Globo (publicado em 17/07/2021)
Denis Mizne* e David Saad**
Há um ano e meio, a pandemia do novo coronavírus deixa seu rastro na vida e no luto de todos nós. Também nos rouba o futuro ao empurrar milhões de crianças e adolescentes para um prolongado compasso de espera. Esse é o efeito mais perverso de longo prazo da Covid-19, que ceifa o direito ao desenvolvimento pleno e à educação de uma geração inteira.
Dados alarmantes, de estudos realizados por Unicef e Cenpec, mostram que mais de 5 milhões de crianças e adolescentes ficaram sem aulas no ano passado. De março de 2020 a fevereiro de 2021, as escolas brasileiras mantiveram suas portas fechadas por mais de 260 dias, segundo levantamento do Vozes da Educação, que comparou as políticas educacionais e o combate à Covid-19 em 21 países.
O retorno das atividades presenciais tem se dado de forma arrastada e extremamente desigual entre redes públicas e privadas: em todos os estados, estudantes de escolas privadas estão voltando de forma gradual para as salas de aula, enquanto, até o início de julho, apenas nove estados e nove capitais tinham autorizado aulas presenciais na rede pública, de acordo com a plataforma Educação e Coronavírus.
Nesse cenário, o ensino remoto ainda é a única chance para que muitos alunos continuem estudando. No entanto o Brasil precisaria avançar em ritmo muito mais acelerado para garantir às escolas a conectividade que permita acesso de qualidade às atividades. Sem aulas presenciais e sem conexão adequada, a aprendizagem dos estudantes poderá retroceder até quatro anos, segundo projeções da FGV EESP Clear.
As crianças que entraram no primeiro ano do fundamental em 2020 acordarão em agosto a poucos passos de ir para o terceiro ano, muitas delas sem ter pisado na escola num momento primordial do processo de alfabetização. Os jovens do ensino médio no ano passado, que tinham no horizonte planos de se preparar para o Enem, depararam com dificuldades de conexão para acompanhar as aulas remotas, situações extremas de estresse e desmotivação.
O medo da evasão se faz mais presente. Famílias temem que seus filhos abandonem a escola, como aponta pesquisa recente do Datafolha: 40% dos estudantes da educação básica não estão evoluindo na aprendizagem, não estão motivados e admitem que podem abandonar os estudos. A percepção das famílias é que quase 60% dos adolescentes terão problemas emocionais causados pelo longo período de isolamento social.
Esse é um triste retrato. O país não conseguiu resguardar seu futuro e colocou em risco uma geração inteira de cidadãos cujo direito fundamental à educação foi anulado pela pandemia e pela dificuldade de planejamento e priorização da educação em meio à mais grave crise humanitária em décadas. Nós, como país, falhamos ao não sermos capazes de garantir um retorno seguro às escolas, ainda que inúmeros estudos e protocolos sanitários amplamente usados no mundo tivessem apontado para esse caminho.
Desde 28 de maio, os profissionais de educação estão nos grupos prioritários para imunização, e a vacinação deles avança. Após mais de um ano com escolas fechadas, o Conselho Nacional de Educação emitiu uma resolução com as diretrizes para a reabertura com segurança no país. De forma programada e responsável, mas imediata, porque não há mais tempo a perder.
É urgente e absolutamente necessário que o Brasil pactue um grande compromisso para que educadores e gestores públicos dos estados e municípios se planejem e reabram as escolas públicas em agosto, de forma segura, gradual e efetiva, sem deixar nenhuma criança e jovem para trás. Nossa prioridade, desde sempre e com ainda mais força agora, precisa ser garantir o direito constitucional à educação.
As nossas crianças e jovens não podem esperar mais. É o futuro de cada um deles que está em risco. É o futuro do Brasil que está em jogo; um jogo em que perder significará prejuízos incalculáveis para todas as dimensões da sociedade. Hoje, o futuro parece longe, mas ele já está sendo construído por nós agora. Que tenhamos a responsabilidade e a coragem de transformar esse triste quadro.
*Diretor executivo da Fundação Lemann
**Diretor-presidente do Instituto Natura
Link da publicação: https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/o-grave-efeito-colateral-da-covid-na-educacao.html
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