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Intervenção do BC é tópica e não muda tendência do câmbio, diz Mesquita

Para o economista-chefe do Itaú Unibanco, atuação da autoridade monetária buscou evitar disfunção no mercado e, não, estabelecer limites para a variação da moeda

A intervenção do Banco Central no mercado de câmbio hoje parece ter caráter preventivo para evitar uma disfunção no mercado. Por ora, não parece ser o caso de iniciar um programa de intervenção regular, como aconteceu na administração do ex-presidente do Banco Central Ilan Goldfajn, que injetou um volume bilionário de swap no mercado em 2018, diante do salto do dólar no exterior e à greve dos caminhoneiros por aqui.

Essa é a avaliação do economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita. “A intervenção deve ser feita quando o mercado já está ou caminha para se tornar disfuncional. Ou seja, quando a cotação da moeda começa a subir só porque subiu ontem e as pessoas compram só para acompanhar o movimento, de forma ilíquida. O mercado fica assimétrico. Só tem comprador ou só tem vendedor. Isso justifica a intervenção do Banco Central.”

Hoje, o movimento de depreciação do real – em nova escalada do dólar – levou o Banco Central a intervir no mercado de câmbio, com a venda de 20 mil contratos de swap cambial. No início do dia, a moeda americana ultrapassou, pela primeira vez, a marca de R$ 4,38.

Para Mesquita, o salto do dólar contra o real é explicado por uma série de motivos: as incertezas em torno do desempenho da economia chinesa, a variação dos preços das commodities no mercado global, dados mais fracos da economia brasileira e o nível da taxa de juros no país.

O economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita, não vê mudança de tendência no mercado de câmbio  — Foto: Leo Pinheiro/Valor

O economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita, não vê mudança de tendência no mercado de câmbio — Foto: Leo Pinheiro/Valor

Tudo isso faz o real ter um desempenho mais fraco que o de moedas emergentes, inclusive as de países que não têm um crescimento econômico brilhante ou com políticas econômicas bem avaliadas. Segundo ele, esses países “têm atraído capital e a moeda tem mostrado um desempenho positivo, porque têm um nível de taxa juros mais elevado que o do Brasil”, explica Mesquita em entrevista ao Valor.

Veja, a seguir, alguns trechos da entrevista:

Valor: Hoje, o dólar atingiu uma nova máxima histórica e o Banco Central teve de intervir no mercado de câmbio. O que justifica esse movimento?

Mario Mesquita: Existem mais incertezas sobre o ritmo de crescimento da economia mundial, especialmente a da China, que impacta preços de commodities. O Brasil é um país exportador de commodities. Então, o real sofre em linha com moedas que são sensíveis a preços de commodities. Além disso, os últimos indicadores da economia brasileira não apontam para um crescimento econômico brilhante. Então, o PIB do quarto trimestre, por exemplo, deve ter ficado entre 0,5% e 0,6% – bem aquém do que a gente vinha estimando antes. Os indicadores do começo do ano também não são tão pujantes assim. E o nível da taxa de juros não atrai capital buscando retorno, em carry trade. Toda essa combinação de fatores ajuda a explicar a fraqueza relativa do real.

Valor: O real acaba perdendo terreno mesmo contra outras divisas emergentes.

Mesquita: Sim. A economia mexicana, por exemplo, também não tem mostrado um desempenho econômico tão bom. As iniciativas de política econômica não são tão bem vistas pelo mercado, notadamente no setor de energia. Mas, mesmo assim, tem atraído capital e a moeda tem mostrado um desempenho positivo, porque o país tem um nível de taxa juros mais elevado que o do Brasil.

Valor: A intervenção do Banco Central no mercado de câmbio ajuda a frear a escalada do dólar?

Mesquita: A intervenção deve ser feita quando o mercado já está ou caminha para se tornar disfuncional. Quando a cotação da moeda começa a subir só porque subiu ontem e as pessoas compram só para acompanhar o movimento, de forma ilíquida. O mercado fica assimétrico. Só tem comprador ou só tem vendedor. Isso justifica a intervenção do Banco Central. Mas não acho que seja a intenção do Banco Central estabelecer limites para a variação cambial. A intervenção no mercado de câmbio é tópica e não é algo que muda a tendência.

Valor: O dólar já vem subindo nas últimas semanas, mas, de ontem para hoje, o movimento ganhou força e exigiu uma atuação do Banco Central. As falas do ministro Paulo Guedes sobre dólar mais forte agravaram esse movimento?

Mesquita: No início do dia, o dólar aqui estava sendo negociado em linha com os pares. Eu acho que a iniciativa do Banco Central foi mais no sentido de evitar que houvesse um movimento autossustentável de depreciação antes que começasse. Ele entrou no mercado bem cedo.

Valor: O avanço do dólar nos últimos dias muda sua expectativa para a taxa de câmbio no fim de 2020 e 2021, de R$ 4,15?

Mesquita: Olha, a gente conta com uma aceleração da economia esse ano, que deve sair de 1% para cerca de 2% entre 2019 e 2020. Essa aceleração num ambiente de risco país bastante baixo, sem movimentos adicionais na taxa de juros, deve trazer capital em busca de retornos que normalmente aumentam quando a economia acelera. É evidente que se a gente começar a questionar o ritmo de recuperação da economia, vamos ter de questionar o nível de apreciação da moeda. Ainda não fizemos isso, mas vamos ver o que vai sair nos próximos dados e nas próximas semanas. Nosso modelo de câmbio, baseado em fundamentos, aponta para um nível mais próximo de R$ 4 do que de R$ 4,40, mas ele não tem funcionado tão bem para prever o câmbio no dia a dia. Os modelos funcionam muito melhor em economias que não têm transformação estrutural, que é o que temos agora.

Valor: A frustração com os últimos dados de atividade abrem espaço para novos cortes da Selic?

Mesquita: Uma vez que o juro está diferente de zero, tem possibilidade de cortar. Quero dizer, tem essa possibilidade, sim. O Banco Central foi cauteloso em sua comunicação, como sempre em ressaltar que os próximos passos vão ser influenciados pelos indicadores econômicos. Ele vai revendo sua análise prospectiva da inflação, e isso pode levar a uma redação ou elevação da taxa básica de juros.

Valor: Como o movimento do câmbio afeta os próximos passos na política monetária?

Mesquita: O câmbio é o principal fator de risco de alta da inflação. O câmbio no patamar que está, entre R$ 4,30 e R$ 4,40, não coloca em risco a convergência para meta de inflação. Mas se avançar para R$ 4,50 ou R$ 4,60, esse cenário muda. O que vimos nas últimas semanas é um comportamento que a bolsa sobe e taxa de juros de mercado até cai, mas o câmbio deprecia. Se a taxa de câmbio ficar por aí, não muito distante disso, esse cenário pode continuar. Mas uma depreciação ainda mais intensa e persistente do câmbio pode impactar as perspectivas de inflação. Vale notar que a pesquisa Focus ainda embute câmbio de R$ 4,10. Se os analistas começarem a rever e acharem que esse nível de câmbio é perene, vai acabar implicando mudança na perspectiva de inflação. Mas há de se reconhecer que tem outros fatores no cenário. A inflação de curto prazo está muito baixa, gera inércia positiva. Câmbio é um risco, não é o único determinante para a inflação.

Valor: A depreciação do câmbio para esse nível de R$ 4,50 e R$ 4,60 poderia forçar uma antecipação da alta de juros?

Mesquita: Não é uma relação mecânica, mas, em última análise, no regime vigente, o juro é calibrado para fazer a inflação convergir para a meta. Se acontecer uma deterioração do cenário prospectivo de inflação, de tal magnitude que gere um desvio ante a meta, aí o Banco Central vai ter de reagir. Eu vejo a política monetária agora com riscos bastante simétricos. De fato, tem o risco de que a inflação pode surpreender para baixo, da atividade econômica surpreender desfavoravelmente de forma que influenciaria o cenário prospectivo, viabilizando novos cortes de juros. Mas tem o câmbio na outra ponta. Está bem equilibrada. A gente espera que a taxa de juros fique parada em 4,25% até o fim do ano.

Valor: Com todos esses riscos no radar, qual deve ser o próximo passo na política monetária?

Mesquita: Nosso cenário contempla alta de juros no fim de 2021, com vistas a assegurar a convergência em 2022. Então, ainda é algo que está bem distante. Temos a projeção de Selic a 4,5% no fim do ano que vem. Seria o começo da normalização.

Valor: Qual seria o patamar de equilíbrio dos juros?

Mesquita: Se a taxa neutra for 2% ou 2,5%, e a gente for para um meta padrão de inflação na região, de 3%, seria uma Selic neutra de aproximadamente 5,5%. Trabalhamos com juro neutro baixo. Isso se deve a uma mudança grande que houve na política fiscal do Brasil. Isso foi uma alteração estrutural muito importante que veio a partir de 2016. Frequentemente é associada a PEC do Teto. Mas achamos que a PEC do Teto veio apenas para organizar nossa crise fiscal, que vem do nível de endividamento do setor público muito elevado. Essa desaceleração tinha de acontecer, como de fato aconteceu. O gasto público que vinha crescendo em ritmo muito forte por muito tempo parou de cresceu e a oferta de crédito subsidiado foi bastante reduzida. Isso levou a uma queda do juro neutro.

Fonte: Valor Econômico

Por Lucas Hirata e Victor Rezende

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