Folha (publicado em 26/06/2021)
Aproxima-se rápida e precocemente a campanha para as eleições presidenciais. O clima está tenso e tende a piorar. Estamos caminhando para opções insatisfatórias ano que vem. Mas ainda há tempo para a construção de uma alternativa superior.
Enquanto isso, segue o desmonte em áreas estratégicas, promovido pelo atual governo. E começa o campeonato de versões sobre o passado. Compartilho o temor geral de que estejamos vivendo um golpe em câmera lenta contra a democracia, à maneira deste século. Ou pior. Essa é a principal ameaça que o Brasil enfrenta. E olhem que a pandemia ainda não está sob controle.
Mas vamos hoje falar de crescimento. Mostrar crescimento sempre tem apelo eleitoral. O tema tem implicações para as duas candidaturas já postas. No caso de Bolsonaro, os 5% ou mais projetados para este ano e o provável impacto do fim da pandemia ano que vem (a despeito de suas escolhas de política sanitária). No caso de Lula, o seu legado.
Começo com alguns detalhes técnicos. É preciso distinguir entre recuperação e crescimento. Em ambos os casos há aumento do nível de atividade. Mas o termo crescimento deveria ser reservado para aumentos em termos reais e prolongados. Parte do crescimento decorre do mero aumento da população, o que não leva a um aumento da renda (ou PIB) per capita, o critério adequado para comparações ao longo do tempo e entre países.
Passemos a um pouco de história. Durante o período do chamado milagre econômico (1950-1980), o PIB brasileiro aumentou cerca de 9 vezes, o que equivale a 7,4% ao ano. Espetacular. Foi um período de urbanização e industrialização. Como no período o crescimento da população foi acelerado, o PIB per capita cresceu bem menos, 4,4% ao ano, um resultado ainda muito impressionante.
O suspiro final do milagre ocorreu em 1980. Desde então, o Brasil cresceu a um ritmo de 0,6% ao ano per capita. É inegável que houve avanços em muitos momentos e em muitas áreas, mas, quando se leva em conta frequentes crises e retrocessos, o resultado geral foi medíocre. Posto de outra forma, perdemos muitas chances para encurtar a distância que nos separa dos padrões de vida das economias avançadas.
Essa decomposição das fases da economia brasileira nos últimos 70 anos é a mais frequente, mas não me parece a melhor quando se trata de entender as causas dos sucessos e fracassos do período. O modelo de desenvolvimento do milagre pecou por não enfatizar educação, ignorar a desigualdade e descuidar da estabilidade macroeconômica. Pecou também pelo protecionismo e pelo estatismo. Em função disso, merece boa parte da responsabilidade pelo colapso econômico da “década perdida” dos anos 1980 e início dos 1990. Cabe, portanto, incluir esses anos na conta do milagre. Feito esse ajuste, o crescimento do PIB per capita do ciclo mais completo cai para 3%, ainda bem razoável. E o crescimento pós-década perdida sobe para 1,1%. Melhor, mas ainda modesto.
Olhando para frente, minha aposta é que o Brasil poderia repetir por um tempo o desempenho do milagre. Como a força de trabalho cresce bem menos hoje em dia, seriam uns 5% ao ano. Estes 5% equivaleriam aos 7,4% do milagre. De onde vem esse número? Em parte do aproveitamento da capacidade ociosa existente, mas sobretudo dos enormes espaços disponíveis para aumentos de investimento e de produtividade, visíveis a olho nu. Crescer a uma taxa média de 4% ao longo de uma década não seria impossível.
Como as consequências dos erros estratégicos do modelo passado se fazem sentir até nossos dias, o cenário de 4% de crescimento mencionado acima poderia ser considerado otimista. Por outro lado, a correção desses e de outros erros mais recentes não deixa de ser um bom espaço de crescimento a se aproveitar. Me arriscando um pouco, fico com os 4%.
Vamos examinar sob ótica semelhante o desempenho do PT no poder. Após a boa surpresa do primeiro mandato de Lula, houve uma desastrada mudança de rota, reforçada no governo Dilma, com resultados conhecidos. Houve muita badalação do crescimento do PIB de 7,5% em 2010. Deu até capa da revista The Economist. Ocorre que foi um ano de recuperação, turbinado pela eleição. Não houve continuidade. Pior: depois veio a conta, na forma de uma colossal recessão. O conjunto da obra do partido no poder gerou 1,5% de crescimento anual per capita, um resultado inferior ao do resto da América Latina no mesmo período, um sarrafo baixo. Deixou como herança uma situação fiscal fragilizada, agravada pela pandemia.
Quanto ao governo atual, há que se tomar cuidado com o número de crescimento do PIB projetado para este ano. Trata-se de uma recuperação, impulsionada pelas políticas expansionistas iniciadas em 2020 e pela alta dos preços das commodities. Em função do colapso da economia a partir do início da pandemia, a manutenção do nível de atividade do final do ano passado, ainda marcado por alto desemprego e subemprego, geraria uma recuperação meramente estatística de cerca de 4,5%. Os 5% ou mais de crescimento projetados para este ano fazem vista, mas não espelham a realidade social.
Resumindo, é preciso não confundir: (1) recuperação com crescimento, e (2) períodos selecionados com os resultados dos ciclos completos.
Por fim, cabe destacar que o modesto desempenho das últimas décadas deixará saudades se persistir a destruição institucional que ora nos assola. O Brasil sempre se viu como um país de infinitas possibilidades. Está mais do que na hora de entendermos que uma delas é não dar certo.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/arminio-fraga/2021/06/o-futuro-do-pais-do-futuro.shtml
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