EUA vêm direcionando a expansão fiscal ao aumento da demanda, enquanto a Europa busca a consolidação da união monetária, com investimentos nos países menos avançados
ESTADÃO
A recuperação do crescimento depois do tranco da covid-19 exige que a oferta agregada se liberte das amarras impostas pelo isolamento social e que, simultaneamente, se amplie a demanda agregada. Para isso, é necessária uma vacinação rápida e eficaz, ao lado de estímulos monetários e fiscais. EUA e Europa vêm rapidamente evoluindo na vacinação, e ambos adotaram uma forte expansão monetária. Porém, no campo fiscal seguem caminhos diferentes. Os EUA vêm direcionando a expansão fiscal ao aumento da demanda agregada, enquanto a Europa a vem direcionando à consolidação da união monetária, através de investimentos nos países menos avançados.
Em maio de 2020, o Fed reagiu aos efeitos econômicos da covid colocando a taxa dos “fed funds” em 0,25% ao ano (seu zero bound), e passou a comprar treasuries em uma intensidade maior do que durante o QE da crise de 2008. É um estímulo monetário superior ao de todos os demais países, avançados e emergentes, o que explica porque, a partir de maio, o dólar veio se enfraquecendo. Porém, com isso os EUA caíram na “armadilha da liquidez”, na qual só a política fiscal tem eficácia. A vitória de Biden e a maioria democrata no Congresso permitem disparar estímulos fiscais, aprovando a proposta de um gasto adicional de US$ 1,9 trilhão que, através do “efeito multiplicador”, expandirá a demanda agregada levando à queda mais acelerada da taxa de desemprego e ao fechamento mais rápido do hiato negativo do PIB.
Será que tal dose de estímulos fiscais é correta? Com uma taxa real de juros menor do que a taxa de crescimento econômico, os EUA não têm restrições para elevar a dívida pública, e o único risco que enfrentam é o do ressurgimento da inflação. Em artigo publicado no Washington Post, Larry Summers criticou o tamanho desse estímulo porque superaquece a economia, o que não agradou os democratas, mas foi apoiado por Blanchard. O aumento na velocidade de queda da taxa de desemprego não é negado por Yellen, a nova secretária do Tesouro, que na última semana afirmou que ele deverá colocar a economia norte-americana em pleno emprego já no fim de 2021.
Um primeiro alerta sobre o risco de inflação já foi dado pelo quociente entre as taxas das treasuries de 10 e de 2 anos. Entre 2018 e 2019, ele vinha se mantendo em torno de 1, começou a se elevar tão logo o Fed disparou os estímulos monetários, chegando a 5, mas diante da perspectiva de aprovação do estímulo fiscal saltou para 10, que é o maior dos últimos seis anos. Se Summers e Blanchard tiverem razão, e a inflação retornar mais cedo, o Fed será obrigado a iniciar a normalização monetária antes do que era suposto, provocando uma reversão na tendência do enfraquecimento recente do dólar.
Quanto à Europa, lembramos que o BCE não é o banco central de um país, mas de uma união monetária que, por sua vez, está inserida na União Europeia, que engloba um conjunto mais amplo de países, e que recentemente foi abalada pelo Brexit. Há muito sabemos que ela não é uma área monetária ótima e, para não privilegiar alguns países em detrimento de outros, precisa de uma política fiscal centralizada. Só assim, na ocorrência de choques assimétricos, recursos coletados nos países em expansão podem ser direcionados para países que enfrentam contrações.
Infelizmente, esta tarefa é dificultada porque, contrariamente a uma federação, cada país da área monetária tem seu próprio orçamento e seus próprios títulos públicos. Contudo, isto não impediu que Alemanha e França, os idealizadores do euro e líderes políticos da área, criassem com a adesão dos países mais avançados um fundo de 750 bilhões de euros para financiar investimentos nos países menos avançados. Se forem investimentos com altos retornos sociais, elevarão a produtividade dos países menos avançados e ampliarão a demanda de todos.
Não é fácil colocar tudo isto em prática, como atesta a recente crise política da Itália. Há ressentimentos e radicalismo em todos os países, mas o exemplo da Itália mostra um caminho para superá-los. A perspectiva da união dos partidos em torno de Mario Draghi como primeiro-ministro parece ser capaz de superar a crise. Sua passagem pelo BCE atesta que ele tem condições de exercer uma competente liderança, dando prioridade aos investimentos com altos retornos sociais, que acelerem o crescimento, reforçando a esperança da União Europeia.
Link da publicação: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,eua-e-europa-politica-fiscal-e-recuperacao,70003615807
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.