Para o sócio da Farallon Capital, atuação dos governos reflete falta de debate público maduro sobre função de estatais
Estávamos em abril de 2019. Na esteira de uma campanha eleitoral repleta de promessas de “mais Brasil e menos Brasilia” e de libertar o empreendedor da burocracia e da regulamentação excessiva, o governo Bolsonaro sancionava a Medida Provisória (MP) da Liberdade Econômica, que tentava impor limites ao próprio poder regulador do governo. Apenas 30 dias depois da promulgação da MP, a tabela de fretes — um dos preços mais importantes em uma economia de mercado — completava seu aniversário de um ano. Apesar de ter sua equipe econômica se manifestando formalmente contra a tabela, hoje o governo Bolsonaro se tornou, na prática, o guardião da prática absurda de regulamentar quanto o empresáro deve pagar ao transportador para transportar suas mercadorias. O medo da volta da greve dos caminhoneiros e suas consequências de curto prazo para a atividade econômica no Brasil estaria na raiz da decisão. O mesmo se disse da recente decisão do governo, como acionista controlador da Petrobras, de pedir a remoção do seu CEO por aumentar o preço da gasolina e do diesel.
Antes da recente crise da Petrobras, a desastrosa intervenção do governo Dilma no setor elétrico também veio embebida de promessas e adjetivos: redução de custo brasil para os grandes grupos industriais, alívio para o consumidor de energia elétrica, que deixaria de sofrer com “aumentos abusivos”.
No Rio, Eduardo Paes tem consciência de que o rompimento de contrato com a Linha Amarela e a consequente encampação da operação por uma prefeitura sem recursos para pagar qualquer tipo de indenização à concessionária é desastrosa para o ambiente de investimentos da cidade e para a solvência de longo prazo do município. Usualmente sensato e sofisticado, o prefeito sabe que ninguém investe em uma concessão municipal se o prefeito puder decidir, depois de jogado o jogo e assinado o contrato, que um ativo pode ser tomado à força e relicitado. Mas a pressão dos usuários pela redução de preços e pela continuidade do “benefício da cancela aberta” aparentemente justificou uma mudança de direção. No último fim de semana, com apoio da guarda municipal, o município do Rio deu início à tomada da operação, no melhor estilo bolivariano. Entusiasmados com o precedente aberto pela municipalidade, a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro já havia aprovado a autorização para o governo anular uma outra concessão, a chamada Rodovia dos Lagos, operada pela CCR.
O roteiro de todas essas intervenções é parecido: um governante atende aos pleitos de um grupo bem definido (caminhoneiros, usuários de rodovia, consumidores industriais de energia) e, sob aplausos, adota medidas cujo custo é múltiplas vezes o valor do benefício, mas espalhado no tempo e dividido entre milhões de pessoas que sequer entendem que estão “pagando a conta” do voluntarismo econômico. Assim como no caso das reservas de mercado, regimes tributários especiais e subsídios, a intervenção populista é muito difícil de combater. Os que ganham com a intervenção sempre gritam mais alto do que os que perdem.
O eleitor carioca não julgará Eduardo Paes pelo eventual fracasso da próxima rodada de concessões, e muito menos pelo aumento da percepção do “risco Rio de Janeiro”. O nexo causal entre as intervenções praticadas pelo prefeito e a desorganização da vida econômica no Rio é muito remoto e pouco palatável para o debate político. Da mesa forma, o eleitor não culpará o governo Bolsonaro se o programa de privatização de refinarias da Petrobrás fracassar à luz dos riscos de que a política de preços de derivados contnue a ser marcada por preços domésticos controlados. O investidor sabe que ninguém compra uma refinaria se acha que será obrigado a vender diesel abaixo do custo de importação, mas no debate político esse tipo de consideração tem cara de nota de rodapé.
No mundo da política identitária e das respostas em 140 caracteres ou menos, discussões em torno de efeitos de segunda ordem, custos e benefícios de longo prazo vão ficando relegadas a um círculo cada vez menos relevante. E o populismo vai ficando cada vez mais tentador.
No espaço público, as intervenções logo são resumidas à uma polarização simples e falsa: “concessionários versus governo” ou “Petrobras versus Brasil”. Não percebemos que a intervenção desastrada de hoje leva à tarifa alta de amanhã.
Enquanto o debate público não amadurecer, governos de esquerda, centro e direita continuarão a abusar do intervencionismo ingênuo, que agrada a uma parcela do eleitorado no curto prazo mas prejudica a todos no longo. A receita do populismo continuará a ultrapassar fronteiras partidárias e ideológicas. E a sociedade continuará a culpar os políticos pelos seus males sem perceber que, como sempre, os políticos apenas seguem os votos.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.