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Final de jogo

Mais que a demissão na Petrobras em si, a mensagem que ela encerra é preocupante: o país segue à deriva em meio à grave crise sanitária, econômica e política

Roberto Castello Branco (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

SÃO PAULO – A demissão do presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, caiu pesado, tanto sobre o mercado acionário, mais diretamente atingido pela medida, inclusive por força do peso da empresa sobre o índice Bovespa, como sobre o mercado financeiro em geral.

Engana-se, porém, quem acredita que o problema se restringe àquela esfera: as consequências são várias e abrangentes; o mercado financeiro apenas reage mais rápido em antecipação à deterioração dos fundamentos econômicos do país.

Pelo que se depreende, o motivo da demissão foi a insatisfação do presidente com a elevação dos preços dos combustíveis, decorrência direta da política da empresa, adotada já há algum tempo, de espelhar no mercado doméstico os preços internacionais de combustíveis, devidamente convertidos em moeda nacional.

Preços mais altos de combustíveis costumam erodir a popularidade de governantes e, no caso específico de Bolsonaro, o efeito é pior, pelo menos na visão do presidente, por afetar uma categoria, caminhoneiros, que ele entende como aliada, ou, pelo menos, alguém que grunhe no mesma idioma.

Popular, ou não, trata-se de política essencialmente correta, como já pude argumentar em outros momentos.

No que se refere à empresa, a prática contrária, usada além do limite da irresponsabilidade no governo Dilma, levou a sérios prejuízos.

Medidos aos preços de hoje, os prejuízos acumulados entre 2014 e 2016 atingiram pouco mais de R$ 93 bilhões, outorgando à empresa o nada honroso título de petroleira mais endividada do planeta.

Dado que o principal acionista é o governo federal, falamos aqui do que Armínio Fraga memoravelmente denominou “o meu, o seu, o nosso dinheiro”.

Note-se que tal política não resulta do poder de monopólio, muito pelo contrário. Ao equiparar seus preços aos do mercado internacional, a Petrobras permite que outras empresas compitam na oferta de combustíveis.

Caso praticasse preços domésticos abaixo do equivalente internacional impediria que concorrentes pudessem importar o produto e comercializá-lo no mercado interno, já que ficariam sempre acima do preço da empresa.

Há, afora isso, motivos de eficiência econômica. Quando preços de um determinado produto se elevam, a resposta (eficiente) de mercado é reduzir o consumo e aumentar a produção.

O segundo efeito, no caso do petróleo, não é imediato (a menos de condições muitos específicas quanto à capacidade ociosa), mas o primeiro, a redução do consumo, é exatamente a reação que esperamos face a um produto mais caro, portanto mais escasso.

Não permitir o funcionamento do sistema de preços no caso agride um princípio básico de qualquer economia de mercado.

Sim, é verdade que combustíveis são bastante tributados, assim como também é verdade que produzem chamadas “externalidades negativas”: o uso de combustíveis fósseis polui e colabora para o uso exagerado de outro recurso escasso, espaços na malha viária, cuja tradução no dia-a-dia é “congestionamento”.

Obviamente não imagino que a carga tributária sobre tais produtos seja guiada apenas por tais preocupações, mas, como o ônus da prova tipicamente cabe ao acusador, críticos teriam a obrigação de provar que combustíveis são tributados em excesso ao “ótimo” (a chamada taxa pigouviana).

Todavia, as implicações vão além da manutenção da política de equiparação do preço doméstico ao internacional.

Do ponto de vista de “governança” (não sou fã da expressão, mas não me veio outra à mente), a demissão de um dirigente de empresa estatal por razões político-eleitorais é uma distorção grave.

Trata-se do uso do aparato do poder público em benefício próprio, prática que deve ser genericamente repudiada em países que prezem a democracia e o respeito à coisa pública.

A triste verdade é que, por mais que tentemos impor alguma espécie de disciplina a quem ocupa a cadeira presidencial (ou estadual, ou municipal) em dado momento, cujo exemplo mais recente é a Lei 13.303/2016 (Lei de Governança das Estatais), empresas controladas pelo poder público estão tipicamente à mercê do mandatário de plantão.

Em tempos de Lava Jato em retirada, é sempre bom lembrar como a própria Petrobras foi usada e abusada para fins políticos partidários, sem esquecer, é claro, que o quase esquecido “mensalão” revelou esquemas semelhantes em outra empresa federal, no caso os Correios.

Torno a repetir: enquanto houver carniça, haverá urubus. Para acabar com a carniça, a melhor alternativa é a privatização, promessa em que muitos acreditaram quando da indicação de Paulo Guedes à liderança da área econômica (eu, modéstia às favas, não, obrigado).

Talvez agora caia a ficha dos últimos ingênuos, exceto, é claro, Luiz Carlos Mendonça de Barros: não vai rolar privatização de peso no governo Bolsonaro.

Também se iludem aqueles que acreditam nos compromissos do presidente com o equilíbrio das contas públicas e reformas liberalizantes.

Seu objetivo é um só: manter-se no poder, custe o que custar, e se o ministro da Economia ainda não entendeu isso, não será aqui que irá aprender, mas na dura realidade dos fatos.

A paralisia do governo em face de nossos desafios, de que a demissão na Petrobras é apenas uma faceta, irá, por vários caminhos, agravar a situação que já vivemos, seja do ponto de vista do nosso endividamento, seja o risível crescimento da produtividade.

Mais que o fato em si, a mensagem que ele encerra é preocupante: o país segue à deriva em meio a uma grave crise sanitária, econômica e política.

Quando até a Faria Lima consegue entender isso é sinal de que o jogo está se encaminhando para seu final.

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As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Alexandre Schwartsman