Adriano Pires, Luana Furtado, Samuel Pessôa, Blog do Ibre (publicado em 10/08/2021)
Custo de construção da refinaria Abreu e Lima por unidade de barril foi sete vezes superior ao custo de amostra de refinarias construídas na mesma época. Não é possível fazer a mesma comparação para o Comperj, já que o complexo petroquímico ainda não entrou em operação.
Este post tem por objetivo recuperar o histórico da construção da Refinaria Abreu e Lima, conhecida por RNEST, e o histórico da construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). O tema é árduo, mas realizamos um levantamento com o custo de construção e a produção estimada para uma amostra de usinas construídas na última década. Documentamos que o custo da RNEST por unidade de barril por dia de óleo refinado é da ordem de 5 a 6 vezes o padrão da indústria. Não é possível estabelecer a mesma comparação para o Comperj visto que não entrou em operação.
Um breve histórico da Abreu e Lima
A RNEST foi um projeto pensado em parceria com a estatal Venezuelana PDVSA[1], à época um acordo entre o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) e o Regime Chavista. Dessa forma, a Petrobras seria responsável por 60% do investimento e os 40% restantes ficariam a cargo da PDVSA. Localizada no Complexo Industrial Portuário de Suape, no município de Ipojuca, litoral Sul de Pernambuco, a RNEST teve o orçamento de construção aprovado em setembro de 2005, no então Governo Lula. Na ocasião, o valor previsto foi de US$ 2,3 bilhões, segundo o indicado na primeira fase do estudo de viabilidade econômica (indicação de oportunidade). A história da RNEST é marcada por inconsistências orçamentárias, investigações políticas e repetidos atrasos.
O projeto inicial previa a construção de uma refinaria com capacidade de 200 mil barris por dia (b/d) de petróleo, com a configuração do petróleo de entrada 50% venezuelano (Carabobo) e 50% brasileiro (Marlim). Neste período, a previsão de conclusão das obras era para o primeiro semestre de 2011.
Em dezembro de 2006, após realização da segunda fase do estudo de viabilidade econômica (projeto conceitual), o plano sofreu sua primeira alteração, e o orçamento foi elevado para US$ 4 bilhões. A mudança foi atribuída à variação cambial e às modificações no perfil do petróleo venezuelano.
Em novembro de 2009, o orçamento sofreu uma alteração drástica e passou para US$ 13,4 bilhões, após realização da terceira fase de estudo de viabilidade econômica (projeto básico), como mostra a figura abaixo. Nesta etapa, foram realizados ajustes no projeto da unidade: a capacidade de refino foi elevada para 230 mil b/d, dividida em dois trens, cada um com capacidade de 115 mil b/d, um deles destinado ao refino do petróleo brasileiro e outro ao venezuelano. Até este momento, a estatal venezuelana não havia contribuído para a realização da obra e a parceria era indefinida.
Figura 1 – Evolução da configuração da RNEST
Fonte: Tribunal de Contas da União (TCU)
Em julho de 2014, a Petrobras trabalhava oficialmente com orçamento de US$ 18,5 bilhões, entretanto, contas internas estimavam que o valor poderia chegar a US$ 20,1 bilhões. A previsão final para a conclusão das obras foi para novembro de 2014, um atraso de 3 anos quando comparado à projeção inicial.
Início e continuidade das operações
A RNEST iniciou suas operações em dezembro de 2014, com apenas o seu primeiro conjunto de unidades (Trem I) em funcionamento. Por consequência, a refinaria ficou com a capacidade nominal de refino de 115 mil b/d, 50% do planejado no projeto básico.
Vale ressaltar que, inicialmente, a refinaria possuía autorização para produção diária de somente 73 mil barris, equivalente a 64% da capacidade disponível. Tal situação só se altera em janeiro de 2016, após obtenção de uma licença ambiental, quando o volume total autorizado passou a 100 mil b/d.
Em 2020, a RNEST processou 101.516 b/d de petróleo, um aumento de 22% em relação a produção do ano anterior, resultando em uma produção de 54.132 b/d de derivados. Já o fator de utilização foi de 88%, o maior fator anual já observado desde o início das operações, representando uma variação positiva de 16 pontos percentuais (p.p.) quando comparado a 2019. Entre janeiro e abril de 2021, os dados apontam um volume de processamento de 94.523 b/d de petróleo e fator de utilização de 82%, representando, respectivamente, uma redução de 6% na produção diária de barris, e uma retração de 6 p.p. no fator de utilização, quando comparados com o mesmo período do ano anterior.
A tecnologia utilizada na RNEST, além de ser inteiramente nacional, é considerada a mais avançada dentre as unidades de refino da Petrobras e aquela que dispõe do maior nível de automação. A unidade tem em seu catálogo de produtos: nafta, óleo combustível, gasolina A, coque, GLP (Gás Liquefeito de Petróleo) e Diesel S-10; sendo o foco da produção o Diesel S-10, que representa cerca de 70% do total.
Em função do Termo de Compromisso de Cessação (TCC), assumido com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), em maio de 2019, a Petrobras informou ao mercado as diretrizes para gestão de portfólios de seus ativos, incluindo a venda de 8 de suas refinarias, dentre elas a RNEST, juntamente com os complexos de infraestrutura logística associados às mesmas. Até o momento, a Petrobras não recebeu propostas referentes a negociação da RNEST, cujos processos devem ser finalizados até 30 de outubro de 2021, em prazo já estendido.
Avaliação de custos
Com a finalidade de estabelecer uma base de comparação para avaliação dos custos, foi selecionado um conjunto de refinarias construídas nas últimas décadas. As estatísticas consideradas foram as seguintes: a capacidade produtiva, medida em barris por dia de capacidade de refino; o custo total de construção; e, o investimento por cada barril/dia de capacidade de refino.
Fonte: Elaboração própria, com base em levantamento de dados em sites das respectivas operadoras, veículos de notícia internacionais/locais.
Para a seleção das refinarias, houve a busca por empreendimentos com características próximas a da RNEST, ou refinarias de grande representatividade no cenário mundial. No entanto, a dificuldade na obtenção de dados, sobretudo os relacionados ao custo do projeto, resultou na listagem de refinarias de acordo com a disponibilidade de informações necessárias à análise. No caso das refinarias nacionais, priorizou-se as informações divulgadas ao mercado pela Petrobras, mas também foram usados os Relatórios de Fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) e documentos disponibilizados pelo Congresso Nacional. Em razão da identificação de falhas de governança e atos de gestão antieconômicos, que levam ao prejuízo causado por refinarias da Petrobras, o TCU realizou auditorias que resultaram em relatórios de fiscalização.
Para as demais refinarias, as fontes foram os sites dos operadores de cada refinaria ou notícias da mídia, com prioridade à periódicos especializados no setor. Vale destacar que a North West Sturgeon Refinery (NWSR), localizada no Canadá, foi inserida na lista por configurar um caso de forte interferência do setor público com elevados subsídios ao construtor/operador do projeto (privado), caso que guarda muita semelhança com as refinarias RNEST e Comperj.
A refinaria que apresentou o maior custo foi a RNEST com US$ 160.000 por cada barril/dia de capacidade de refino. Esse valor é 5 vezes maior do que a média da amostra e 6 vezes a mediana. A NWSR, na província de Alberta no Canadá, apresenta custo 23% inferior à RNEST. Vale lembrar que a NWSR refina óleo oriundo de areia betuminosa, cujo refino é conhecidamente mais caro do que óleo.
De qualquer forma, o caso da NWSR compartilha diversas características com a RNEST. Houve um forte envolvimento do governo da província de Alberta com o objetivo de aumentar a agregação de valor na província, que é uma importante produtora deste tipo de óleo. Havia também a decisão do governo de apoiar políticas de criação de empregos, além de também ser um projeto, como é o caso da RNEST, longe do mercado consumidor e de não ser um polo de refino importante. Diversas infraestruturas não estavam prontas. Como ocorreu com RNEST, houve sucessivas revisões que elevaram o custo do projeto. Originalmente orçado em US$ 4 bilhões, foi reavaliado para US$ 5,7[2]. No final, ficou pouco mais caro do que US$ 10 bilhões.[3]
Assim, dado que a refinaria canadense sofre de problemas análogos à RNEST faz sentido incluir Sturgeon na análise. No entanto, para compararmos o custo da RNEST com o custo das Refinarias construídas segundo as melhores práticas da indústria faz sentido excluirmos Sturgeon da amostra. Nesse caso o custo da RNEST é 7 vezes maior do que o custo médio das refinarias consideradas após a exclusão do caso de Alberta no Canadá. Neste link é possível baixar o Excel com a tabela e os links para as informações de cada linha da tabela.
O COMPERJ
O anúncio oficial do projeto de construção do Polo Petroquímico do Rio de Janeiro foi feito pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva, em 2006. Na época, a proposta de orçamento girava em torno de US$ 6,1 bilhões. Em 31 de março de 2008, a Petrobras deu início às obras do Comperj, classificado pelo ex-presidente Lula como “o maior investimento público-privado já feito” no Brasil. O projeto, desenvolvido com base em estudos do CENPES[4]/PETROBRAS e da Fábrica Carioca, contava com orçamento inicial, revisto, na ordem de US$ 8,4 bilhões, para uma capacidade de processamento de 150 mil b/d de óleo pesado nacional (do campo de Marlim, na Bacia de Campos/RJ) e previsão de conclusão das obras para 2012.
Além do investimento de alto porte, o projeto se destacou, também, pelas suas propostas ecológicas: a zero emissão de efluentes industriais para a Baía de Guanabara, emissões atmosféricas seguindo padrão duas vezes mais restrito do que as normas nacionais do período e investimentos de US$ 200 milhões para redução de poluição. O projeto demandou o maior processo de terraplanagem já realizado no Brasil, ocupando área de 11 quilômetros quadrados (km²), no município de Itaboraí/RJ, o processo tinha como expectativa a movimentação de 55milhões de metros cúbicos (m³) de terra e orçamento de R$ 831 milhões.
Originalmente, a Petrobras contava com a parceria do Grupo Ultra e do BNDES para construção do Complexo, entretanto, o grupo privado desistiu do empreendimento, em decorrência dos efeitos da crise mundial de 2008. Em 2010, a estatal firmou nova parceria petroquímica com a Braskem, para agregar investimento ao Steam Cracker[5], e postergou a previsão de início das operações para 2017. No mesmo ano, houve uma ampliação de escopo em que o Projeto Comperj passou a ser denominado Programa Comperj, com dois trens de refino, Trem 1 (antiga UPB) e Trem 2, e o Projeto Petroquímicos. Em 2012, houve outra mudança com a inclusão de um gasoduto submarino, a instalação de uma unidade de processamento de gás natural (UPGN), o aumento da capacidade de refino do Trem 2 ampliado de 165 mil b/d para 300 mil b/d, e expandindo a produção do primeiro trem para 165 mil b/d.
Figura 1 – Esquema de 2011 com datas de partida da 1ª, 2ª e 3ª Etapas da COMPERJ
Fonte: EPBR, FEL I do Complexo de Aromáticos
Em 2011, foi concluído, com dois anos de atraso, o processo de terraplanagem, que alcançou número recorde de movimentação de terra, com 95 milhões de m³ movimentados, e sem atualizações oficiais no orçamento. Após denúncias de grupos locais, ONGs e instituições ambientais, acerca das licenças ambientais e externalidades negativas a população próxima, as obras passaram por momentos de paralisação e retomada durante os anos de 2012 e 2013.
Segundo declaração da ex-deputada Janira Rocha (PSOL), em sessão ordinária da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), de 8 de abril de 2014, “Ontem, para minha surpresa, no Jornal Nacional, veio a informação de que a cifra inicial, o valor inicial do orçamento do Complexo teria sido de 16 bilhões de reais e que, nesse momento, já haveria um gasto de 31 bilhões de reais, sendo que apenas 38% da obra está concretizada.”[6] Novamente, em 16 de abril de 2014, a Petrobras através de publicação em seu site, declarou que “Os projetos da RNEST e do Comperj são muito diferentes do que os planejados inicialmente. O andamento das obras e o investimento na construção das unidades estão de acordo com os cronogramas e orçamentos definidos para os novos projetos das refinarias.”[7] Ainda de acordo com as informações publicadas pela Petrobras, em 2014, o Comperj estava com 68% das obras concluídas, com a nova data de início das operações do primeiro trem de refino prevista para agosto de 2016, e custo de US$ 13,5 bilhões, segundo o Plano de Negócios e Gestão da Companhia. Essa previsão, no entanto, se mostrou também errônea, visto que em dezembro de 2014, com 82% das obras concluídas, as atividades do primeiro trem de refino foram suspensas em razão de restrições de caixa, a segunda refinaria ainda não havia saído do papel, e o projeto de petroquímicas havia sido cancelado em julho de 2014.
Em 2015, foi instaurada a CPI da Petrobras e, em maio deste ano, uma delegação de 6 deputados federais fizeram uma visita de inspeção às obras do Comperj. Segundo o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), “O Comperj começou com orçamento de US$ 6 bi, foi para US$ 8 bi e agora já passa de US$ 30 bilhões. As obras estão paradas e os equipamentos hibernando e quase não se vê funcionários trabalhando.”[8] Segundo notícia do Senado, ainda em 2015, em documento produzido por sua equipe técnica, a Petrobras estimou que o Comperj geraria um prejuízo mínimo de US$ 14,3 bi à companhia.
Em 2017, o TCU calculou prejuízo de US$ 12,5 bi à Petrobras gerados pelas obras do Comperj. Neste ano, a Braskem concluiu estudos relacionados a expansão de sua capacidade produtiva e decidiu pelo aumento de sua produção em Duque de Caxias, desistindo da parceria com a Petrobras no Comperj.
A 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva Núcleo Itaboraí, em documento publicado em 2018, registrou que a totalidade dos valores já investidos somados aos valores a investir somam US$ 17,97 bi, sendo US$ 13,8 bilhões, baseado no voto do relator Vital do Rêgo no relatório TCU – RA: 00698120143. Além disso, a promotoria declarou que oficiou à Petrobras requisitando informar qual o valor de cada empreendimento do Comperj, entretanto não obteve respostas.
Também em 2018, a Petrobras anunciou parceria com a petroleira chinesa China National Oil and Gas Exploration and Development Company (CNODC), subsidiária da China National Petroleum Corporation (CNPC), para conclusão da refinaria do Comperj, seriam realizados estudos de viabilidade técnica para o projeto, e na hipótese de conclusão a empresa nacional teria 80% de participação, enquanto a companhia chinesa teria 20%. Pouco mais de 1 ano após a realização do acordo, em dezembro de 2019, a Petrobras anunciou que, devido à inviabilidade econômica do projeto, ele seria abandonado, entretanto a parceria com a CNPC seria reconsiderada para outros projetos.
Em 2020, a companhia renomeou o Comperj para Polo GasLub Itaboraí, e atualmente, de acordo com informações do site da Petrobras, estão sendo estudadas possibilidades da construção de uma planta de processamento de lubrificantes visando reaproveitamento de interligações já existentes de algumas unidades do Polo com a Refinaria de Duque de Caxias (Reduc). Também, se analisa a possibilidade de construção de uma térmica em parceria com outros investidores para geração de energia a partir do gás do pré-sal processado no GasLub. No Plano Estratégico da Petrobras para 2021-2025, na descrição do CAPEX do Refino, a companhia destina cerca de R$ 590 milhões para a construção de uma HCC (Unidade de Hidrocraqueamento Catalítico) para produção de lubrificantes mais avançados no Polo Gaslub, até 2025.
Conclusão
Anunciados como grandes soluções à oferta de combustíveis no país, tanto a RNEST quanto o Comperj, também eram promessas de grandes investimentos e geração de emprego. No entanto, os orçamentos foram ganhando proporções astronômicas e, os projetos, não evoluíram conforme o previsto. A expansão do parque de refino, dominado pela Petrobras, sucumbiu aos investimentos desproporcionais ao projeto e as práticas, no mínimo, heterodoxas, entrando para lista de empreendimentos investigados na conhecida Operação Lava Jato. A RNEST, ainda que diferente do projeto original, teve a construção do primeiro trem concluída, ainda que por valores maiores e muito questionáveis. Já o Comperj, mudou de nome, de configuração e, ainda, assim o projeto permaneceu inviável economicamente. Uma grande força-tarefa mostrou que os projetos foram alvo de superfaturamentos, causando prejuízos bilionários para a empresa e seus acionistas.
Link da publicação: https://blogdoibre.fgv.br/posts/o-custo-de-abreu-e-lima-e-do-comperj
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