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A estabilidade das regras

Regras desenhadas com o propósito de promover o bem comum tendem a ser estáveis se a sociedade participar ativamente na defesa dos seus interesses, alimentando um círculo virtuoso. Já regras criadas para beneficiar o interesse de grupos que se aproximam do poder tendem a gerar sistemas políticos que se perpetuam no poder para manter seus privilégios, em detrimento do interesse da maioria. Nesse caso as regras mudam ao sabor das pressões e o resultado é incerteza, baixo crescimento e ineficiência generalizada nas economias. O círculo vicioso só será quebrado se a sociedade for capaz de pressionar o sistema político para que seus valores passem a ser representados.

Há décadas Douglass North mostrou que a qualidade das instituições, entendidas como “as regras do jogo”, desempenha um papel crucial no desenvolvimento dos países. Regras claras e estáveis estruturando os direitos de propriedade, o bom funcionamento dos mercados, e as oportunidades contratuais disponíveis aos indivíduos e empresas definem o perfil do ambiente de negócios. Regras e objetivos claros são cruciais, também, para disciplinar os partidos políticos e garantir a eficiência do Judiciário. Não é isso que temos visto no País.

Insegurança institucional

Vários exemplos recentes de julgamentos controvertidos, ou mesmo de decisões do Congresso, revelam o grau da insegurança institucional que enfrentamos. Dentre os casos de maior gravidade e repercussão está o comportamento pendular do STF quanto à possibilidade de execução das penas a partir do julgamento em segunda instância. Difícil imaginar que a revisão de jurisprudência firmada há apenas três anos tivesse sido pautada caso não envolvesse a prisão do ex-presidente Lula. Além de mudanças nas leis ao sabor das pressões, a prodigalidade do sistema recursal e das regras de prescrições terminam por livrar das penas aqueles que podem pagar bons advogados, gerando forte sensação de impunidade e de ineficiência da Justiça.

Mas a insegurança institucional está presente, também, no dia a dia dos cidadãos e dos empresários. Ao olharmos para o emaranhado de leis e regulamentos que compõem nosso sistema tributário concluímos que quase tudo pode ser contestado, provocando enorme custo e risco para os contribuintes. Um dos sinais de falência do atual sistema é que nos últimos 20 anos, só no âmbito federal, ocorreram mais de 40 “perdões” de dívidas tributárias (as várias versões do Refis são as mais conhecidas). As condições oferecidas são tão favoráveis ao devedor que criam moral hazard, desincentivando o pagamento de impostos. Para compensar, mais e mais distorções são introduzidas, minando a eficiência da economia.

Rule of Law

Atento à relevância da qualidade institucional, o Banco Mundial passou a calcular, a partir de 1996, o World Governance Indicators para mais de 200 países. Lá encontramos a estimativa de Rule of Law, que capta as percepções sobre o grau de confiança e de respeito dos cidadãos às regras existentes, em especial a qualidade da exigência de cumprimento dos contratos, dos direitos de propriedade, da polícia e da Justiça, assim como a probabilidade de ocorrência de crime e violência. As notas vão de -2,5 a +2,5, em ordem crescente de qualidade. O ranking é liderado por países mais desenvolvidos, como Canadá, Reino Unido, Austrália, Japão, enquanto que os mais pobres, ou que passaram por guerras e crises agudas, como Síria, Líbia e Venezuela estão no extremo oposto. Em 2018 o índice para o Brasil atingiu -0,27, estando abaixo da média (em escala de 0 a 100 ficou com 44). A correlação positiva entre Rule of Law e bem-estar social, medido pelo PIB per capita, é muito clara como se vê no diagrama de dispersão.

Relação entre PIB per Capita x Rule of Law | 2018

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, precisamos crescer e reduzir a pobreza. O caminho do desenvolvimento sustentado é conhecido, exige reformas que estabeleçam regras claras com o objetivo de gerar eficiência e integridade política e econômica. A nossa sociedade está motivada e vigilante, sendo este um excelente sinal que nos permite olhar com mais otimismo para o futuro.

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

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