Recuperação plena da economia dependerá de solução mais definitiva para a epidemia
FOLHA
Última coluna do ano. Momento em que normalmente faço o balanço do cenário que tracei no fim do ano anterior (2019) para este que se encerra, 2020. E em que desenho o cenário para o ano que se inicia.
Imaginava que o crescimento em 2020 seria de 2,5%. Com a pandemia, devermos ter queda de 4,7% em 2020.
A excepcionalidade da epidemia torna inútil qualquer avaliação do ocorrido frente ao projeta do. Resta-nos olhar para frente.
A equipe de projeção macro do Ibre, liderada por Silvia Matos, prevê que no ano próximo o crescimento será de 3,6%.
Mesmo essa projeção tem enorme incerteza. Mais do que normalmente. Na verdade, vivemos um momento em que também é extremamente difícil olhar à frente.
Talvez o melhor seja olharmos para onde estamos agora. Segundo o Ibre, no 4º trimestre de 2020, a economia terá rodado 3,6% abaixo do nível do último trimestre de 2019. Somente o setor de ‘outros serviços’ —turismo, alimentação fora do domicílio, entretenimento (esporte e cultura) e serviços pessoais— responde por 2 pontos percentuais (pp) dessa queda.
Os serviços da administração pública —essencialmente as escolas fechadas— respondem por 0,8 pp.
Portanto, apenas esses dois subsetores dos serviços explicam 78% da queda do 4º trimestre ante o mesmo trimestre de 2019 (2,8 pp de 3,6% de queda).
Ou seja, no segundo semestre de 2020, a economia teve uma retomada em “V” para aqueles setores não muito afetados pelo distanciamento social.
A recuperação plena da economia e um crescimento maior do que os 3,6% enxergados pelo Ibre para 2021 dependerão de uma solução mais definitiva para a epidemia.
Para a inflação, sempre considerando o acumulado em 12 meses, o cenário é fechar 2020 em 4,5%, subir até 6,5% em maio de 2021 e, a partir daí, ocorrer forte “devolução” dos choques que já ocorreram.
A inflação fecha o ano que vem próxima a 3,5%.
Quatro foram os choques que pressionaram a inflação: elevação dos preços das commodities em função da recuperação forte da China; subida dos preços das proteínas por causa do problema sanitário com o rebanho suíno chinês; a desvalorização do câmbio; e o ciclo de estoques na indústria e no varejo, fruto da desorganização das cadeias produtivas com a parada súbita da economia no 2º trimestre.
Há dois cenários adicionais para a inflação. Se o Congresso aprovar uma lei orçamentária para 2021 que desancore a política fiscal, o câmbio deve caminhar para R$ 6,5 aproximadamente e a inflação deve fechar 2021 na casa de 4,5% – 5%. Se a segunda onda gerar uma nova desinflação dos serviços no primeiro bimestre do ano, e o crescimento for mais fraco ao longo de 2021, a inflação pode fechar em 2,5%.
Nossa resposta fiscal à pandemia foi a maior da América Latina. Gastamos 12% do PIB, ante 4% para a média do continente. Assim, tivemos um sobregasto de 8 pp do PIB em relação aos países de nossa região.
Segundo cálculos de meu colega do Ibre Bráulio Borges, cada 1 pp do PIB reduziu o tombo da economia em ¼ de pp. Assim, se não fosse nosso sobregasto, em vez de queda de 4,7%, cairíamos 6,7%.
Difícil saber, a partir de uma análise de custo e benefício, se o gasto foi ótimo em termos econômicos, isto é, a opção mais vantajosa. Em última instância, trata-se de uma escolha política. Mas agora que já tomamos a decisão e já colhemos os benefícios de nossa escolha, ficará para o futuro a pesada conta da dívida.
A todos nós feliz 2021 que, pelo andar da carruagem, começará de verdade no segundo semestre. Até lá ainda lidaremos com o vírus.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2020/12/olhando-para-frente-e-para-tras.shtml
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