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‘Intenção do BC não é estabelecer limite’

Para Mario Mesquita, do Itaú, intervenção serve para evitar disfuncionalidade

Mario Mesquita, do Itaú: Incertezas com economia global, dados fracos no Brasil e Selic baixa explicam dólar forte — Foto: Carol Carquejeiro/Valor

Mario Mesquita, do Itaú: Incertezas com economia global, dados fracos no Brasil e Selic baixa explicam dólar forte — Foto: Carol Carquejeiro/Valor

Todas as vezes em que o Banco Central decide intervir no mercado de câmbio, as mesas de operação logo são tomadas por especulações sobre qual é a cotação “defendida” pela autoridade monetária. Dessa vez, não foi diferente num momento em que o dólar se aproxima de R$ 4,40. Mas o economista-chefe do Itaú e ex-diretor do BC, Mario Mesquita, evita entrar num debate sobre o patamar da cotação e afirma: a intervenção é tópica e não muda a tendência. Em outras palavras, não é a intenção do BC estabelecer limites para a variação cambial.

Para Mesquita, a economia brasileira está passando por transformações estruturais, que dificultam o trabalho dos modelos de projeção baseados em fundamentos. E uma depreciação mais intensa e constante do real pode afetar a política monetária. “O câmbio é o principal fator de risco de alta para a inflação. No patamar que está, entre R$ 4,30 e R$ 4,40, não coloca em risco a convergência para meta de inflação. Mas se avançar para R$ 4,50 ou R$ 4,60, esse cenário pode mudar”, alerta.

Ainda assim, ele espera que a retomada da economia brasileira, para cerca de 2% em 2020, se traduza em fluxo externo e traga algum alívio para o real ao longo do ano. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor:

Valor: O dólar atingiu nova máxima histórica e o Banco Central teve de intervir no mercado. O que justifica esse movimento?

Mario Mesquita: Existem mais incertezas sobre o ritmo de crescimento da economia mundial, especialmente o da China, que impacta preços de commodities. O Brasil é um país exportador de commodities. Então, o real sofre em linha com moedas que são sensíveis a preços de commodities. Além disso, os últimos indicadores da economia brasileira não apontam para um crescimento econômico brilhante. O PIB do quarto trimestre, por exemplo, deve ter ficado entre 0,5% e 0,6% – bem aquém do que a gente vinha estimando antes. Os indicadores do começo do ano também não são tão pujantes, e o nível da taxa de juros não atrai capital que busca retorno em “carry trade”. Toda essa combinação de fatores ajuda a explicar a fraqueza relativa do real.

Valor: A intervenção do BC no mercado de câmbio ajuda a frear a escalada do dólar?

Mesquita: A intervenção deve ser feita quando o mercado já está ou caminha para se tornar disfuncional. Isto é, quando a cotação da moeda começa a subir só porque subiu no dia anterior e as pessoas compram só para acompanhar o movimento. De forma ilíquida, o mercado fica assimétrico. Só tem comprador ou só tem vendedor. Isso justifica a intervenção do BC. Mas não acho que seja a intenção do BC estabelecer limites para a variação cambial. A intervenção no mercado de câmbio é tópica e não é algo que muda a tendência.

Valor: As falas do ministro Paulo Guedes sobre dólar mais forte agravaram esse movimento?

Mesquita: No início do dia, o dólar aqui estava sendo negociado em linha com os pares. Eu acho que a iniciativa do BC foi mais no sentido de evitar que houvesse um movimento autossustentável de depreciação. Ele entrou bem cedo no mercado.

Valor: O avanço do dólar nos últimos dias muda sua expectativa para a taxa de câmbio no fim de 2020 e 2021, de R$ 4,15?

Mesquita: Olha, a gente conta com uma aceleração da economia este ano, que deve sair de 1% em 2019 para cerca de 2% em 2020. Essa aceleração num ambiente de risco-país bastante baixo, sem movimentos adicionais na taxa de juros, deve trazer capital em busca de retornos que normalmente aumentam quando a economia acelera. É evidente que se a gente começar a questionar o ritmo de recuperação da economia, vamos ter de questionar o nível de apreciação da moeda. Ainda não fizemos isso, mas vamos ver o que vai sair nos próximos dados e nas próximas semanas. Nosso modelo de câmbio, baseado em fundamentos, aponta para um nível mais próximo de R$ 4 do que de R$ 4,40, mas ele não tem funcionado tão bem para prever o câmbio no dia a dia. Os modelos funcionam muito melhor em economias que não têm transformação estrutural, que é o que temos agora.

O câmbio é o principal risco para inflação […] mas há de se reconhecer que existem outros fatores no cenário”

Valor: Como a alta do dólar impacta na atividade econômica?

Mesquita: A alta do dólar tende a favorecer exportações de bens de serviço e desestimular importações. Só que isso acontece com uma certa defasagem e depende do ambiente econômico mundial. Se você tem depreciação cambial num momento que a economia mundial está acelerando, isso tende a gerar ganhos de exportação mais intensos do que num momento de desaceleração da economia global. Talvez não seja um tema para 2020, mas para 2021 e 2022.

Valor: Mas não prejudica crescimento mais sustentável por causa de importações de bens de capital?

Mesquita: Encarece bens de capital importados, sim. Em episódios passados, era nítido o efeito líquido mais contracionista que expansionista. Em geral, o dólar subia enquanto o risco Brasil também subia. Aí a confiança caía. Mesmo se você tivesse um ganho de competitividade no comércio exterior, o saldo líquido era contracionista e nossos modelos mostravam isso. A situação mais recente é um pouco diferente. Você tem depreciação cambial e um risco bem-comportado com a bolsa de valores subindo. Talvez o efeito expansionista predomine agora. De qualquer forma, como o Brasil é uma economia fechada e esse efeito se dá ao longo do tempo, a gente não acha que vai ser um fator muito expansionista em 2020.

Valor: A questão do coronavírus ameaça o crescimento mundial?

Mesquita: Consideramos que em um impacto de curto prazo, se a situação estabilizar nas próximas semanas, o crescimento da China sairia de algo próximo de 6% para cerca de 5,8%. Em um cenário mais negativo, se a estabilização demorar mais para acontecer, em vez de um mês demorar três meses, veríamos o crescimento da China mais próximo de 5%. Com esse primeiro movimento, revisamos o crescimento mundial de 3,2% para 3,1%. E revisamos de algumas economias da região. Não impacta o Brasil ainda, porque somos uma economia mais fechada. Mas se tivermos de revisar o crescimento mundial mais intensamente para baixo, vai ser difícil o Brasil escapar incólume.

Valor: O movimento do câmbio afeta os próximos passos na política monetária?

Mesquita: O câmbio é o principal fator de risco de alta para a meta de inflação. O câmbio no patamar que está, entre R$ 4,30 e R$ 4,40, não coloca em risco a convergência para a meta de inflação. Mas se avançar para R$ 4,50 ou R$ 4,60, esse cenário pode mudar. O que vimos nas últimas semanas é uma dinâmica em que a bolsa sobe e a taxa de juros de mercado até cai, mas o câmbio deprecia. Se a taxa de câmbio ficar por aí, não muito distante disso, esse cenário pode continuar. Mas uma depreciação ainda mais intensa e persistente do câmbio pode impactar as perspectivas de inflação. Vale notar que a pesquisa Focus ainda embute câmbio de R$ 4,10. Se os analistas começarem a revisar seus cenários e acharem que esse nível de câmbio é perene, vai acabar implicando mudança na perspectiva de inflação. Mas há de se reconhecer que tem outros fatores no cenário. A inflação de curto prazo está muito baixa e gera inércia benigna. O câmbio é um risco, não é o único determinante para a inflação.

Valor: Como está o balanço de riscos para a política monetária?

Mesquita: Eu vejo a política monetária agora com riscos bastante simétricos. De fato, tem o risco de que a inflação pode surpreender para baixo e a atividade econômica decepcionar, de forma que isso influenciaria o cenário prospectivo viabilizando novos cortes de juros. Mas tem o câmbio na outra ponta. Está bem equilibrada. A gente espera que a taxa de juros fique parada em 4,25% até o fim do ano. Nosso cenário contempla alta de juros no fim de 2021, com o objetivo de assegurar a convergência em 2022. Então, ainda é algo que está bem distante. Temos a projeção de Selic a 4,5% no fim do ano que vem. Seria o começo da normalização.

Fonte: Valor Econômico

Por Lucas Hirata e Victor Rezende



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