Valor Econômico
Alta teria ocorrido neste ano sem o auxílio, o Bolsa Família e o BPC
Se fossem desconsiderados os efeitos de Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada (BPC) e auxílio emergencial, a pobreza teria avançado de 10,3% da população em dezembro de 2019 para 14% em setembro deste ano, como resultado do impacto da pandemia. Com o aumento de quatro pontos percentuais, esse grupo de dos mais vulneráveis atingiria o total de 29,6 milhões de pessoas, com ampliação de perfil dos que caem na pobreza. O cálculo da taxa considera integrantes de famílias com renda abaixo de US$ 1,90 per capita ao dia, por paridade do poder de compra. Ou, em moeda nacional, de R$ 154 per capita ao mês, em valores de dezembro de 2020.
Ao medir a pobreza anterior ao efeito dos programas sociais já estruturados antes da pandemia e também do auxílio emergencial, essa taxa de pobreza revela o crescimento da demanda por uma rede de proteção social, diz Vinicius Botelho, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV). O economista calculou as taxas com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua e da Pnad Covid divulgadas pelo IBGE.
Na decomposição mês a mês desde maio, sempre desconsiderando os programas sociais, Botelho ressalta que a fatia das pessoas em famílias com rendimento abaixo dos R$ 154 mensais teria chegado a 17,1% em maio, mas já teria deixado para trás um “solavanco de recuperação”, refletindo o início de retomada da atividade econômica. Já houve acomodação dessa demanda desde agosto, diz ele, quando o nível de pobreza teria chegado a 14,3%, para depois baixar a 14% em setembro. Apesar do ajuste nos últimos meses, diz Botelho, trata-se de um nível alto. Ele pondera que não há séries históricas longas e comparáveis, mas é possível dizer que essa taxa ficou entre 10% e 11% desde 2017.
Os dados de agosto e de setembro mostram acomodação da melhora da taxa em relação a maio e junho, o que dá indicativo de convergência para patamar um pouco mais alto de pobreza do que o anterior à pandemia, diz Botelho. “Há ainda uma recuperação econômica por vir e esses números devem se acomodar mais um pouco nos próximos meses, mas já fica mais claro um aumento de demanda por programas sociais.”
A evolução dessa demanda, diz ele, dependerá do cenário de crescimento, especialmente da renda per capita. “Existe uma associação entre nível de pobreza, crescimento e a desigualdade do crescimento.” Dados da Pnad Contínua desde 2012, lembra, mostram que o crescimento da renda dos mais pobres – considerando os 10% mais pobres – ficou muito aquém da recuperação da economia. “Se essa tendência perdurar, teremos aumento da desigualdade do crescimento.” Botelho lembra que isso deve ser considerado em conjunto com a perspectiva de destruição de PIB per capita entre 2020 e 2021. “Ou seja, vamos terminar 2021 mais pobres do que começamos 2020. A soma disso à intensificação da desigualdade do crescimento aponta para piora da pobreza em 2021 versus 2019. E deve seguir até o fim de 2021, com provável aumento da pressão por programas sociais.”
“Precisaremos de respostas rápidas de política pública para enfrentar isso”, diz o pesquisador, ex-secretário de Avaliação e Gestão da Informação do Ministério da Cidadania. O retorno a um nível pré-pandemia de pobreza, avalia, deve ser lento. “Na crise que tivemos em 2015 e 2016, os índices de pobreza subiram até 2017”, diz ele, lembrando que nesse último já houve recuperação. Em 2017 o PIB cresceu 1,3%, após quedas de 3,5% e de 3,3% em 2015 e 2016, respectivamente. As quedas de taxas após períodos com avanço da pobreza são demoradas, avalia, e por isso os benefícios sociais não podem tardar.
Defensor da necessidade de ampliar e tornar mais eficiente a atual rede de proteção social, Botelho coordenou, no âmbito do Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP) ao lado dos economistas Fernando Veloso e Marcos Mendes, uma proposta que redesenha programas hoje existentes. Por esse projeto, o Bolsa Família se juntaria a outros programas considerados antiquados pelos economistas e de baixa capacidade de redução da pobreza, como salário família, abono salarial e seguro-defeso. Esse programa, defendem os pesquisadores, pode reduzir entre 11% e 24% a taxa de pobreza atual somente com a reestruturação desses auxílios hoje existentes, sem orçamento adicional. E passaria a atender 95% das famílias vulneráveis atualmente fora da atual rede de proteção social.
Enquanto o governo federal não define um redesenho da atual estrutura de proteção, Estados e municípios já contabilizam uma demanda maior por assistência social bater às suas portas. De janeiro a agosto, os gastos com assistência social no agregado de Estados e capitais somou R$ 6,3 bilhões, sendo R$ 3,5 bilhões nos governos estaduais e R$ 2,8 bilhões nas prefeituras. A assistência social demanda muitos menos recursos que pastas como saúde ou educação, mas os gastos para essa área avançaram 18% nos Estados e 14% nas capitais de janeiro a agosto deste ano, na comparação nominal com iguais períodos de 2019. Uma elevação destacável em período em que governos estaduais e municipais precisaram ser socorridos pela União para recompor receitas e fazer frente às demandas da pandemia.
Além do aumento de pessoas incluídas em cadastros de benefícios sociais, representantes de Estados e municípios dão indícios de que a população mais vulnerável inclui hoje pessoas que não demandavam antes serviços de assistência social. “O choque tem essa natureza heterogênea, possivelmente com outro perfil de pessoas caindo na pobreza”, avalia Botelho.
Para ele, é essencial que, após a acomodação dessa maior demanda por programas sociais, as prefeituras tenham mecanismos para identificar os mais vulneráveis. O cadastro único e o Bolsa Família já têm informações, mas será preciso ter estratégias de busca ativa, pois há um contingente novo de pessoas em situação de pobreza e que não conhecem os canais de proteção, diz Botelho.
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