A economia mundial deve crescer ligeiramente acima de 3% em 2020, patamar similar ao observado no corrente ano – o biênio de crescimento mais lento desde 2008-09. A manutenção do patamar de crescimento deve acontecer a despeito de desaceleração em várias das principais economias avançadas e na China, compensado por crescimento mais forte em economias emergentes.
Nos EUA, a economia em 2020 vai seguir experimentando as consequências do aperto monetário de 2017-2018, o enfraquecimento dos efeitos do estímulo fiscal que marcou o início da administração Trump, bem como alguma reverberação das tensões comerciais internacionais (notadamente sobre o setor industrial). Em ambiente eleitoral provavelmente polarizado, o crescimento deve recuar para cerca de 1,7%, ante 2,3% em 2019 e 2,9% em 2018. Como a economia, apesar de crescer menos, seguirá em expansão, com taxas de desemprego ainda em patamares historicamente baixos, o Fed provavelmente irá deixar sua política monetária inalterada.
A área do euro, por sua vez, também deve desacelerar, de 1,2% para 0,8%, com os efeitos do comércio global menos favoráveis, sobrepujando certa resiliência da demanda doméstica. O BCE deve continuar a flexibilização quantitativa (compra de ativos) e manter a taxa de juros no patamar negativo (-0.50%). Mas novos estímulos são improváveis, dada ausência de consenso sobre a necessidade e/ou eficácia de medidas adicionais o BCE não deve oferecer novos estímulos adicionais, além dos já anunciados. Tampouco devemos esperar alguma forma significativa de estímulo fiscal na Alemanha, a menos que o desemprego por lá comece a subir aceleradamente. Note-se que as dificuldades observadas no setor automotivo tendem a ter impacto mais intenso sobre a atividade econômica nesse bloco.
Também a China deve desacelerar, de 6,2% para 5,7%, como consequência das tensões comerciais e seguindo uma moderação estrutural do ritmo de crescimento em um contexto de reformas que visam conter o excesso de endividamento. O governo está oferecendo estímulos fiscais e monetários em doses relativamente moderadas e parece bem pouco inclinado a repetir as iniciativas adotadas na saída da crise de 2008/9.
O crescimento mais fraco nesses grandes polos da economia mundial será compensado por aceleração e correções em outras áreas. Na América Latina, que responde por cerca de 7% do PIB mundial, o crescimento deve passar de 0,2% para 1,3%, com aceleração no Brasil, moderação das recessões argentina e venezuelana e certa retomada no México.
Outras importantes economias emergentes devem ajudar a sustentar o crescimento global. A economia russa deve acelerar e, mais importante, o mesmo deve ocorrer com a economia da Índia (de 6,1% para 7% segundo o FMI), como resultado de estímulos monetários, fiscais e iniciativas para melhorar o ambiente regulatório. As economias da Malásia, Indonésia, Filipinas, Cingapura e Tailândia (ASEAN-5) também devem mostrar, em conjunto, ligeira aceleração, para 4,5%.
A moderação das tensões comerciais internacionais deve contribuir para a estabilização da atividade industrial, que tem sido mais afetada pela desaceleração global do que o setor de serviços. Progresso nas negociações comerciais deve contribuir para reduzir a incerteza e, assim, favorecer uma retomada do investimento.
Por outro lado, os riscos de baixa para a economia mundial ainda parecem dominantes. No âmbito da política, além das tensões existentes entre grandes potências, a eleição nos EUA pode gerar volatilidade nos mercados, especialmente se a disputa se configurar em polarização nos extremos do espectro ideológico. Ainda no Hemisfério Ocidental, questões políticas e distúrbios sociais podem acabar comprometendo a esperada recuperação na América Latina, incluindo os países andinos. Do outro lado do Atlântico, além dos efeitos do Brexit, podemos ter transição no governo alemão, dado que a chanceler Merkel não deve disputar as eleições de 2021.
Ainda que o arcabouço regulatório tenha sido reforçado de forma considerável desde 2008, o risco de nova crise financeira não pode ser descartado. Isto se deve em boa medida à postura de política monetária que teve que ser adotada em várias economias centrais para atingir seus objetivos macroeconômicos. O patamar de taxa de juros necessário para atingir as metas para a inflação pode ser inferior ao que seria ideal para coibir um apetite ou tolerância por riscos exagerados. Nessas circunstâncias, certos excessos, mais aparentes no apreçamento de segmentos dos mercados de crédito corporativo e, em particular, investimentos em empresas de tecnologia, podem estar ocorrendo.
Tais excessos podem sofrer correções abruptas, ensejando repercussões sobre o setor financeiro e a economia. Além disso, na Europa o setor bancário convive com taxas de juros negativas, lucratividade baixa e é vulnerável a uma desaceleração cíclica da atividade. Adiciona-se ainda que o setor bancário na China também apresenta alguma fragilidade, principalmente nos bancos médios e pequenos, após anos de expansão elevada do crédito. O ambiente global deve, em suma, continuar favorável, ainda que com riscos de baixa. O que preocupa mais nem é o cenário econômico central e o balanço de riscos a este associado, mas sim a escassez de margem de manobra de política econômica caso desenvolvimentos adversos venham a se materializar.
Fonte: Valor Econômico, 4/12/2010
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