Valor (publicado em 02/08/2021)
A pouco mais de um ano das eleições de 2022, a tendência natural do noticiário e da classe política é focar em candidaturas, em nomes de presidenciáveis e suas possíveis coalizões. Considero que, mais interessante do que a fulanização do processo, é a avaliação das alternativas de políticas públicas implícitas nas diferentes escolhas – é claro que as mesmas têm aspectos tão ou mais importantes nas searas institucionais, culturais e de valores, mas isso escapa ao escopo desta coluna.
O ponto de partida, inevitável, é a avaliação que as diferentes correntes políticas farão sobre a agenda 2016, o conjunto de reformas do arcabouço de política econômica que, em ritmo variável, o país vem aprovando desde aquele ano. A agenda 2016 possui, a despeito de não ter sido articulada em um documento único, certa coerência e um corolário claro, qual seja criar condições que permitam a superação do modelo de crescimento liderado pelo Estado – que fracassou na década passada, mas segue sendo a zona de conforto de parte da classe política e do empresariado tradicional – por uma estratégia na qual o setor privado, especialmente aquele mais inovador, passe a ter papel mais decisivo.
Um aspecto central da agenda 2016 é uma mudança radical no arcabouço institucional da política fiscal. Outro, refere-se ao redesenho dos mecanismos de alocação de capital e à interação entre as políticas fiscal e monetária. Houve também uma importante reforma do mercado de trabalho e atualizações de marcos regulatórios para mercados importantes.
A grande alteração foi a adoção, com a aprovação da Emenda Constitucional 95 de dezembro de 2016, do teto de gastos. O teto não é nem absoluto (os gastos crescem em linha com a inflação), nem geral (dispêndio de estados e municípios, bem como as despesas primárias federais com o Fundeb, capitalização de empresas estatais, créditos extraordinários, e outros, não estão sujeitos ao teto). Os mecanismos corretivos implícitos no teto de gastos foram posteriormente aprimorados com a chamada PEC Emergencial (Emenda 109 de 2021).
O teto se contrapõe à tradição de gastar mais e tributar mais, que caracterizou a política fiscal brasileira das últimas décadas: entre 1997 e 2016 os gastos primários federais cresceram, em média, ao ritmo de 6% ao ano acima da inflação. Uma consequência muito importante do teto é forçar os governantes a priorizar as despesas que consideram mais relevantes: mais gastos sociais, investimentos, ou despesas com o funcionalismo? Note-se, finalmente, que o teto não inviabilizou uma resposta de política fiscal extremamente vigorosa à pandemia: os gastos primários cresceram em montante próximo a equivalente a 7% do PIB em 2020.
O teto de gastos incentivou, também, a aprovação da reforma da previdência (Emenda Constitucional 103, de 2019). Sem a mesma, os demais gastos, como o Bolsa Família, acabariam sendo comprimidos.
Outra mudança transformacional foi a legislação referente ao custo do crédito do BNDES, com a substituição, aprovada em 2017, da TJLP pela TLP (Lei 13483). A lógica era atacar a segmentação do mercado de crédito, visando permitir que o Banco Central perseguisse a meta para a inflação com taxas de juros mais baixas. Com isso, taxas de juros baixas deixariam de ser privilégio de um número limitado de (usualmente grandes) empresas.
Com a redução do subsídio ao crédito e das taxas básicas de juros, temos assistido a um florescimento do mercado de capitais, com 187 operações desde 2017, que levantaram R$ 369 bilhões. Mais importante, o número de investidores individuais na bolsa subiu de 565 mil para quase quatro milhões de pessoas.
A reforma trabalhista reduziu o contencioso nesse setor, desestimulando a judicialização, e reduziu o custo da formalização da mão de obra. A rápida recuperação do emprego formal, depois do choque da pandemia, reflete políticas contracíclicas e a própria natureza da retomada, mais forte na indústria, mas vale mencionar que ela pode estar também evidenciando os efeitos da flexibilização das regras trabalhistas.
O novo modelo de crescimento requer, também, mudanças no arcabouço regulatório em setores importantes. Temos, nesse contexto, observado avanços na regulação dos setores de saneamento e gás natural. O primeiro já começa a atrair vultosos investimentos do setor privado, como ilustra a privatização da Cedae, no Rio de Janeiro.
As reformas estão funcionando? Grandes generalizações demandam um prazo maior, e muitas das iniciativas da agenda 2016 têm prazo de maturação dilatado, mas os primeiros sinais são favoráveis. A despeito do ajuste em curso, sob o ponto de vista específico da relação entre políticas fiscal e monetária, a agenda 2016 tem permitido ao Banco Central perseguir a trajetória de metas com uma taxa de juros mais baixa do que era o caso no período anterior. Quanto ao crescimento, o Brasil segue perdendo para a média mundial, mas a diferença, que chegou a 7 pontos percentuais em 2015, caiu para 0,8 p.p. em 2020 – é importante ter em mente que comparações de taxa de crescimento do Brasil, ao longo do tempo, sem levar em conta o contexto global, carecem de significado.
Em resumo, parece ser cedo demais para abandonar ou reverter as reformas da agenda 2016. E cedo demais para, em um processo de contrarreforma, tentar ressuscitar o modelo de crescimento liderado pelo Estado e, com isso, voltar para a zona de conforto.
Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/a-agenda-2016.ghtml
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