Regime de metas não significa que elas sejam o único fator a ser considerado, afirma Ilan Goldfajn
Em um momento de grande incerteza nos mercados globais, o Banco Central (BC) precisa conduzir a política monetária com cuidados que vão muito além do cumprimento das metas de inflação, na avaliação de economistas. Eles reconhecem que, se considerado apenas esse elemento, sobraria espaço para derrubar a taxa básica de juros para níveis cada vez mais próximos de zero. No entanto, os riscos de um descontrole do câmbio, de uma fuga de capitais e mesmo de surpresas no campo fiscal deixam claro para parte do mercado que a Selic não pode entrar em queda livre.
Como afirmou o ex-presidente do BC e chairman do conselho do Credit Suisse no Brasil, Ilan Goldfajn, o regime de metas de inflação não significa que esse seja o único fator a ser considerado nas decisões de política monetária. O cenário para a atividade, projeções de curto e médio prazo, assim como o nível do juro neutro da economia, que é bastante influenciado pela perspectiva fiscal, são todos considerados pela autoridade monetária, junto com os próprios dados de inflação.
Em evento on-line na terça-feira, Ilan destacou que é preciso ter cautela para ajustar o patamar da Selic sem perder o controle do equilíbrio externo. “Se a gente exagerar muito na redução dos juros, podemos ter uma depreciação desordenada [do câmbio] e uma perda da âncora da moeda”, disse o ex-presidente do BC. “Não podemos acreditar que temos a mesma moeda, a mesma credibilidade e o mesmo juro que é pago lá fora”, acrescentou.
Segundo ele, o juro interno precisa remunerar as taxas externas mais o risco país. E, nessa conta, a peça chave para conciliar o externo com o quadro local é justamente o câmbio. Ou seja, a queda da Selic precisaria vir acompanhada de uma depreciação do câmbio, de modo que os ativos brasileiros se mantenham atrativos, em dólares, para os investidor globais.
Para Ilan Goldfajn, redução de juro exagerada pode provocar depreciação cambial desordenada — Foto: Valor Econômico
Vale destacar que a discussão aqui gira em torno da magnitude de uma redução de juros – não de uma elevação da taxa para evitar a debandada de recursos, como aconteceu no passado.
A questão é que, neste ano, devido à crise deflagrada pelo novo coronavírus, essa conta ganha contornos mais extremos. As expectativas de inflação para 2020 já estão em 2%, bem abaixo da meta perseguida pelo BC, de 4%, enquanto economistas veem contração de até 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Por outro lado, os mercados emergentes têm sofrido de maneira geral com uma fuga de capital 10 vezes mais intensa que na crise financeira global de 2008. E, por aqui, o dólar tem buscado níveis cada vez mais altos, chegando a tocar mais de R$ 5,70 recentemente – em função também de incertezas no campo político e fiscal.
Para a economista-chefe da ARX Investimentos, Solange Srour, parte dos riscos neste cenário estão fora das mãos da autoridade monetária. “O Banco Central voltou ao banco do carona de um carro comandado pela política fiscal. Em termos de política de estabilidade do setor financeiro, sem dúvidas nenhuma, ele é o único personagem que consegue dar liquidez ao mercado em abundância. Mas essa liquidez só não fica empoçada se o setor bancário tiver confiança de que estamos atravessando por uma crise passageira. A crise política e a alta probabilidade de termos uma crise fiscal não permitem tal confiança”, alerta.
Em termos de política monetária, um afrouxamento muito maior da Selic deverá gerar um processo de intensificação da aversão ao real e um avanço do juro de longo prazo. “Será contraproducente”, resume Solange. Para ela, mesmo uma “bazuca” de intervenção no mercado de câmbio não adiantaria. “Não vai conseguir mudar a direção da moeda. Podemos e estamos utilizando nosso seguro, pois estamos no meio da pandemia, mas, se o fundamento é ruim, o seguro não evita o desastre”, acrescenta.
A grande dúvida é se todo o gasto que está sendo feito agora será temporário ou se tornará permanente. Por ora, o ministro da Economia, Paulo Guedes, bate na tecla de que as medidas de ajuste fiscal e o teto de gastos serão retomados após a crise. Mas os investidores têm exigido cada vez mais um prêmio de risco em taxas de juros de longo prazo, um sinal da desconfiança sobre essa promessa, principalmente em um ambiente política conturbado.
Para os analistas do Morgan Stanley, os riscos à agenda econômica continuam aumentando, enquanto as perspectivas de crescimento de médio prazo estão sendo desafiadas por pressões negativas. “Isso não é um bom presságio para as perspectivas fiscais, mantendo os prêmios de risco altos nos ativos locais”, dizem. “Dessa forma, o cenário atual sugere que o real permanecerá sob pressão e que a curva de juros inclinará à medida que o BC ultrapasse os limites da política monetária, potencialmente implementando medidas não convencionais, como forward guidance e compra definitiva de títulos”.
Os analistas do Morgan Stanley acreditam que o dólar superará a marca de R$ 6 nas próximas semanas. Ainda assim, a expectativa é de que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fique em 2% em 2020 e que a Selic seja reduzida para 2,75%.
Para Ilan, não basta olhar para inflação de curto prazo, mas é necessário pensar na credibilidade e nas expectativas de médio e longo prazo. “Não adianta nada ganhar uma inflação maior em poucos meses, lá no fim do ano, para a gente ter um problema mais à frente. Minha recomendação é, neste momento, olhar o equilíbrio interno – com inflação baixa, a atividade, a rolagem [de dívida] das empresas, e estímulo na recuperação –, mas pensar no equilíbrio externo – a ancora da moeda, a necessidade de depreciação ordenada e em consequência uma inflação controlada no médio e longo prazo.”
Fonte: Valor Econômico
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.