De onde vem o otimismo que ao final de 2019 levou o Ibovespa a mais de 110 mil pontos? Em parte, isto se deve à expectativa de que a taxa de crescimento em 2020 será em torno de duas vezes superior à de 2019, mas há outra razão mais importante que é a mudança na composição das carteiras de ativos provocada pela percepção de que há uma queda permanente da taxa real de juros de curto e de longo prazo. Não é uma mudança que eleva apenas os retornos esperados nos investimentos em ações e em ativos reais. Provoca, também, efeitos significativos sobre a recuperação da economia.
Para entender de que forma ocorrem os “efeitos reais” tomemos o exemplo de grandes investidores institucionais, como são os fundo de pensão. Quando as NTN-B de 10 anos rendiam em torno de 8% ao ano cobriam com folga os seus compromissos atuariais, o que permitia que seus gestores mantivessem 100% dos investimentos alocados nesse ativo. Agora que as NTN-B rendem apenas 3% ao ano não mais cobrem seus compromissos, forçando-os a elevar a proporção de ações nas suas carteiras de ativos. A consequência é um aumento significativo da demanda de ações, contribuindo para a melhora das perspectivas de sucesso em ofertas públicas iniciais abrindo o caminho para que muitas empresas elevem sua capitalização e melhorem sua governança, beneficiando a economia como um todo.
Importante, também, é o benefício aos investimentos na construção civil. Taxas reais de juros mais baixas elevam os preços dos imóveis melhorando a expectativa de retorno nos investimentos na construção, e os juros reais mais baixos reduzem o custo dos financiamentos tanto durante a construção quanto para os compradores dos imóveis. Há ao mesmo tempo estímulos à oferta e à demanda de imóveis. Finalmente, a portabilidade dos financiamentos permite que o comprador refinancie em outro banco, a taxas de juros mais baixas, o imóvel anteriormente adquirido, com a competição entre os bancos forçando a queda da taxa de juros em novos financiamentos.
A construção civil já havia sido beneficiada quando através da MP, posteriormente transformada em Lei, o governo anterior disciplinou os distratos na compra de imóveis. Anteriormente, quando o comprador de um apartamento desistia do imóvel o construtor era obrigado a devolver todas as prestações acrescidas dos juros. Para o comprador tudo funcionava como se tivesse feito um investimento em renda fixa no qual além da garantia da plena de devolução do principal e juros ganhava de graça a “opção” de trocar tal investimento por um apartamento. Nenhum banco poderia competir com esta vantagem. Porém como o custo do distrato recaia integralmente sobe o construtor havia um desestímulo à construção civil. Era introduzido na construção civil um enorme risco, e esta foi uma das razões pelas quais o setor foi extremamente afetado durante a recessão de 2014 a 2016. A queda permanente da taxa real de juros se somou ao estímulo vindo da eliminação deste risco, e muda radicalmente as perspectivas deste setor em 2020 e nos próximos anos.
Não se deve ter a ilusão de que estes fatores produzirão um salto instantâneo e forte na formação bruta de capital fixo, da qual um pouco acima de 45% se refere à construção civil, metade do qual cabe aos investimentos em infraestrutura. Primeiro, porque embora as percepções de mudança alterem instantaneamente os preços dos ativos, somente afetam o lado real da economia com defasagens longas. Segundo, porque estamos falando de apenas uma fração da formação bruta de capital fixo, da qual mais de 50% depende das compras de máquinas e equipamentos por parte da indústria, que continua deprimida. Na construção civil, contudo, os últimos dados do PIB já evidenciaram sinais de reação, e o Caged indica que a contratação líquida de trabalhadores com carteira assinada no setor vem aumentando, embora em intensidade baixa relativamente ao que ocorre no comércio e no setor de serviços. Finalmente, embora restritos a São Paulo os dados do Secovi mostram uma significativa elevação dos lançamentos e das vendas de imóveis.
Estamos longe de comemorar o início de um ciclo de crescimento sustentável. São apenas indicadores de uma sólida recuperação cíclica, que para se transformar em crescimento sustentável requer reformas que elevem a eficiência produtiva da economia. Mas pelo menos nos dá o alento de que a política monetária vem cumprindo o seu papel.
Fonte: Estado de São Paulo
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.