Para ex-diretor do Banco Central, o que os investidores gostariam é de vacinação em massa, mas agenda é oposta à do presidente
ESTADÃO
A intervenção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na direção da Petrobrás azedou a relação do governo com o mercado, prejudicando o desempenho da Bolsa e influenciando negativamente no risco país. Para Alexandre Schwartsman, consultor e ex-diretor do Banco Central, o mercado até agora parecia acreditar em “poderes mágicos” do ministro da Economia, Paulo Guedes.
“Essas pessoas não são ingênuas, mas havia uma crença de que Bolsonaro não teria alternativa além de se curvar a Guedes. Eu via que havia um conflito potencial entre as agendas de Guedes e Bolsonaro e a pandemia acirrou essa inconsistência. A intervenção na Petrobrásfoi um tapa na cara do mercado.”
Ele diz acreditar que a tendência é que os investidores mantenham a desconfiança elevada, enquanto o presidente se movimentar para tomar medidas que olham mais para as eleições do ano que vem do que para a situação fiscal do País. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O mercado age como se tivesse sido traído pelo presidente Jair Bolsonaro, após a intervenção na Petrobrás. O apoio ao presidente era ingênuo?
É injustificável, mas tinha uma crença nos poderes quase mágicos do Paulo Guedes. É quase comparável ao que ocorreu com (o ex-ministro da Fazenda) Joaquim Levy, no começo do segundo mandato de Dilma Rousseff. Era um discurso na linha ‘fica tranquilo, que ele vai resolver tudo’. E a gente está descobrindo que não é bem assim. Eu nunca comprei essa história, mas o mercado está entendendo que é muito mais complicado do que parecia. Essas pessoas são qualquer coisa menos ingênuas, mas havia uma crença de que o Bolsonaro não teria uma alternativa ao Guedes. Só que ele tem: seguir fritando o ministro até ele sair. Acho que a piada seria: Namore alguém que olhe para você, como o mercado olha para Paulo Guedes.
Esse cheque em branco dado ao ministro está saindo caro?
Guedes era o cara que disse que acabaria com o déficit em um ano. Ninguém tinha feito isso antes, por não ter a genialidade dele. Mas era claro que havia um conflito potencial entre as agendas de Guedes e Bolsonaro e a pandemia acirrou isso. A chance remota de os planos do ministro darem certo era fazer um ajuste fiscal rápido, o País voltar a crescer e ele poder entregar o que o presidente queria. Com a epidemia e a nossa péssima resposta à covid-19, o horizonte ficou muito curto. A agenda de Guedes não serve para o Bolsonaro hoje.
A mudança de comando na Petrobrás não foi um impacto momentâneo?
A Petrobrás foi um tapa na cara do mercado, foi o momento de perceber onde tinham se metido.
No caso do presidente, não é uma questão de ideologia, mas de acomodação de interesses de parte de seus apoiadores?
Bolsonaro tem uma única prioridade nesta altura do campeonato, que é se reeleger. Ele vai fazer o que foi necessário para isso. Se tiver de atender os grupos de interesse, ele vai atender, para ter dividendos eleitorais. O acordo dele com o Centrão é basicamente para garantir uma blindagem para evitar um impeachment, e aparentemente vai conseguir.
Desde a intervenção na Petrobrás, o risco país aumentou, a Bolsa perdeu pontos e o dólar disparou. Podemos dizer que o mercado sente um ‘custo Bolsonaro’?
Sim, na falta de um nome melhor. Teve um pouco de turbulência lá fora também, mas se os indicadores ruins não aconteceram 100% por culpa de Bolsonaro, talvez tenha sido uns 85%.
Mercado e Bolsonaro podem se reconciliar?
Não deve acontecer uma reconciliação, as agendas estão bastante divergentes. O que o mercado gostaria é de vacinação em massa, o que é óbvio. Vejamos o que está acontecendo em Israel e mesmo nos Estados Unidos. No Reino Unido, a mesma história. Onde se conseguiu sucesso na vacinação, tiveram resultados econômicos e políticos positivos.
Depois do caos na Petrobrás, o governo correu para apresentar propostas de privatização para Eletrobrás e Correios. O mercado acredita nisso?
Não. Primeiro, que não vai andar. O mercado olha para isso e desconfia. A impressão que fica é que ele fez a bobagem da Petrobrás e quis reverter, em partes. Mas a gente olha para a proposta e ela não tem consistência, parece que foi para mostrar algo para não ficar com a marca de antimercado. Falta vontade.
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