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Isolamento social na pandemia

Medidas mais extremas de distanciamento reduziram a taxa de crescimento do número de casos e óbitos

Vários países implementaram medidas de distanciamento social para lidar com uma pandemia. Enquanto alguns líderes tomaram medidas duras desde o início, outros minimizaram como consequências do vírus. Além disso, nos países federativos houve grande variação na intensidade das medidas adotadas entre as unidades da federação, como no caso brasileiro. Afinal, medidas mais restritivas foram capazes de aumentar o isolamento social e diminuir o ritmo de contágio e o número de mortes? Como resolver o trade-off entre o custo econômico e social do isolamento e o número de mortes pela doença?

Tentamos obter respostas para algumas dessas questões em artigo recente que utiliza dados de isolamento social, número de casos e de óbitos e políticas de distanciamento em todas as capitais brasileiras1. Para mensurar o distanciamento recorremos ao índice de isolamento social de uma empresa nacional com dados de 60 milhões de brasileiros calculado diariamente. Os dados epidemiológicos foram obtidos por meio de um repositório GitHub que centraliza links e dados sobre boletins de número de casos das secretarias estaduais de saúde no Brasil (por município por dia). Além disso, catalogamos mais de 500 decretos estaduais e municipais nas capitais e classificamos cada política de distanciamento em quatro graus de intensidade, que vão desde a limitação de servidores públicos e suspensão das aulas até a restrição total de circulação de pessoas em atividades não essenciais (lockdown). O que mostram os resultados?

Medidas mais extremas de distanciamento reduziram a taxa de crescimento do número de casos e de óbitos

A figura abaixo compara a evolução dos índices de distanciamento social em São Paulo e em Fortaleza entre fevereiro e julho. O primeiro ponto a ressaltar é a similaridade do comportamento das curvas de isolamento nas duas cidades, apesar de elas terem adotado diferentes medidas de distanciamento social em diferentes momentos do tempo. As linhas seguem praticamente coladas na maior parte do período, começando mais baixas, aumentando no carnaval, dando um salto grande a partir de 11 de março (quando a OMS declarou que o coronavirús era uma nova pandemia) e declinando lentamente a partir de 26 de Março.

Assim, parece claro que há um padrão nacional de evolução do isolamento no Brasil, refletindo a percepção dos brasileiros em todos os Estados com relação à gravidade da crise e ao risco de contaminação e morte. Esse comportamento explica mais o isolamento nas capitais do que as medidas específicas de distanciamento tomadas em cada unidade da federação.

Mas as medidas específicas de distanciamento também fizeram diferença. Por exemplo, em 5 de maio, Fortaleza adotou a medida mais extrema (lockdown), que nunca foi adotada em São Paulo. A figura mostra que durante o lockdown o isolamento realmente foi maior em Fortaleza, sendo que as curvas se juntam novamente após o fim dessa medida, que ocorreu em 4 de junho.

Mas será que as medidas de distanciamento conseguiram reduzir o número de mortes? O artigo mostra que sim, ao comparar o número de casos e de óbitos entre as capitais dia a dia, ou seja, verificando se nas capitais que adotaram medidas mais fortes alguns dias antes das outras a mortalidade começou a diminuir antes também. Verificamos, em primeiro lugar, que a adoção de medidas de distanciamento mais extremas realmente faz diferença no isolamento, aumentando o índice de isolamento social em quatro pontos percentuais com relação a medidas menos extremas, como demonstrado na figura.

Além disso, medidas de distanciamento mais extremas reduzem a taxa de crescimento do número de casos e de óbitos em 8% exatamente 25 dias depois de serem adotadas. É importante ressaltar que mesmo decretos menos restritivos têm impactos significativos sobre a taxa de crescimento dos casos e que a diferença de impacto entre medidas extremas e mais brandas não é tão grande.

Para sabermos (em retrospectiva) qual deveria ter sido a intensidade e a duração ótimas das medidas de distanciamento, precisaríamos comparar a redução do número de óbitos provocadas pelas medidas com o aumento do número mortes trazido pela redução da atividade econômica. Pesquisas mostram que grandes quedas de emprego e de renda tendem a provocar aumento de problemas de saúde e mortalidade, especialmente entre os mais pobres. Mas ainda é cedo para calcular esse impacto no Brasil, especialmente porque o programa de renda básica emergencial foi bem sucedido ao atenuar fortemente os impactos da crise sobre os mais pobres, seja diretamente através do aumento de renda, ou indiretamente através dos seus efeitos sobre a atividade econômica, em todo o Brasil.

Em suma, a falta de liderança do governo federal para coordenar o comportamento da população e introduzir testagem em grande escala prejudicou o controle da pandemia a nível nacional, tendo provocado um aumento do número de casos, redução da atividade econômica por mais tempo e adiado o retorno às aulas. Os governos estaduais e municipais tentaram lidar com essa situação com medidas de distanciamento, que foram importantes para diminuir o número de óbitos, mas insuficientes para um controle mais rápido da pandemia.

O isolamento nas cidades ainda continua bem mais alto do que antes da pandemia e, portanto, a atividade econômica ainda vai demorar a retornar ao normal, o que deve aumentar o desemprego, a pobreza e desigualdade com o fim do auxílio emergencial, diminuindo assim a popularidade do governo. Novas medidas sociais deverão ser adotadas para reverter esse processo até o final desse ano, provavelmente com o desabamento do teto.

1 “Os Impactos das Medidas de Distanciamento Social sobre o Crescimento do Número de Casos e Óbitos por Covid no Brasil” por Angelo Marino, Bruno Komatsu e Naercio Menezes Filho.

Fonte: Valor Econômico

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

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Naercio Menezes Filho