Retorno do benefício faz sentido, em cenário de recrudescimento da pandemia e vacinação incerta, mas é preciso que seja acompanhado por medidas que enfrentem expansão das despesas obrigatória
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A volta do auxílio emergencial se torna cada vez mais provável, devido ao recrudescimento da pandemia e ao ritmo lento e incerto da vacinação contra a covid-19. A economia brasileira vai sofrer o golpe dessa combinação, devendo encolher no primeiro trimestre. O aumento do número de casos e mortes começa a levar a medidas mais fortes de restrições à mobilidade, como as anunciadas pelo governo de São Paulo na sexta-feira. As perspectivas para o mercado de trabalho, que já não eram das melhores, tendem a piorar, afetando o consumo das famílias. O quadro também é negativo para o investimento, dadas as incertezas sobre a vacinação e a possibilidade de que outros Estados e municípios adotem novas medidas de isolamento social, ainda que menos rigorosas do que as implementadas em março e abril do ano passado.
Com isso, as perspectivas para o crescimento em 2021 começaram a se deteriorar, e números na casa de 2% a 3% já aparecem em algumas estimativas de bancos e consultorias, apesar da elevada herança estatística que 2020 deixará para este ano. Nesse ambiente, cresce a pressão pela renovação do auxílio, uma medida que faz sentido, num ambiente de desemprego altíssimo. A volta do benefício, porém, precisa ser muito bem comunicada e acompanhada por medidas que indiquem o compromisso com a sustentabilidade fiscal, com reformas que enfrentem o aumento das despesas obrigatórias, como os gastos com pessoal.
O Ministério da Economia resiste ao retorno do auxílio, encerrado em dezembro. O risco é ser atropelado pelo Congresso e ver aprovado um benefício de valor mais alto, por um prazo longo e para um público mais amplo do que o recomendável num momento em que a dívida bruta é de quase 90% do PIB, enquanto a média dos emergentes é um pouco menor que 63% do PIB.
Na declaração da equipe do Fundo Monetário Internacional (FMI) ao fim da missão que fez o raio-X da economia brasileira no ano passado, divulgada em outubro, ficou evidente o dilema para a política fiscal do país. O Fundo elogiou o compromisso do governo com o teto de gastos e ressaltou a importância do mecanismo. Ao mesmo tempo, afirmou que, se “a evolução das condições sanitárias, econômicas e sociais” fosse “pior do que o esperado pelas autoridades”, elas deveriam “estar preparadas a prestar mais apoio fiscal”.
O FMI sugeriu a realocação de recursos dentro do teto, para fortalecer a rede de proteção social de modo permanente. Essa teria sido a melhor solução, unificando programas sociais como o Bolsa Família, o abono salarial, o salário família e o seguro-defeso, conforme a proposta dos economistas Fernando Veloso, Marcos Mendes e Vinicius Botelho. Isso exigiria, porém, a disposição para tomar medidas corajosas e politicamente difíceis, algo que não faz parte do repertório do presidente Jair Bolsonaro.
O problema é que a pandemia não acabou com o ano-calendário, como tem dito o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto. Há uma segunda onda em curso, provavelmente mais grave que a primeira, o que também se observa em diversos outros países, com impactos sobre o ritmo de crescimento global no primeiro semestre. O dramático no Brasil é a atitude de Bolsonaro, que não reconhece a gravidade da doença, questiona a eficácia das vacinas e não planeja a imunização.
Com o recrudescimento da epidemia e as incertezas sobre a vacinação, retirar os estímulos fiscais abruptamente tende a levar a uma desaceleração expressiva da economia. Sem o auxílio, haverá uma queda de renda significativa dos grupos mais vulneráveis. Isso justifica mais apoio fiscal, como recomendado pelo próprio FMI, insuspeito de leniência fiscal. Além da volta do auxílio, podem ser necessários mais recursos para a saúde e para a compra de vacinas.
A questão é como fazer isso num país que tem de fato uma situação fiscal delicada. O comportamento do câmbio e das taxas de juros de longo prazo reflete a incerteza sobre a trajetória das contas públicas. A renovação do auxílio e eventuais novos gastos com saúde precisam ser comunicados com cuidado, ou o impacto sobre as condições financeiras vai dificultar ainda mais a retomada da atividade. Além disso, um câmbio muito desvalorizado colocará mais pressão sobre os preços, podendo exigir do Banco Central (BC) elevações mais fortes dos juros.
A situação exige uma sintonia fina. É preciso cautela ao retirar os estímulos fiscais, sem que isso seja visto como o fim do compromisso com o ajuste das contas públicas. Uma opção é usar a abertura de créditos extraordinários para financiar despesas como o auxílio. Salto observa que se trata de um instituto previsto na Constituição e que pode ser utilizado mesmo sem a presença do decreto do estado de calamidade pública, “como acontece em maior ou menor grau todo ano”. Segundo ele, o crédito extraordinário, desse modo, pode resolver a questão do teto, que limita o crescimento das despesas da União à inflação.
“O problema é que o déficit público previsto já é alto”, diz Salto. “Para o déficit, são necessárias outras medidas, ou pelo menos contas mostrando como ele seria afetado e como o país voltará, e em que prazo, à estabilidade da relação dívida/PIB.” Com isso, o crédito extraordinário poderia ser um caminho para a volta do auxílio, desde que acompanhado por outras medidas mostrando a sustentabilidade da dívida, como reformas que apontem para redução de gastos obrigatórios, caso das despesas com pessoal, avalia Salto, ressaltando que essa é uma das opções na mesa. “A falta de planejamento é um pecado mortal quando se está numa crise como esta. Em tempos normais, passa como um pecado venial, mas, no quadro atual, tudo muda de figura.”
O orçamento deste ano, ainda não aprovado, não tem espaço para mais gastos. O risco de paralisação dos serviços públicos já é elevado mesmo sem novas despesas, diz Salto. Para acomodar novos gastos, uma outra saída terá que ser adotada, além do corte de despesas discricionárias, como o custeio da máquina e os investimentos.
Os candidatos à presidência da Câmara e do Senado têm se mostrado a favor da volta do auxílio, em maior ou menor grau, indicando que ele deverá ser renovado. O benefício terá que ser menor que os R$ 600 que vigoraram de abril a agosto – de setembro a dezembro, o valor foi de R$ 300 -, e voltado a um grupo mais restrito. Em alguns meses, ele chegou a quase 68 milhões de pessoas. O prazo também não poderá ser dos mais longos.
Para que seja viável um auxílio por um período menor, porém, é fundamental que a vacinação deslanche. Sem isso, a economia não voltará à normalidade.
Link da publicação: https://valor.globo.com/brasil/coluna/a-volta-do-auxilio-emergencial.ghtml
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