Dado o desemprego, teremos juros reduzidos nos EUA por alguns anos
FOLHA
Um dos fatores que têm permitido ao Tesouro brasileiro rolar elevadas dívidas, como proporção da economia, é a queda do custo internacional de capital.
A capacidade do mercado de carregar em seus portfólios o risco dos países emergentes aumentou muito. A queda do juro internacional é fenômeno estrutural e não monetário: depende de fatores reais, que afetam a oferta e a demanda, e não do manejo da política econômica a curto prazo.
A queda da taxa de crescimento populacional e o progresso tecnológico, que reduziu a necessidade de poupança para acumular capital —compare a Google com a GM—, diminuíram a demanda por investimento.
A desaceleração populacional reduz a demanda por moradias e infraestrutura em geral. O envelhecimento eleva a incerteza —a pessoa não sabe quanto tempo terá de vida inativa e em que volume de gastos com saúde incorrerá na velhice— e, portanto, estimula o retardamento da saída do mercado de trabalho e torna o idoso muito parcimonioso.
Fatores que elevam a poupança. Finalmente, a piora da desigualdade ajuda a reduzir o custo de capital, pois os ricos tendem a poupar mais.
Recentemente, surgiu uma preocupação com a possibilidade de que a forte elevação do endividamento ocorrida em razão da epidemia reverta a tendência observada há algumas décadas de redução da taxa de juros real das economias do hemisfério Norte.
A preocupação é legítima. A rolagem de maior endividamento pressiona o balanço entre o investimento e a poupança. As estimativas que conheço indicam que, na média, cada 10 pontos percentuais do PIB de crescimento da dívida pública elevam a taxa de juros reais de 0,35 ponto percentual.
Ou seja, se todos os demais fatores determinantes do custo de capital no hemisfério Norte se mantiverem constantes, o juro de equilíbrio deve se elevar em 0,7 ponto percentual. Adicionalmente, há uma preocupação mais recente de que a relação entre envelhecimento e poupança mude.
Até agora ela tem sido positiva, como vimos: o envelhecimento acarreta aumento de poupança. A partir de um ponto, no entanto, a relação se inverte: o idoso fora do mercado de trabalho utiliza suas poupanças para pagar contas. Há autores que projetam que, nos próximos cinco ou dez anos, essa segunda dinâmica irá se inverter.
De qualquer forma, independentemente dos movimentos estruturais que vierem a ocorrer, tudo sugere que nos próximos anos o custo de capital continuará baixo no hemisfério Norte.
O motivo é que sairemos desta crise de saúde pública com desemprego muito elevado e levará alguns anos até que a ociosidade na economia seja eliminada.
Simulações que fizemos indicam que até 2024, pelo menos, a inflação nos EUA ficará abaixo da meta de 2%. Houve alterações operacionais promovidas pelo banco central norte-americano, pelas quais se aceitará inflação acima da meta ao longo de algum tempo, para compensar um período anterior em que a inflação ficou sistematicamente abaixo da meta.
Com isso, o momento de elevação da taxa de juros nos EUA foi jogado significativamente para a frente.Mesmo que fatores estruturais lentamente elevem os juros de equilíbrio, levará um tempo para que o custo de capital dado pela taxa de curto prazo suba.
A razão é que o juro da política monetária ficará, por causa da ociosidade, muito baixo ao longo de alguns anos. No momento, as melhores estimativas indicam que a taxa real neutra de juros da economia norte-americana é de 0,5%. Se o único fator a atuar a curto prazo for o endividamento, ela vai para 1,2%, aproximadamente. No entanto, dado o desemprego na economia, teremos taxa básica de juros reduzida nos Estados Unidos por alguns anos.Pode fazer sentido uma preocupação com uma possível subida dos juros no hemisfério Norte, mas, se ocorrer, será daqui a alguns anos.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2020/12/juros-internacionais-negativos.shtml
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