2023.
Até 2022, o crescimento do gasto primário da União seria dado pela inflação do ano anterior, como estabelece a atual legislação. A partir de 2023 haveria dois tetos. O primeiro para todo o gasto primário e o segundo, em um nível ligeiramente inferior, para o gasto primário excluindo os investimentos.
Entre 2023 e até 2026, o crescimento do gasto primário total seria 1 ponto percentual (pp) acima da inflação; para os quatro anos de 2027 até 2030, seria 1,5 pp acima da inflação; e, para 2031 até 2036, seria de 2 pp acima da inflação. Para o crescimento do teto que exclui os investimentos, aplicar-se-iam as mesmas taxas subtraídas de 0,5 pp.
Sobre a proposta de Fabio e Guilherme, chamo a atenção para alguns pontos: qualquer relaxamento do teto requererá ou elevação da carga tributária ou maiores níveis da dívida pública. Para o segundo teto, eu só excluiria os investimentos em logística: portos, aeroportos, rodovias e ferrovias além de mobilidade urbana e saneamento.
Note-se que Fabio e Guilherme sugerem alguma flexibilidade somente após 2022. Assim, eles não mexem no teto neste momento. Somente sugerem que o debate se inicie agora. Difícil saber se os percentuais sugeridos são os mais adequados. Tudo dependerá de como se comportarem nos próximos anos as condições de evolução da dívida pública.
Entendo a preocupação de Fabio e Guilherme. No entanto, não é oportuno o Congresso tratar do tema agora. O Congresso pode voltar ao tema do teto após avanços na agenda de controle do gasto obrigatório. O primeiro passo nessa agenda é a aprovação da reforma de Previdência, em tramitação no Senado. O segundo passo será a inclusão de estados e municípios na atual reforma previdenciária. O terceiro é dotar estados e municípios de instrumentos para gerir o gasto de pessoal.
Um começo é a constitucionalização de dois artigos da Lei de Responsabilidade Fiscal que não são aceitos pelo STF: o 9º, que estabelece que a transferência de receita aos Poderes independentes —Legislativo e Judiciário— e aos órgãos autônomos —Ministério Público, TCEs e Defensorias— seja em função da receita efetivamente realizada, e não em função da receita orçada; e o 23, que permite redução de jornada de trabalho com redução de vencimentos na mesma proporção.
Seria importante constitucionalizar que, se um ente da Federação tem um contrato de refinanciamento de dívida com a União e esse contrato estabelece limite para alguma rubrica do orçamento do ente —por exemplo, a despesa de pessoal—, a forma de contabilização dessa rubrica é a determinada pela norma do Tesouro, enquanto vigorar o contrato de refinanciamento de dívida.
Finalmente, se um ente federativo ultrapassar o limite de gasto de pessoal como proporção da receita corrente líquida estabelecida pela LRF, ficam proibidos aumento nominal de salário, progressão na carreira e fazer novos concursos. O teto é a única âncora que temos hoje para a política fiscal. Não foi por outro motivo que o risco-país caiu fortemente com a perspectiva de impedimento da presidente Dilma. Havia a percepção que o novo governo conseguiria lidar com a crise fiscal. Ainda estamos lidando com ela. Após um equacionamento mais permanente da crise fiscal, poderemos pensar em algum relaxamento do teto do gasto.
Fonte: Folha de S.Paulo, 8/9/2019
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