Para Naercio Menezes Filho, do Insper, mudança ainda pode acabar com o Fundeb
A proposta de acabar com os gastos mínimos obrigatórios com saúde e educação no Brasil é uma ameaça a essas duas áreas, principalmente após a pandemia gerar a necessidade de se aumentar essas despesas nos próximos anos.
Essa é a avaliação do economista Naercio Menezes Filho, pesquisador do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper e integrante do Núcleo Ciência pela Infância da instituição.
Para ele, as mudanças também podem gerar uma guerra entre municípios que levariam ao fim do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica). O fundo é composto por recursos da União e também de estados e municípios.
O fim dos pisos faz parte do texto preliminar da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial, apresentado nesta segunda-feira (22) pelo relator da proposta, senador Márcio Bittar (MDB-AC).
Como o senhor avalia o fim dos pisos constitucionais para saúde e educação? Acho muito importante, principalmente neste momento, ter o piso. Com a pandemia, os gastos com educação e saúde vão ter de aumentar.
No caso dos municípios, se não tiver uma porcentagem vinculada às receitas, é capaz de não usarem os recursos, desviarem para outros itens que não são prioritários, dependendo da composição política da Câmara de Vereadores, da pressão das parcelas mais ricas da população. Isso aconteceu no passado: em vez de priorizar educação e saúde, priorizar outras obras que beneficiam outras parcelas da população.
Alguns gestores afirmam que esse gasto mínimo não conseguiu resolver os problemas da educação e saúde públicas no país. O sr. concorda com esse argumento? Seria muito pior se não tivesse o piso. Não é o ideal, porque realmente engessa. Não é o mundo perfeito. Mas se não tivesse isso correria o risco de voltar para o passado. Quanto o município vai gastar? Quem vai cobrar? A população tem consciência do que está em jogo para os seus próprios filhos?
Alguns prefeitos reclamam que a vinculação obriga muitas vezes municípios que têm uma população mais velha a gastar mais que o necessário com educação, deixando a saúde sem recursos. Idealmente, se a gente vivesse na Finlândia, você votaria no presidente, governadores e prefeitos e aí o Congresso, as Assembleias e as Câmaras decidiriam a alocação dos recursos. Mas no Brasil grande parte da população não tem participação política, tem educação baixa, as desigualdades são muito grandes, tem municípios dominados por uma elite. O que você fez foi fixar o piso para poder garantir o mínimo em todos os municípios.
Tem muita coisa para ser feita com esse mínimo. Toda saúde, atenção básica, estratégia de saúde das famílias, UBSs, melhorar qualidade e aumentar as horas na educação.
Além disso, o Fundeb precisa de um percentual de recursos que sejam destinados para o Fundo e depois redistribuídos. Como vai montar o Fundeb se cada município decidir com quanto vai querer contribuir? Fica inviável.
Já houve proposta de se unificar os pisos de saúde e educação para que o prefeito pudesse escolher como fazer essa divisão de verbas. Essa seria uma solução ou a regra atual é melhor? Juntar educação e saúde é uma boa ideia para dar flexibilidade, porque ambas são importantes. Ainda assim, ficaria essa questão do Fundeb para ser resolvida. Se eu quiser dar todo o dinheiro para saúde, não vou gastar nada com educação, como é que vai fechar as contas do Fundeb? Tem municípios que são ricos e têm poucos alunos. Esses dão mais dinheiro do que recebem do Fundeb. Então o que eles vão fazer? Vão diminuir os gastos com educação para reduzir o que eles têm de dar para o Fundeb. Na hora em que todos começarem a fazer isso, isso vira uma guerra entre os municípios. Então a melhor coisa é manter como está.
Politicamente é uma proposta que pode ser aprovada em tão pouco tempo no Congresso? Tem um lobby da educação e da saúde muito fortes no Congresso. Fora professores e trabalhadores de saúde, que estão entre as maiores ocupações no país. Acho muito difícil passar.
O QUE PREVÊ A PEC EMERGENCIAL?
- Fim do gasto mínimo para saúde e educação
- Permite que nova rodada do auxílio emergencial fique fora de regras fiscais, como teto de gastos e meta para contas públicas
- Reduz repasses para o BNDES
- Cria mecanismos a serem acionados temporariamente em caso de aperto nas contas públicas, como barreira a aumentos de gastos com servidores e à criação de despesas obrigatórias e de benefício tributário
- Cria dispositivos para enfrentamento de novas calamidades públicas, como flexibilização de aumento de despesas e de regras para contratação de pessoal
- Prevê que uma lei complementar traga regras e medidas visando a sustentabilidade da dívida pública
- Determina um prazo para que o governo apresente um plano para redução gradual dos benefícios tributários
- Retira da Constituição a possibilidade de a União intervir em um estado para reorganizar as finanças da unidade da federação
O QUE PREVIA A VERSÃO ORIGINAL (DO GOVERNO)?
- Mecanismos mais duros a serem acionados temporariamente em caso de aperto nas contas públicas, como corte de jornada –e de salário– de servidores públicos em até 25%, redução de pelo menos 20% dos cargos de confiança, além das barreira a reajustes e concursos públicos e à criação de despesas obrigatórias e de benefício tributário
- Interrompia a correção inflacionária dos pisos constitucionais do valor a ser aplicado em saúde e educação enquanto vigorar o regime de controle de gastos por causa do aperto nas contas
- Suspende recursos do FAT ao BNDES
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/02/piso-para-gastos-em-educacao-e-saude-nao-e-ideal-mas-e-muito-pior-nao-te-lo-diz-economista.shtml
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