Simon Schwartzman
O novo Programa de Responsabilidade Social é um importante salto de qualidade
Os programas de transferência de renda começaram no governo de Fernando Henrique Cardoso, foram ampliados no governo Lula e está aberta a discussão de como vão continuar. Pouca gente duvida de sua importância e necessidade. Se antes se pensava que a miséria era inevitável, hoje não se pode mais admitir que pessoas fiquem sem pelo menos um mínimo para se alimentarem e sobreviverem.
Nestes mais de 20 anos, muita coisa se aprendeu sobre o que funciona ou não no Bolsa Família. Ao contrário da maioria dos programas sociais brasileiros, o Bolsa Família é relativamente bem focalizado, atendendo a quem mais necessita, a partir das informações de um grande cadastro único. As transferências se dão de forma simples, sem burocracia, e o principal resultado é a redução do número de pessoas em situação de pobreza extrema. Por outro lado, as chamadas “condicionalidades”, que associam os benefícios à frequência das crianças na escola e ao atendimento nos serviços de saúde, funcionam pouco. E pela imprecisão do cadastro único existem muitas pessoas recebendo sem precisar e outras que precisam e ficam de fora.
Uma decisão importante para renovar o Bolsa Família é quanto dinheiro vai ser gasto. R$ 35 bilhões, como proposto pelo governo para 2020? Ou R$ 100 bilhões, o que talvez fosse possível se a economia melhorasse? Seja quanto for, é imprescindível avaliar a experiência até aqui e fazer o dinheiro ser mais bem empregado, focado em quem mais necessita e buscando resultados realistas.
É exatamente isso que faz a proposta do Programa de Responsabilidade Social elaborado por um grupo de especialistas liderados por Vinicius Botelho, Fernando Veloso e Marcos Mendes e patrocinado pelo Centro de Debates de Políticas Públicas de São Paulo. A primeira e talvez principal novidade é distinguir as situações de pobreza das situações de informalidade. Pessoas que trabalham informalmente nem sempre ganham muito pouco, mas vivem na incerteza. A ideia, por isso, é criar, ao lado da transferência de renda para os que ganham pouco ou nada, um seguro simples e barato que possa ser usado para as pessoas que trabalhem informalmente.
A segunda inovação é substituir os antigos benefícios voltados para crianças e jovens por políticas mais bem enfocadas. A ideia errada do Bolsa Família era que crianças pequenas não iam à escola porque precisavam trabalhar e o problema se resolveria pagando às famílias para os filhos estudarem. Mas já então se sabia que o problema do abandono escolar é menos de dinheiro do que da má qualidade das escolas, que os estudantes, a partir dos 11 ou 12 anos, começam a abandonar porque não conseguem acompanhar as aulas e perdem a motivação.
O novo programa propõe três políticas inovadoras. Primeiro, a abertura de uma conta de poupança para cada criança na escola, que só poderia ser resgatada quando concluísse o ensino médio. Segundo, recursos para apoiar os jovens em situação de pobreza que se sobressaem nas olimpíadas de matemática e em certames semelhantes, que mobilizam anualmente milhões de jovens e permitem identificar talentos, e ficariam perdidos sem o apoio necessário. Terceiro, recursos adicionais para a expansão do programa Criança Feliz, que atende diretamente crianças e gestantes com visitas de assistentes sociais, que são muito mais efetivas do que o simples incentivo financeiro. Claro que os problemas de educação e saúde brasileiros dependem sobretudo de melhorias no funcionamento das redes escolar e de saúde, e não desses incentivos, mas eles podem dar uma contribuição importante.
Para que esse programa funcione duas outras medidas são essenciais. A primeira seria trazer para o programa recursos que hoje são gastos com salário-família e abono salarial, cuja focalização é muito mais incerta, e para isso se prevê um mecanismo de transição. A segunda, a ampliação e reformulação do cadastro único, que deveria evoluir para um cadastro universal com informações mais confiáveis sobre toda a população brasileira.
O cadastro tem hoje mais de 76 milhões de inscritos e é utilizado por cerca de 30 programas sociais diferentes, que nem sempre usam os mesmos conceitos de pobreza, família, rendimento e pobreza. Ele é alimentado pelas prefeituras, e pessoas interessadas podem pedir para ser incluídas. Com o auxílio emergencial da covid o governo federal deparou com milhões de pessoas “invisíveis” em situação de necessidade, por estarem fora do cadastro e de outras bases de dados governamentais. A fidedignidade do cadastro deve ser aferida pelos dados censitários e amostrais do IBGE, mas com o adiamento do censo a incerteza aumenta. A unificação dos diferentes cadastros existentes no IBGE e nos Ministérios da Cidadania, da Economia, da Educação e da Saúde é uma necessidade urgente, que precisa ser feita sem comprometer a proteção das informações individuais.
As propostas do novo Programa de Responsabilidade Social são um importante salto de qualidade em relação ao Bolsa Família. E precisam ser seriamente consideradas pelo Congresso.
Fonte: Estadão
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.