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Que fazer?

Seria espetacular que o Congresso conseguisse atrasar o ciclo de alta da Selic

FOLHA

Estamos em meio a uma segunda onda da epidemia. Os novos casos e as novas mortes, ambos na média móvel de sete dias, estão próximos das máximas observadas na primeira onda.

As medidas de distanciamento social têm sido ampliadas. O setor de serviços, que ensaiava recuperação, vai sentir.

Haverá pressão para que se aprove algum tipo de extensão do auxílio emergencial (AE). A extensão do AE não é medida de natureza técnica. A recuperação da economia depende de uma solução permanente para a epidemia, isto é, da vacinação.

Cálculos de meu colega do Ibre Bráulio Borges indicam que foi baixo o efeito do gasto público para reduzir o impacto sobre a atividade econômica da epidemia. Em geral de 1 para ¼: cada 1 ponto percentual do PIB de gasto reduziu a queda em 2020 de 0,25 ponto percentual.

O baixo impacto sobre a atividade do gasto em tempos de pandemia faz sentido: o gasto é para que as pessoas possam ficar em casa se defendendo do vírus. Não para estimular a atividade. Assim, renovar por alguns meses o AE é medida de natureza social.

Penso que uma possível extensão do AE deve atender aos seguintes critérios. Primeiro, a elevação do gasto deve ser tratada como conjuntural. Não faz sentido alterarmos nossas instituições fiscais. Por exemplo, não faz o menor sentido alterar a emenda constitucional que estabeleceu um teto para o crescimento do gasto público por causa de um gasto emergencial.

Segundo, o Congresso deve aprovar conjuntamente alguma medida que reduza o gasto público ao longo do tempo, como contrapartida à piora da dívida pública que já houve em 2020 e haverá em 2021 se o AE for estendido. O ideal é que uma versão robusta da PEC Emergencial seja aprovada.

Terceiro, o Congresso deve aprovar um projeto de lei orçamentária para 2021 que, com exceção da extensão do AE e dos restos a pagar de 2020 ligados aos gastos com saúde (R$34 bilhões que já foram aprovados para serem gastos em 2021 pela lei de diretrizes orçamentária), atenda ao teto do gasto.

A ideia é não misturar o conjuntural, a necessidade de estender o AE, com o estrutural, isto é, o fato de vivermos em meio a um conflito distributivo há seis anos.

Há hoje um déficit primário ajustado ao ciclo econômico de 1% do PIB (o déficit é maior, mas, após a normalização da atividade econômica, ele reduzir-se-á). Temos que construir um superávit de 3% do PIB para estabilizar o crescimento da dívida pública. É nesse sentido que temos um buraco fiscal de quatro pontos percentuais do PIB. Esse é o tamanho de nosso desequilibro fiscal estrutural.

O enfrentamento do desequilíbrio fiscal ficará para quando a epidemia permitir. Parte importante de nosso desequilíbrio fiscal estrutural –nosso conflito distributivo– ficará para o próximo governo (oxalá o processo eleitoral de 2022 paute esse tema).

O segundo item de minha lista –a aprovação de alguma medida que reduza o gasto público obrigatório– terá como efeito colateral positivo reforçar a situação fiscal ao longo do tempo. Os impactos sobre o mercado serão instantâneos.

Como apontado na coluna de minha colega de espaço Solange Srour, que escreve quinzenalmente às quintas, há sinais de que a percepção de desequilíbrio fiscal estrutural tem pressionado o câmbio e com ele a inflação, principalmente de alimentos.

Como apontado por Nelson Barbosa, colega que ocupa este espaço às sextas-feiras, a pressão sobre o câmbio pode gerar movimento de alta da taxa de juros.

Seria espetacular que o Congresso conseguisse atrasar o ciclo de alta da taxa Selic.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2021/01/que-fazer.shtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Samuel Pessôa