A primeira é uma reforma administrativa e a segunda é uma reforma tributária
Para exorcizar o fantasma de uma crise fiscal e assentar as bases da retomada do crescimento o Brasil precisa de muitas reformas, mas duas delas se destacam. A primeira é uma reforma administrativa, que elimine o crescimento vegetativo da folha de pagamentos do funcionalismo público e contribua para que o governo respeite o teto de gastos. A segunda é uma reforma tributária, que reduza distorções, facilite a abertura comercial, e eleve a produtividade, acelerando o crescimento econômico.
Nos 12 meses encerrados em maio último os gastos com o pessoal ativo do governo federal chegam a 11,8% do total de gastos primários. Uma avaliação realizada pelo Banco Mundial revela que no Brasil o total de funcionários representa 5,5% da população, enquanto na América Latina e no total de países da OCDE estas proporções chegam a 4,4% e 10%, respectivamente. Com base no número de funcionários não parece que a máquina governamental brasileira esteja superdimensionada, mas a situação se altera quando são considerados os salários. Devido aos benefícios da progressão automática na carreira e da estabilidade no emprego, entre 2003 e 2010 a folha de pagamentos do setor público teve um crescimento real de 7% ao ano, e o Banco Mundial mostrou que controlando pelas características individuais, como anos de estudo e experiência, os salários no setor público federal são, em média, 67,4% mais altos que no setor privado.
A pandemia acordou os brasileiros para a existência de uma enorme massa de desassistidos, e cogita-se da criação uma renda mínima permanente. Um programa de sucesso como o Bolsa Família poderia ser ampliado aumentando o cadastro de beneficiados sujeitos às condições do programa, mas para isso são necessários recursos. A forma correta de custear esse programa, que tem um retorno social inegavelmente muito elevado, é remanejando recursos. Uma boa reforma administrativa seria uma fonte parcial de recursos para essa finalidade.
O que se busca com as reformas tributárias atualmente em discussão dentro e fora do Congresso é o aumento da produtividade, e não das receitas. Muitas delas têm benefícios, porém a que mais se destaca é a contida na PEC 45, atualmente em discussão na Câmara dos Deputados, que unifica todos os impostos sobre bens e serviços transformando-os em um IVA com alíquota uniforme, cobrado no destino do bem, e não na sua origem. A razão mais importante para sua vantagem está na inclusão do ICMS. Se este imposto for cobrado no destino, desaparece o estímulo à guerra fiscal entre Estados, que distorce a alocação regional de investimentos.
O outro benefício é que o emaranhado de exceções às regras geradas por isenções parciais ou totais e de alíquotas diferenciadas fez com que ele deixasse de incidir sobre o valor adicionado, transformando-se em um imposto em cascata, tornando impossível a recuperação de créditos em operações interestaduais e a sua plena isenção nas exportações. Devido às distorções do ICMS há, no Brasil, um imposto implícito sobre as exportações de produtos manufaturados que é um dos responsáveis pelo desempenho medíocre de nossa indústria. O subproduto desta reforma seria facilitar a abertura comercial. O Brasil é uma das economias mais fechadas do mundo. Em 2019 o comércio brasileiro (importações mais exportações) representou apenas 29% do PIB, enquanto a média dos países da América Latina é de 53% do PIB. Precisamos aumentar exportações e importações e reduzir os enormes graus de proteção, com tarifas efetivas de mais de 100% no setor automobilístico e em torno de 70% no setor têxtil.
Infelizmente o governo não demonstra disposição de propor uma reforma administrativa abrangente, e por isso nos próximos anos continuaremos a assistir ao crescimento real da folha de pagamentos do setor público. Cresce, assim, a probabilidade de que o teto de gastos seja ou descumprido ou flexibilizado, e que para evitar o crescimento insustentável da dívida pública corre-se o risco de assistir ao aumento da carga tributária, com efeitos negativos sobre o crescimento. Não há, também, disposição de lutar por uma reforma abrangente dos impostos sobre os bens e serviços, limitando-se à unificação do PIS e do Cofins. Talvez o governo proponha uma desoneração da folha de pagamentos do setor privado, porém à custa da reintrodução de um imposto sobre transações. Nada disto gera qualquer entusiasmo.
Fonte: Estado de SP
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.