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Temos que trabalhar muito para sermos otimistas com o nosso país

Agência Estado, Broadcast

Muitas vezes as pessoas se referem a mim como um otimista. As vezes acho graça, as vezes não gosto. Sempre que rotulamos estamos correndo um enorme risco de estar na verdade pré-julgando e até de perder a chance de ouvir com o devido cuidado um bom argumento que poderia nos fazer mudar de opinião .

Mas não posso deixar de pensar por que dou essa impressão ou sugestão de ser assim. O que tenho mais e mais entendido é que isso se deve muito pelo jeito que vejo, que encaro as questões, problemas ou situações, explico. Invariavelmente eu vejo uma questão como um desafio ou até mesmo uma oportunidade, por entender que vivemos de tentar superar o que vem a nossa frente.

Este artigo não é para falar de otimistas ou pessimistas, muito menos de mim. É que esses pontos tem a ver com o nosso país e como ele tem evoluído, ou em muitos aspectos até involuído.

Somos um país muito rico em produtos e matérias primas naturais, mas extremamente pobre, cheio de dificuldades, uma enorme dívida social e preso na armadilha da renda média, não conseguimos avançar, estamos a mais de uma década que pouco avançamos e quando nos comparamos com o mundo andamos muito para trás. Nosso crescimento per capita médio nos últimos 10 anos (até 2019 para eliminarmos o efeito da pandemia) foi de apenas 0,5%, bem abaixo do mundo que cresceu em média 1,8% e nossos vizinhos Colômbia (2,5%), Chile (2,1%) e México (1,4%). Só performamos melhor que a Argentina (0,3%), mas isto não deveria ser nenhum orgulho.

Eu tenho dito em vários artigos, palestras e apresentações que o nosso grande problema é o tamanho do estado nas três esferas de poder, federal, estadual e municipal, ele é grande demais para o tamanho do nosso país, maior ainda dadas as enormes dificuldades em que se encontra a vida de nossa população ainda muito carente e com poucas oportunidades reais de ter uma vida decente – uma desigualdade grande demais. O estado consome uma enormidade de recursos e esforços para simplesmente mantê-lo de pé. Em qualquer parâmetro comparativo a outros países passamos em muito o razoável em seu custo e dimensão, mesmo se ele fosse eficiente em entregar de volta a sociedade em educação, saúde e segurança, o que realmente não é o caso, seria grande demais.

Mas daí vem a pergunta, por que não andamos para frente e melhoramos este estado de coisas?

A resposta para essa pergunta é enorme e com vários pontos, vou me deter aqui a dois deles, a captura do estado pelas minorias organizadas e a disputa pelo poder. Por achar que estes dois temas dominam e são de longe as principais razões para o que estamos vivendo.

Abordando primeiro a disputa pelo poder, Churchill teria dito que a democracia é o pior dos regimes, a exceção de todos os outros. Sem dúvida os ingredientes presentes numa democracia tem tudo para tornar um país mais justo, próspero e que de fato gera oportunidades aos seu cidadãos. Sendo sempre o resultado do desejo da maioria de sua população, traria o melhor para ela.

Como sabemos não é sempre assim que as coisas funcionam, várias vezes temos vícios no processo democrático que de tão caóticos acabam distorcendo completamente o resultado esperado. A experiência democrática dos países mostra que a disputa pelo poder, se sair dos limites do razoável, do bom senso, pode atrapalhar demais a evolução de um país democrático.

Se um determinado político está muito preocupado com a sua popularidade ou do seu grupo, principalmente de curto prazo, de suas decisões, muitas vezes ele estará trocando uma evolução importante do país para “não perder votos”. Quantas vezes já não ouvimos a frase “essa reforma é impopular e por isso não vai passar”?

O que quero dizer com isso tudo é que a preocupação em se manter ou conquistar o poder pode ser tão grande que as questões relevantes do país acabam ficando para trás. Temos um exemplo deste dias, o orçamento de 2021 que deveria ter sido discutido e aprovado até o último dia de dezembro de 2020 como rege a nossa legislação, foi atrasado até o final de fevereiro por conta da disputa política da presidência das duas casas do congresso, câmara e senado. Este é um exemplo pequeno, embora seríssimo de prioridades invertidas. Vimos partidos como o PSDB, que promoveu um processo extenso e importante de privatizações, se esquivar da defesa dessa agenda por medo de ser “impopular”.

Vemos no nosso país claramente prioridades invertidas. Os processos políticos são calcados a partir da agenda eleitoral a cada dois anos. Como conseguiremos formar e endereçar uma agenda minimamente importante, e portanto sensível eleitoralmente, com intervalos de tempo tão curtos de disputa pelo poder?

Estou aqui citando apenas poucos exemplos que mostram que a nossa democracia está infelizmente focada na disputa de partidos e pessoas pela busca do poder, disputa essa que mais que majoritariamente se torna prioritária a avanços legislativos que poderiam ser capazes de, esses sim, mudar de maneira muito positiva o futuro de nosso país.

O segundo e último argumento deste artigo é a captura do estado pelos grupos de minorias organizados que impõem sua forca política no congresso. São incontáveis as distorções e privilégios que esses grupos minoritários de nossa população conseguiram angariar ao longo dos últimos anos. Seja a enorme diferença salarial em relação ao setor privado, seja a infinidade de auxílios que mascaram rendimentos, sejam regras amenas para a aposentadoria. A somatória destes excessos, desses privilégios, nos trouxeram a uma situação absolutamente injusta socialmente, o setor público se tornou uma casta privilegiada de nossa população e seu custo insustentável.

E como resolvemos? Na linha do Churchill, não devemos buscar respostas fora do regime democrático. Nosso sistema político precisa continuar o processo de aperfeiçoamento com novas reformas, que minimamente foquem nas questões relevantes de médio e longo principalmente dando passos que fortaleçam a nossa democracia. E as distorções do funcionalismo público precisam urgentemente ser corrigidas por uma reforma administrativa, que no final traga o setor público a realidade do nosso país, passando a contribuir para ele.

Gosto de pensar na possibilidade de resolvermos esses desafios por meio da continuidade da agenda de reformas. Se ser otimista é não desistir de trabalhar para fazermos isso acontecer, seja mobilizando sociedade, instituições e lideranças para mudar o nosso país, aceito o adjetivo.

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Luiz Fernando Figueiredo