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Economista e presidente de ONG discutem o Renda Cidadã

Foto: Montagem sobre fotos de Marta / Valor;  e Tapera Taperá / Divulgação
Foto: Montagem sobre fotos de Marta / Valor; e Tapera Taperá / Divulgação

MARCOS MENDES , 55 anos, fluminense

O que faz e o que fez: é pesquisador do Insper e consultor legislativo no Senado. Ex-assessor do Ministério da Fazenda, é especialista em contas públicas, com doutorado em economia pela Universidade de São Paulo (USP)

LEANDRO FERREIRA , 31 anos, paulista

O que faz e o que fez: é presidente da Rede Brasileira de Renda Básica e um dos idealizadores da campanha # 600AtéDezembro. Tem mestrado em políticas públicas pela Universidade de São Paulo (USP)

Quais serão os impactos do fim do auxílio emergencial para seus beneficiários e para a economia do país?

MARCOS MENDES Se a média de mortes continuar se não ritmo atual, a economia voltará mais rápido ea necessidade de suporte será menos intensa. Se tivermos uma segunda onda que assuste as pessoas e como pneu de circulação, será preciso ter alguma ajuda. O fundamental, contudo, é as regras para que o dinheiro chegue a quem fornece melhorar, porque a situação das contas públicas é crítica. Se entrarmos em rota de endividamento descontrolado, a crise econômica será não apenas grave, mas duradoura. E aí, em vez de diminuir, a pobreza aumentará.

LEANDRO FERREIRA O fim do auxílio devolverá seus beneficiários, além de suas famílias, à condição de pobreza, extrema pobreza e baixa renda sem que uma alternativa tenha sido encontrada até agora. Esse impacto já é sentido pelo corte de 50% no benefício, motivo pelo qual apoiamos uma campanha de R $ 600 até dezembro. Isso é agravado por um mercado de trabalho sem sinais de recuperação. É provável que boa parte das vagas perdidas não seja recuperada. Essa é a razão pela qual uma renda básica dissociada do vínculo profissional se faz tão importante na recuperação pós-pandemia. Na medida do possível, deve almejar a universalidade e prover segurança de renda como um direito de todos.

Programas de renda básica são uma única saída para a diminuição da desigualdade no Brasil?

MM Não. Existem duas abordagens: dar uma renda básica para todos ou focalizar os mais pobres. O Brasil tem uma experiência de sucesso com a focalização, que é o Bolsa Família, programa de reconhecimento reconhecido internacionalmente. Não faz sentido jogar para todos esses avanços e embarcar em um modelo novo, desconhecido e de alto cost. Melhorar o desenho do Bolsa Família, investir na melhoria dos cadastros para conhecer melhor o perfil das famílias carentes e criar um benefício adequado aos informais, que têm renda, mas alto risco de perdê-la em momentos de crise, parece o melhor caminho.

LF Serviços públicos de qualidade, como de saúde, educação e moradia, diferenciados como desigualdades. Mas, com a renda básica, o objetivo é não descuidar de algo fundamental, que é a autonomia conferida a cada pessoa para fazer as escolhas que consideram importantes para suas necessidades, seja pagar um aluguel, seja tomar um ônibus para buscar oportunidades de trabalho. Políticas sociais são complementares entre si, nesse sentido.

A proposta atual do governo institui uma chamada Renda Cidadã. Essa mudança era necessária ou o Bolsa Família já cumpria um papel satisfatório?

MM Não se sabe ainda o que será esse Renda Cidadã. Corre-se o risco de que seja um programa caro e pouco efetivo se ele tentar simplesmente manter o apoio ao presidente por parte de quem ganhou auxílio emergencial. Nesse caso, seria preferível simplesmente expandir o Bolsa Família.

LF Por enquanto, as propostas do governo estão mais para alteração de marca que de objetivos. O Bolsa Família cumpre o papel fundamental de atacar a pobreza e a desigualdade brasileiras. As mudanças propostas até aqui não fazem mais do que incorporar um contingente que já estava nas filas de acesso ao programa, além de atualizar valores de elegibilidade e benefícios, que estão defasados ​​há muitos anos. O último aumento foi dado por Michel Temer e já ficou abaixo da informação. Além disso, propostas como o fim do abono ou o uso de recursos da educação prejudicam políticas públicas que têm entre seus beneficiários um público potencialmente vulnerável.

O Brasil passa por um período de forte aperto fiscal. É possível conciliar combate à desigualdade com ajuste fiscal?

MM É falso o dilema entre responsabilidade fiscal e proteção aos mais pobres. Veja o que acontece nos estados brasileiros. Os que apresentam sucesso nas avaliações de educação, na redução da mortalidade infantil ou na redução de homicídios são estados como Espírito Santo, Ceará ou Paraná, que têm boa gestão fiscal. Já os estados que gastaram very and quebraram, como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, viram seus indicadores sociais desandar.

LF As regras fiscais não devem interditar a necessidade de atenção aos representantes de pessoas que passam por privações em suas necessidades mais básicas, em especial diante da opulência dos mais ricos. O dinheiro destinado às transferências de renda comprovadamente gera efeito multiplicador no crescimento da economia, e isso tem de ser levado em conta na decisão sobre quais gastos devem ser priorizados.

Caso um programa como o Renda Cidadã seja aprovado, como ele deve ser financiado?

MM Primeiro, é preciso desenhar um programa eficiente. Participei da elaboração de uma proposta para o Centro de Debates Políticas Públicas que tem potencial de reduzir a pobreza em 24% sem gastos. Segundo, é preciso rever programas sociais defasados ​​e ineficazes, redirecionar para o programa parte das emendas parlamentares, assim como limitar altos custos e benefícios do funcionalismo.

LF A reforma principal que precisamos para ampliar o direto à renda é uma reforma tributária que incida sobre os mais ricos. O caminho para o financiamento do programa de renda e os demais serviços públicos é dar maior progressividade à arrecadação, ou seja, quem tem mais contribui proporcionalmente mais – o contrário do que ocorre hoje. Da forma como funciona hoje, os pobres pagam mais impostos que os mais ricos. Essa necessidade é anterior à pandemia.

É possível para o Brasil instituir um programa de renda básica universal? É possível que esse valor seja próximo aos R $ 600 que foram instituídos durante o auxílio emergencial?

MM Não. Pagar R $ 600 por mês a todo brasileiro custaria R $ 1,6 trilhão por ano. Isso é mais de 20% do PIB. Nem mesmo um quarto disso seria factível. Seria preciso aumentar a carga tributária em 5% do PIB para pagar a conta. Isso jogaria a economia para baixo, aumento a pobreza, em vez de reduzi-la.

LF O Brasil pode chegar à Renda Básica de Cidadania, universal e incondicional, algo que nossa história recente e legislação já apontavam como possibilidade antes da pandemia. Para isso, precisamos dar passos concretos nessa direção desde já. O valor deve ser o crescente necessário para garantir a dignidade e a liberdade de acordo com o desenvolvimento do país. Com a renda básica para todos, mesmo que o valor seja menor que os R $ 600, mais pessoas por família recebem, possibilitando que o soma dos benefícios por família seja até superior ao auxílio emergencial.

O governo se disse surpreso com a presença de milhões de cidadãos “invisíveis”, que não recebiam sequer o Bolsa Família. A desigualdade no Brasil é maior do que pensávamos?

MM A surpresa veio de não haver um Cadastro Único com capacidade para identificar como pessoas afetadas e atendê-las prontamente. Sem informação disponível, optou-se por dar dinheiro a muito mais gente, com um aumento da dívida pública que vai custar muito para toda a população. A lição é que precisamos universalizar o Cadastro Único e ter informação ágil, para sabermos a quem ajudar no momento de crise. Com a revolução da informação, é possível fazer isso e ter maior proteção social com menor custo.

LF Só se surpreende com esses números quem não conhece a realidade do próprio país. Uma pandemia revelou uma incapacidade do Estado de lidar com o problema, mas a pobreza infelizmente é velha conhecida do Brasil. Um bom exemplo disso é uma fila do Bolsa Família, que já estava próxima de 10 milhões de pessoas antes da Covid-19. A desigualdade continua se aprofundando, mas invisível mesmo é o rendimento dos mais ricos, que o país não consegue tributar.

Fonte: Época

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

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