Rodrigo Maia e Mário Mesquita debatem perspectivas políticas e econômicas do país em webinar promovido pelo Valor
Interromper agora o isolamento social, a estratégia recomendada pelo Ministério da Saúde para conter a disseminação do novo coronavírus no país, será pior para a economia brasileira. O alerta é do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do economista-chefe do Itaú-Unibanco, Mário Mesquita.
Ao participarem, no último dia 3, do debate “Propostas para o Recomeço”, webinar promovido pelo Valor em parceria com o Itaú, Maia e Mesquita concordaram que determinar a duração do período de confinamento é competência de especialistas em saúde. Desrespeitar a recomendação das autoridades da saúde e revogar as medidas de isolamento antes do necessário – como vêm defendendo o presidente Jair Bolsonaro e alguns empresários – pode acelerar o avanço da pandemia, que já matou 486 pessoas no Brasil em meio a 11.130 casos registrados.
O isolamento social, que fechou praticamente todo o comércio desde a segunda semana de março, foi recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e adotado pela maioria dos países. O objetivo é baixar a curva epidêmica, distribuindo no tempo o pico da covid-19, a doença provocada pelo novo coronavírus, e assim o colapso do sistema de saúde, que, sem isso, não consegue atender os infectados.
Em seu cenário econômico, Mário Mesquita assume que o isolamento será de cinco semanas. Ex-diretor de Política Econômica do Banco Central, Mesquita explica que a interrupção prematura do isolamento social aumenta as chances de uma nova onda de contágio. Isso obrigaria as autoridades a voltar atrás quanto ao fim do isolamento e a impor o confinamento novamente mais à frente, derrubando o PIB num momento em que a atividade já poderia estar em processo de retomada. “Isso pode ser mais negativo para a atividade do que enfrentar o processo agora”, alertou Mesquita.
Na projeção oficial do Itaú Unibanco, o PIB brasileiro vai recuar 0,7% em 2020, mas o economista não descarta retração maior. O tamanho da contração vai depender da velocidade da retomada no período pós-isolamento.
De acordo com Mesquita, se a recuperação no terceiro trimestre for de 75% do que foi perdido em termos de atividade, o PIB vai cair 2% na média anual. Se a reação repuser apenas metade das perdas, o recuo seria mais forte, de 3% a 4%. “Recessão nós teremos. A questão é ver o tamanho do baque”, disse o economista.
Já a taxa de desemprego do país, medida pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, pode superar 12%, previu Mesquita. Ele ressaltou, no entanto, que é difícil mensurar o tamanho da desocupação nesta crise por causa do distanciamento social.
“A medida de desemprego pelo IBGE é a pessoa que está sem emprego e procurando emprego. Pode procurar emprego on-line, mas na rua… A coleta de dados fica prejudicada”. Além disso, em razão da disseminação da covid-19, o órgão suspendeu entrevistas domiciliares para a coleta de informações da Pnad.
O presidente da Câmara, por sua vez, criticou no webinar empresas que pressionam Estados e municípios a revogarem as decisões de fechamento do comércio e serviços não essenciais. “Todos nós precisamos seguir a orientação do ministro da Saúde [Luiz Henrique Mandetta]. Essas empresas vão pagar o isolamento dos idosos nas comunidades do Brasil todo? Vão pagar o isolamento das pessoas?”, questionou.
Segundo o deputado, nas famílias desses empresários, assim como nas dos parlamentares, quem têm acima de 60 anos já está isolado, mas o mesmo não ocorre em comunidades carentes da região metropolitana do Rio, por exemplo. “Vamos garantir a mesma separação entre as famílias nas comunidades? Eles [os empresários] vão financiar isso?”, indagou.
Com o argumento de preservar a economia, o discurso favorável ao fim da quarentena partiu de dirigentes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e de donos de cadeias de lojas que apoiam o presidente Jair Bolsonaro. O presidente vem defendendo a tese de que seria suficiente um isolamento “vertical”, restrito a grupos de risco.
“Os presidentes de federações de empresários não têm as condições técnicas, nem eu tenho, de avaliar se é melhor isolamento vertical ou horizontal”, observou Maia. “Tem que tomar cuidado para não assumir responsabilidades e depois ser culpado por mortes no futuro”, advertiu.
Maia criticou, ainda, quem se propõe a falar de medidas que combatam a contaminação e contrariem as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde. “Palpiteiro de crise que pode gerar mortes não me parece uma decisão adequada e responsável de qualquer um de nós”, afirmou.
O ciclo do coronavírus deve ir até junho, disse Maia, mas ainda não é possível saber quanto tempo vai durar a quarentena. De qualquer forma, ele reforçou que essa decisão cabe somente ao ministro Mandetta. Ao Estado, cabe garantir condições para solvência das empresas e para que os brasileiros mais pobres consigam cumprir a determinação da pasta, defendeu.
Maia analisou, ao longo de suas falas, a forma e a velocidade com que o governo Bolsonaro vem reagindo à chegada da covid-19 ao país e descartou, apesar das falhas que identifica no Executivo, o risco de um impeachment do presidente.
Protagonista do governo federal no combate à epidemia, Mandetta virou alvo de Bolsonaro, que o nomeou. O ministro reiterou a disposição de permanecer no cargo. Maia destacou que, apesar de Mandetta ser filiado ao mesmo partido que ele, o DEM, a sigla não influenciou na escolha do nome para o Ministério da Saúde. “O presidente fez escolhas pessoais para os ministérios. Mandetta foi escolha dele e o foi por suas qualidades técnicas”, disse o deputado.
“O conflito que o presidente constrói agora não faz nenhum sentido. Os governadores seguem orientação do ministro da Saúde, e o presidente ataca o ministro”, afirmou Maia.
Seguindo orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, governadores e prefeitos brasileiros ordenaram o fechamento de comércios e a interrupção da prestação de serviços não essenciais. Bolsonaro foi então à cadeia nacional de rádio e televisão para criticar a medida, pediu a reabertura das escolas e lançou uma campanha em vídeo com verbas públicas com o mote “O Brasil não pode parar”. Mas o presidente não tem, na opinião de Maia, coragem de trocar Mandetta. “Bolsonaro não tem coragem de tirar o ministro e mudar oficialmente a política de Saúde. Fica em uma posição dúbia.”
Durante o webinar, Maia analisou de forma dura o que considera a demora do governo em agir diante da crise do coronavírus e o posicionamento de “quem mais atrapalha do que ajuda” do presidente. Ainda assim, quando questionado se via clima em Brasília para que um pedido de impeachment prosperasse, ele afirmou que a possibilidade está fora de cogitação. “No meu radar só tem um tema: superar a crise, salvar vidas garantir empregos e a solvência das empresas”, disse. “Impeachment é um tema que nos divide e pode gerar um ambiente institucional gravíssimo.”
Entre as críticas ao Executivo, Maia dedicou especial atenção à atuação do ministro da Economia, Paulo Guedes, diante do momento atual. Para o presidente da Câmara, a equipe econômica demorou a perceber e a acreditar nas consequências da chegada da epidemia ao Brasil e, por isso, a ação desse ministério se deu sem a articulação ou celeridade necessárias. “Falta uma ação mais rápida e mais contundente do governo”, afirmou o deputado. “A ficha demorou a cair na análise dos impactos econômicos da crise.”
Para Maia, porém, “quem conhece o Brasil” – possivelmente não Paulo Guedes – já previa que a situação não seria simples. “Não há outro caminho senão uma interferência forte do Estado brasileiro. O Estado precisa comandar os gastos públicos porque é o único que pode emitir dívida e moeda”, afirmou.
O deputado defendeu a chamada PEC da Guerra, aprovada na sexta-feira pela Câmara, que segrega o Orçamento usado no combate aos efeitos do coronavírus, como forma de garantir que gastos sejam feitos no curto prazo e de forma temporária, sem comprometer a contabilidade do país no futuro.
Com a PEC, Maia acredita que, ainda que o país se endivide, oferecerá a potenciais investidores previsibilidade. “O Brasil não pode ter vergonha de gastar. Vivemos um momento de guerra”, argumentou o deputado.
Fonte: Valor Econômico
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