Proposta inclui fusão de benefícios do Bolsa Família, poupança para informais e depósito para estudantes
[RESUMO] Pesquisadores apresentam proposta de redesenho da rede de proteção social que permitiria, sem orçamento adicional, maior redução da pobreza e da desigualdade e ampliação da cobertura para grupos historicamente desprotegidos, como os trabalhadores informais.
A convite do CDPP (Centro de Debates de Políticas Públicas), elaboramos uma proposta de aprimoramento da rede de proteção social brasileira, respeitando os limites impostos pela nossa delicada situação fiscal.
A proposta, chamada de Programa de Responsabilidade Social, consiste em um projeto de lei e uma PEC (proposta de emenda à Constituição), acompanhados de suas justificativas e de um artigo mais detalhado sobre as simulações e as estratégia sugeridas.
As políticas públicas desenvolvidas desde a década de 1960 procuraram proteger, de um lado, os trabalhadores do mercado formal —com programas como o abono salarial e o salário família, restritos a quem tem carteira assinada— e, de outro, mais recentemente, os muito pobres —com programas como o Bolsa Família.
Os informais com capacidade de gerar renda, mas sujeitos ao risco de forte oscilação de seus rendimentos, ficam entre esses dois extremos, sem proteção adequada. Como não contam com seguro social, uma doença ou um choque econômico podem impedi-los de trabalhar, gerando perda abrupta de rendimento.
A pandemia da Covid-19 é um exemplo extremo dessa vulnerabilidade. Para proteger os informais, foi criado o auxílio emergencial, uma espécie de seguro temporário para amenizar a perda de renda. No entanto, o auxílio emergencial não é uma solução adequada para a proteção dos informais no pós-pandemia, devido ao custo insustentável e ao desenho inadequado.
O fato de uma parcela significativa dos informais possuir capacidade de geração de renda suficiente para se manter fora da pobreza coloca-os em situação distinta das famílias em pobreza extrema e estrutural. Temos, portanto, dois públicos diferentes, que precisam ser atendidos por instrumentos diferentes. Enquanto o problema dos muito pobres é a falta de renda, o dos informais é a oscilação da renda.
Quando se adota a transferência de renda como forma de resolver o problema da volatilidade de renda, como no auxílio emergencial e na maioria das propostas atualmente em debate, gasta-se mais e obtém-se menor redução da pobreza.
Também nos parece pouco eficaz tentar proteger os informais por meio de programas de formalização. Nos últimos anos, tentaram-se várias estratégias nesse sentido, como o MEI (microempreendedor individual) e o contribuinte facultativo de baixa renda. Porém, o grau de proteção obtido continua baixo, como comprovado pela necessidade de criar o auxílio emergencial.
As mudanças estruturais no mercado de trabalho, com a expansão da “economia dos aplicativos”, tendem a reduzir ainda mais a eficácia da estratégia de prover proteção social por meio da formalização dos contratos de trabalho no modelo tradicional.
Nesse sentido, parece mais viável e eficaz encaixar a proteção dos informais como um módulo específico e com desenho apropriado nas políticas de assistência social. Esse caminho é mais promissor que a estratégia de inclusão por meio de estímulos à formalização, como ocorre, por exemplo, na proposta de desoneração de encargos trabalhistas aventada pelo Ministério da Economia.
Com o CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais), o Brasil evoluiu muito em seus instrumentos para identificar as famílias de baixa renda. Não podemos abandonar essa experiência bem-sucedida, que reduz custos e aumenta a focalização, em nome de programas universais que têm baixa eficiência no combate à pobreza e custos insustentáveis. Aperfeiçoar o cadastro e intensificar o seu uso representam parte essencial da construção de uma proteção social eficaz.
Já existe um significativo contingente de trabalhadores registrados no CadÚnico, que declara uma parte do que recebe pelo trabalho informal. Segundo nossas estimativas, essa declaração espontânea de renda informal já economiza ao programa Bolsa Família aproximadamente R$ 20 bilhões por ano, uma vez que a renda declarada leva à redução dos benefícios pagos às famílias. Por isso, a informação é uma poderosa arma para combater a pobreza.
Mecanismos que incentivem a declaração da renda informal dos beneficiários têm potencial para, mediante alocação dos recursos a quem mais precisa, viabilizar o aumento no valor dos benefícios e na quantidade de famílias beneficiárias.
As principais características do Programa de Responsabilidade Social são descritas a seguir.
Seria criado o benefício de renda mínima (BRM), que fundiria em apenas um os atuais quatro benefícios que compõem o Bolsa Família. A estrutura do programa atual é fragmentada e sobreposta, além de punir excessivamente a declaração da renda do trabalho.
O BRM completaria a renda da família até o patamar de R$ 125 per capita. Além disso, reduziria para 80% o desconto da renda do trabalho declarada pela família. Nossa estimativa é que o número de famílias atendidas pelo BRM chegue a 13,2 milhões, com valor médio de R$ 230 mensais.
Para lidar com a volatilidade da renda dos informais, seria oferecida a poupança seguro-família. As famílias que estejam na faixa de renda que seja suficientemente baixa para as tornar elegíveis ao BRM receberiam depósito mensal equivalente a 15% do rendimento do trabalho.
Para as famílias que estiverem acima do nível de renda que garante o recebimento do BRM, esse percentual estaria sujeito a uma redução gradativa, tendendo a zero conforme a renda do trabalho crescesse.
Esse instrumento, ao mesmo tempo que visa formar uma reserva a ser usada em momentos de queda de renda, também tem o objetivo de estimular as famílias a declararem rendimentos no CadÚnico, já que o valor depositado mensalmente para compor a poupança será proporcional à renda do trabalho declarada, sujeito a um teto.
Como afirmado acima, quanto mais fidedigna a renda declarada ao cadastro, maior a capacidade da política pública em focalizar a assistência nos mais necessitados.
O depósito seria feito para famílias com renda do trabalho formal ou informal. A neutralidade em relação ao tipo de contrato é importante para evitar que o programa gere incentivos à informalidade.
Os depósitos poderiam ser sacados em caso de morte dos provedores de renda da família, calamidades, período de defeso (para os pescadores) e queda do rendimento declarado no CadÚnico, neste último caso limitado a dois saques por ano.
Nossa estimativa é de que o seguro-família ofereça cobertura a 12,5 milhões de famílias com poupança —somado ao BRM, representaria importante colchão de segurança.
Dado que o veículo principal para a emancipação econômica é a educação, apresentamos um conjunto de medidas integradas nessa área, por meio do programa Mais Educação.
Cria-se depósito em poupança no valor de R$ 20 mensais para as crianças no ensino fundamental e os jovens no ensino médio, enquanto pertencerem a famílias elegíveis ao BRM.
Essa poupança, que pode chegar a R$ 3.000 ao final do ciclo escolar, atendendo a 6,7 milhões de famílias, somente poderá ser sacada caso os jovens concluam o ensino médio, visando reduzir a elevada taxa de abandono nessa fase dos estudos.
Além disso, propõe-se apoio de R$ 1,2 bilhão aos estudantes beneficiários do BRM que apresentam bom desempenho em olimpíadas escolares ou que estejam cursando o ensino superior, como forma de ajudar a desenvolver talentos.
Para a promoção do desenvolvimento infantil, propõe-se a expansão da visitação domiciliar já existente no âmbito do programa Criança Feliz, ampliando seu orçamento para R$ 3,6 bilhões e o seu atendimento para 4 milhões de crianças e gestantes.
Como a gestão da informação é central para o sucesso da estratégia, propõe-se a universalização do CadÚnico. Para fazê-la sem comprometer a capacidade operacional de cadastramento que existe hoje, é preciso diversificar os canais de atendimento, como a atualização online ou pelos agentes sociais em visita às famílias.
Essencial será a criação de regras de compartilhamento obrigatório de informações entre os diversos bancos de dados do setor público, para que o CadÚnico possa ser atualizado automaticamente e, dessa forma, diminuir a necessidade de prestação, pelos beneficiários, de informação de que o governo federal já dispõe em registros administrativos.
A nova configuração da política social pressupõe a fusão do Bolsa Família com programas de desenho antiquado e baixa capacidade de redução de pobreza: o salário-família, o abono salarial e o seguro-defeso.
Existem amplas evidências quantitativas de que os programas a serem fundidos ao Bolsa Família, ao contrário deste, têm capacidade praticamente nula de reduzir a pobreza e a desigualdade. Além de manter a cobertura à parcela mais carente dos beneficiários atuais, esse redesenho permitirá alcançar pessoas hoje desprotegidas e mais necessitadas.
O resultado será um maior poder de redução da pobreza e da desigualdade. Vale lembrar que o bem-sucedido Bolsa Família nasceu da fusão de diversos programas assistenciais em 2003.
A fusão dos programas representa um orçamento de R$ 57,1 bilhões. Nada impede que, durante o processo anual de alocação orçamentária, haja a decisão de elevar essa dotação. Em nossa proposta, fazemos sugestões de redução de despesas que poderiam ampliar o orçamento disponível.
Comparado a outras propostas atualmente em debate, o Programa de Responsabilidade Social mostrou-se superior, tanto na capacidade de combate à pobreza quanto na ampliação do público coberto.
Estimamos redução entre 11% e 24% da pobreza atual só com o redesenho da estrutura de benefícios, sem orçamento adicional. Além disso, do total de famílias vulneráveis atualmente fora da estrutura de proteção social, 95% passariam a ser atendidas.
É grande o potencial de aprimorar a proteção social brasileira sem sobrecarregar o erário, e acreditamos que o Programa de Responsabilidade Social seja a melhor escolha nessa direção.
Fonte: Folha de S.Paulo
por Vinícius Botelho-Pesquisador associado do Ibre/FGV, Fernando Veloso – Pesquisador do Ibre/FGV, Marcos Mendes – Pesquisador associado do Insper, é autor de ‘Por que É Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil?, Anaely Machado Doutoranda em economia pela UnB, Ana Paula Berçot – Bacharel em estatística
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.
Pesquisador do Ibre/FGV