José Olympio Pereira, Estadão
Presidente do Credit Suisse no Brasil traça cenários para 2021 e analisa tendências para o mercado financeiro brasileiro
O Credit Suisse é uma das maiores instituições financeiras globais. O banco, sediado em Zurique (Suíça), atua com força na área de investimentos e private banking, ou seja, com foco em serviços para clientes institucionais. Com R$ 350 bilhões em ativos sob custódia, o presidente da operação no Brasil, José Olympio Pereira, acumula mais de três décadas de experiência no mercado financeiro. Nesta entrevista ao E-Investidor, ele fala sobre as principais perspectivas para 2021, considerando o cenário doméstico e externo.
Segundo o executivo, a agenda fiscal precisa ser endereçada no próximo ano, com o Governo atento ao teto de gastos. Por outro lado, com as taxas de juros beirando os patamares negativos mundo à fora, o País pode entrar nos holofotes do investidor estrangeiro, mesmo com a situação doméstica um pouco nebulosa. “Essa conjuntura pode nos beneficiar e trazer dinheiro para cá”, diz Pereira.
Com projeção para os juros em 4% em 2021, a Bolsa deve continuar atraindo investidores que buscam melhores rentabilidades. Para o empresário, o CDI deixou de ser uma boa opção de alocação para ser um ‘pouso temporário’ para o dinheiro, enquanto o investidor decide o que faz com os recursos.
E-Investidor – Quais são as perspectivas relacionadas ao setor fiscal em 2021?
José Olympio Pereira – Nós temos dois fatores: um cenário interno em que, sem dúvida, essa questão fiscal terá que ser endereçada e se não for, poderemos ter um problema. Então a PEC Emergencial, a Reforma Administrativa, o respeito ao teto de gastos, toda essa agenda tem que andar. Se o prisma fiscal já era importante quando a dívida/PIB estava entre 70% e 75%, agora que está chegando em 100% fica ainda mais importante.
Agora, no cenário interno, também tem a questão de juros, porque claramente este ano esse nível baixíssimo de taxa de juros impulsionou a economia, impulsionou a busca por investimentos alternativos. Então, essa subida de Bolsa, com a maciça mudança de renda fixa para a renda variável, de renda fixa para alternativos, também é consequência dos juros reais negativos no curto prazo e temos ver como isso se comporta no ano que vem. Nós achamos que os juros vão voltar a subir, porque existem pressões inflacionárias que já começamos a ver.
Nós acreditamos em um cenário de juros voltando para 4% ou acima ano que vem, mas isso ainda é muito baixo, porque se a inflação for 4% também, o juro real continua sendo zero ou próximo disso. O cenário de juros vai continuar a ser estimulativo para a busca de investimentos alternativos.
No outro lado você tem o cenário externo. Em relação à pandemia nós já conseguimos ver luz no fim do túnel com as vacinas, o que pode criar um cenário externo bastante favorável. No mundo todo as taxas de juros estão negativas ou próximas a zero, os EUA são um exemplo, então essa conjuntura externa pode nos beneficiar, pode trazer dinheiro para cá, criar euforia e nós nos beneficiarmos disso, apesar de todos os nossos problemas internos não estarem resolvidos. Temos essas duas perspectivas para 2021.
E-Investidor – Frente a essa conjuntura fiscal complicada, 2021 deve ser o ano de qual investimento?
Olympio – Eu continuo a achar que existe uma boa chance dessa questão fiscal ser endereçada, está muito na pauta. De um jeito ou de outro tem chance dela ser encaminhada no ano que vem. Também gostaria muito de ver uma PEC Emergencial ser aprovada ainda esse ano, que era o que todos diziam que seria possível, mas acho que a probabilidade é baixa. Se acontecer, isso não está no preço e a gente pode ter um rali no final do ano.
Mas para o ano que vem essa agenda pode acontecer e acho que o juro continua baixo. Então qual o investimento para o ano que vem? Vai continuar a Bolsa, vai continuar ativo alternativo, porque o nosso velho e bom CDI deixou de ser uma alocação e passou a ser um pouso temporário para o dinheiro enquanto o investidor decide o que faz.
E-Investidor – Quais setores são oportunidades na bolsa brasileira?
Olympio – Olha, é difícil, cada hora é uma coisa. Mas o que a gente viu mais recentemente uma mudança de investimentos de tecnologia, mais de crescimento, para investimentos ligados a valor. Vimos uma valorização grande de bancos, de shoppings, com a subida do petróleo e do minério, Petrobras e Vale performaram magnificamente mais recentemente. Acho que tem muita coisa que sofreu muito na pandemia e na medida em que o Brasil comece a voltar ao normal, tem capacidade alta de recuperação. Por exemplo, setor de propriedade, de shoppings, está todo muito machucado e a gente já começa a ver que a atividade dos shoppings está voltando próximo ao pré-pandemia, então esse é um segmento que tem possibilidades.
Por outro lado, aquelas companhias de PL alto, de múltiplos muito altos, não necessariamente vão sofrer. Na medida em que elas continuarem a entregar um forte grau de crescimento, essas empresas podem continuar sendo avaliadas aos níveis atuais ou até maiores, então varia muito. Também depende do câmbio: por exemplo, tem vários setores que esse ano se beneficiaram muito do câmbio, como papel e celulose e exportadores no geral. E como fica o câmbio ano que vem? Real vai continuar a desvalorizar? Então, tem muita variável.
E-Investidor – A Bolsa está cara?
Olympio – Não acho que a Bolsa está cara, tem oportunidade. Também vejo muita coisa descontada por causa da pandemia e muita coisa aparentemente cara, mas que depende da taxa de crescimento. Se vários negócios que possuem múltiplos de 30x a 40x o lucro continuem crescendo 25% ao ano, não está tão caro.
E-Investidor – E qual é a visão do Credit Suisse para o dólar? O real continua como uma ‘moeda tóxica’?
Olympio – Nunca vimos o real como uma moeda tóxica. O real este ano foi a moeda emergente que mais perdeu valor; se isso está certo ou errado é difícil dizer. Eu acho que se olharmos o real frente aos seus pares, a moeda está relativamente mais desvalorizada e por isso acho que tem uma perspectiva dele performar melhor. Agora isso depende de fluxo, depende de ingresso de investimento estrangeiro, uma porção de coisas. Difícil prever, porém eu não me surpreenderia se o real apreciasse frente aos níveis que estamos vendo hoje.
E-Investidor – O investimento estrangeiro no Brasil aumentou e tem demonstrado sinais promissores. Esse é um movimento que pode crescer em 2021 ou é algo passageiro?
Olympio – Eu acho que voltou um certo apetite a risco no mundo e isso acabou vindo para cá. Fui perguntado sobre isso há algum tempo, disse que achava cedo para comemorar, mas de lá para cá melhorou, os indicadores são bons. Entretanto, temos que lembrar que as saídas líquidas esse ano são de R$ 38 bilhões a R$ 40 bilhões, então ainda tem muito chão para voltar tudo que foi embora.
E-Investidor – Os investidores estão monitorando de perto uma possível segunda onda do coronavírus. Se esse cenário se concretizar, como fica a economia do País?
Olympio – Se tivermos uma segunda onda que causar um lockdown que necessitar mais gasto fiscal, teremos um problema. Já gastamos o que não tínhamos para gastar e o que ficaria para frente seria uma situação muito problemática. Se tivermos uma segunda onda que consigamos administrar sem a necessidade de fechar negócios e restringir circulação, acho que dá para levar.
A população precisa se conscientizar. Mas foi um fenômeno que aconteceu em todo mundo, todos estavam achando que a pandemia estava passando e etc e todos nós relaxamos. As pessoas começaram a se encontrar, não usar máscara e tudo. Não tem jeito, máscara chegou para ficar. Precisamos urgente de uma campanha nesse sentido, se não quisermos ver a situação se agravar.
E-Investidor – E como o investidor pode se proteger?
Olympio – Aqueles investidores que estão em Bolsa tem meios de se proteger via uso de opções, compra de opções de venda, várias estratégias que protegem de um downside mais dramático. A Bolsa já voltou a 110 mil pontos, já andou muito, então para aqueles que quiserem ser mais cautelosos, vale a pena considerar usar estratégias de proteção para queda. E via opções você pode fazer isso muito efetivamente, então essa é uma recomendação.
Tem outros investimentos de renda fixa, fundos imobiliários e etc, que são rendimentos menos voláteis, mais seguros, dependendo do ativo imobiliário, se forem contratos de longo prazo com contrapartes muito sólidas, então o fluxo de caixa desse pagamento de aluguéis e portanto dividendos sofre menos.
O investimento de maior volatilidade é Bolsa mesmo, então quem não quiser passar um susto vale a pena investir um dinheirinho comprando opções para proteger da queda. Diversificação é fundamental e você também tem que reconhecer qual é sua resistência à volatilidade.
E-Investidor – Com Janet Yellen no Tesouro americano, o que o sr. enxerga de mudanças para a economia global e do Brasil?
Olympio – Eu acho que o Biden representa uma retomada de um EUA que busca estabelecer relações mais amistosas com o resto do mundo, com os organismos multilaterais, um diálogo maior. Então acredito que isso tudo é positivo. Com relação ao Brasil, há essa questão ambiental, que é importante, e acho que nós já temos sido muito cobrados por ela e essa cobrança só vai aumentar. O que é muito bom, porque a gente, de fato, tem que tomar conta do meio ambiente mesmo e isso é no melhor interesse do País, dos desenvolvimentos dos mercados com os produtos brasileiros, notadamente agrícolas e para nossa própria agricultura.
Imagina, o Brasil querendo ser celeiro do mundo e ter um problema de mudança climática e alteração de regime de chuvas, como é que fica nossa agricultura? Então fico muito feliz de estarmos vivendo uma era em que finalmente o agronegócio e o meio ambiente, que sempre viveram nas turras, estão se dando os braços. O agronegócio percebeu que defender o meio ambiente era o seu melhor interesse.
E-Investidor – Depois de acontecimentos como os do Carrefour, a legitimidade da onda ESG está sendo questionada no Brasil. Afinal, você vê essa questão sendo levada com seriedade no País?
Olympio – Eu estou muito feliz de ver a importância que o ESG tomou na sociedade como um todo, não só no Brasil, como no mundo. Isso não é uma moda passageira, veio para ficar. E todos nós, membros da sociedade, empresários, investidores, do mercado financeiro, esse é um tema para o qual temos que ficar atentos, porque há uma cobrança da sociedade com relação a esse tema e acho positivo isso. Acho muito bom que isso esteja acontecendo e só vejo isso se aprofundar.
E-Investidor – O Credit Suisse anunciou grandes contratações nos últimos anos. Primeiro o Ilan Goldfajn, em 2019, e este ano o Ivan Monteiro e a Solange Srour. Podemos ter novidades em 2021?
Olympio – É muito bom ver que o Credit Suisse continua esse imã de talentos. Na área de Private Banking entraram muitos nomes bons, como o Luciano Telo, que é o nosso novo CIO. As pessoas continuam a reconhecer o Credit Suisse como um lugar de oportunidade, onde é possível se realizar profissionalmente e fazer uso de toda essa máquina que nós somos.
Estamos sempre atrás de gente boa. Me perguntam aqui o que tira o meu sono como presidente do banco e eu digo: se eu conseguir atrair, reter e motivar as melhores pessoas, grande parte do meu trabalho está feito.
E-Investidor – Por outro lado, o mercado financeiro está mais democrático, não só pelo surgimento e crescimento de muitas fintechs, mas pelo acesso para pessoas físicas. Com isso, muitos profissionais têm deixado a carreira em grandes bancos. Como o senhor enxerga esse movimento?
Olympio – Eu acho normal que algumas pessoas queiram empreender, queiram sair e etc. Aqui, falando sobre o nosso caso, tivemos o ex-responsável pela área de Private Banking foi demovido da função, ficou insatisfeito, obviamente ninguém gosta de perder a posição, e resolveu sair levando um grupo de pessoas. Normal, faz parte e por outro lado isso obviamente nos deu a chance de oferecer oportunidade para muita gente boa. Normal.
E-Investidor – Este mês, o CEO global Thomas Gottstein falou que o banco está aberto a aquisições. Isso pode ser uma regra para o setor bancário no ano que vem? E que outros setores podem ver um movimento maior de M&A em 2021?
Olympio – Eu não vi no setor bancário global nenhum grande movimento de consolidação nesse sentido, então não consigo antecipar nada. Mas de resto é normal, as consolidações acontecem, os M&A acontecem e acho que vão continuar.
E-Investidor – Sobre IPOs, o senhor acha que o momento continua favorável? Tivemos uma onda forte de aberturas de capital neste ano e depois alguns cancelamentos.
Olympio – Eu acho que sim. O movimento para a Bolsa deve continuar. Nós temos relativamente poucas empresas no nosso mercado e se você for pegar as empresas mais líquidas, de onde o investidor entra e sai com muita facilidade e em volumes grandes, nós temos pouco mais de 100 companhias. Então há um espaço enorme para você ter mais empresas, os investidores querem novas histórias e há vários setores que estão sub-representados no mercado. Então acredito que o Brasil tem uma riqueza de empresas fantástica e esse movimento continua.
Em 2020 tivemos cerca de 25 IPOs, que é um número muito maior do que temos tido recentemente, não ainda tanto quanto tivemos na década passada em um mesmo ano, mas já é um número muito respeitável e acredito que teremos mais ano que vem. Sobre osIPOs cancelados, acredito que seja cíclico e e acho que os investidores estão querendo histórias atraentes a preços razoáveis. O que atrapalhou um pouco é que a performance de muitos IPOs não foi brilhante. Os preços caíram depois e machuca um pouco o investidor. Na medida que as ofertas primárias passem a performar melhor, abre-se de novo um apetite maior para novas histórias.
Mas o mercado não está fechado de jeito nenhum, está aberto. Mais seletivo, mais aberto.
E-Investidor – Como deve ficar o setor bancário para 2021, considerando que tivemos esse ano totalmente atípico, com algumas instituições bem descontadas na Bolsa e novidades que mexem com o mercado, como o Pix?
Olympio – O setor bancário está passando por um momento de transformação. Você tem o Pix, toda agenda BC+ de compartilhamento de informações e etc. Várias novidades que estão sendo introduzidas, cujo o impacto ainda não está certo. Nós temos também um cenário onde você tem a emergência de novos competidores digitais, que também está um pouco incerto de como vai caminhar, qual vai ser a magnitude do sucesso deles, que fatia eles vão abocanhar.
Então o que nós vamos viver para frente é um momento muito rico de avaliação, de como é que essas tensões de disrupção vão se desdobrar, quem ganha, quem perde, quem será capaz de se adaptar melhor a elas. Vemos grandes bancos se preparando para isso, escolhendo lideranças jovens para tentar se adequar a esse cenário que está mudando. Estamos vivendo um ambiente muito interessante. Vamos observar quem serão os ganhadores e quem serão os perdedores.
E-Investidor – E como o Credit Suisse está se preparando para esse cenário?
Olympio – Nós ocupamos uma posição muito única no mercado, porque somos o único banco global que atua forte tanto na área de bancos de investimentos quanto em private banking. Nenhum dos nossos competidores globais tem essa presença nos dois mercados. E os nossos concorrentes locais, não são bancos globais. Então qual é o nosso foco? Continuar prestando o melhor serviço para os clientes, estabelecendo relações de longo prazo, colocando o interesse dos clientes em primeiro lugar, sendo criativos e vendendo soluções criativas, gerando valor, porque é assim que a gente sempre se destacou e competiu. E vamos continuar tendo capacidade de se adaptar às mudanças no mercado.
O Credit Suisse tem um slogan no mundo que eu gosto muito e acho que define a instituição muito bem: ‘Credit Suisse, tradição em inovar’. Um banco de 160 anos que inova constantemente. Posso citar, tanto no Brasil quanto no mundo, a nossa presença em produtos inovadores.
E-Investidor – Como um amante das artes, o Sr. indica esse segmento como um tipo de investimento alternativo para as pessoas?
Olympio – Embora a arte possa ser um investimento, eu não gosto de incentivar a compra de arte como um negócio. Eu acredito que a arte é fonte de prazer e acho que é um mundo muito diferente, que gosto de dizer que é um alimento para a alma. Não envolve só a compra da obra de arte, mas envolve muito estudo, a pesquisa, o conhecimento e nesse processo é que está uma enorme fonte de prazer, quando você está ligado a arte. Eu encorajo todo mundo a entrar no mundo da arte, mas não como investimento, como buscar correr para adquirir alguma coisa. Se interesse, vá a museus, leia, veja como uma obra te toca, estude, essa é uma coisa maravilhosa. Esse investimento é intelectual, não financeiro. É um investimento na sua sensibilidade, na sua alma. Eu recomendo fortemente.
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