Valor (publicado em 03/09/2021)
Ex-presidente do Santander e do Grupo Abril, hoje sócio da Gávea Investimentos e conselheiro de grandes empresas e bancos, Fábio Barbosa encabeçou dois dos mais significativos manifestos nascidos no meio empresarial este ano – o que pedia ciência e responsabilidade no enfrentamento da pandemia, em março, e aquele que defendia as eleições, em agosto.
Frustrou-se com o recuo das entidades empresariais em divulgar o manifesto em defesa da democracia antes do 7 de setembro, mas entende que buscar o consenso de associações com distintas governanças é mais difícil do que a adesão de pessoas físicas.
Não acredita em descontrole nas manifestações do dia 7, mas aposta que o recado já foi dado: “A instabilidade institucional, alimentada constantemente por declarações do governo, afugenta investimentos e dificulta a retomada da economia e a geração de empregos”.
Aos 66 anos, Barbosa tem sido, desde janeiro, ativo articulador de quatro grupos de empresários que discutem alternativas de terceira via. Fazem pesquisas, encontram lideranças, políticos experientes e pré-candidatos. Um dos grupos já soma 27 encontros virtuais.
Buscam um candidato liberal que seja conciliatório, ofereça estabilidade, e tenha empatia com a dificuldade dos outros. “As pessoas não querem um gestor mas o benefício de uma boa gestão, como empregabilidade e saúde”, diz Barbosa, que se recusa a abrir seu voto caso suas incursões fracassem: “Se responder a hipóteses vou ganhar um carimbo na testa.” A seguir a entrevista, feita na tarde de ontem em seu escritório na zona sul de São Paulo:
Valor: Os últimos dias foram marcados por dois movimentos paralelos, um cerco sobre os filhos do presidente e a radicalização no seu discurso. Se essa radicalização favorecer a violência de rua, o senhor antevê um cenário de descontrole?
Fábio Barbosa: É por isso que a sociedade tem produzido manifestos, tenham sido divulgados ou não. Existe uma tensão que é notória, mas não vejo descontrole à vista. Em 2013 vi “black blocs” jogando pedra e coquetéis molotov no prédio da Abril. Eles acabaram contidos.
Valor: Mas os “black blocs” não andavam armados. E hoje o presidente não apenas liberou armas no país como incentiva seus aliados a usá-las nas ruas. Não faz diferença?
Barbosa: O governador [João Doria] está dizendo que vai revistar as pessoas na avenida Paulista. Não sei como ele vai conseguir fazer isso, mas não acredito em descontrole. Acho que será uma manifestação relevante, com um incidente aqui, outro acolá. Bem ou mal existe policiamento e resistência. Não estamos falando de grupos que têm total autonomia para fazerem o que querem. Vai depender da postura da Polícia Militar e, eventualmente, do Exército que detêm o monopólio do uso da força. Não aposto em ruptura.
Valor: O senhor encabeçou dois manifestos de sucesso, o que pedia ciência e responsabilidade no enfrentamento da pandemia e o outro em defesa das eleições. Um terceiro manifesto, desta vez, das entidades empresariais, estava previsto para antes de 7 de setembro. E deu pra trás. O que aconteceu?
Barbosa: O que é importante é que a sociedade está mobilizada e procurando se expressar. Existia naqueles dos dois casos uma inquietação de pessoas que queriam se fazer ouvir. O mundo empresarial estava muito quieto e omisso. Mas quando você se manifesta na pessoa física, como estou fazendo agora, é uma coisa, quando é pessoa jurídica é outra. São associações, tem que pegar apoio aqui outro acolá. Nem todo mundo concorda. O país está superdividido. Como é que, em nome de uma pessoa jurídica você pode fazer algo sem conversar com todo mundo? Tem que ter unanimidade, não tem, é por maioria, não é? Não me surpreende que o manifesto de associações tenha mais dificuldade de caminhar do que quando se faz com pessoas físicas.
Valor: Para ficar no setor financeiro, sobre o qual o senhor já exerceu liderança, uma decisão pelo voto de 14 integrantes de um conselho de 18, como o da Febraban, não já seria suficiente para gerar um documento à parte, a exemplo do que fizeram entidades do agronegócio mais moderno, como a Abag?
Barbosa: A ideia nunca foi de a Febraban fazer um manifesto isolada, mas de várias associações de classe fazerem um único. Não é um movimento de bancos mas um manifesto de associações de empresas. A divulgação do manifesto depois do dia 7 enfraquece um pouco mas não se perde porque não estamos falando de um dia mas de um processo em que este mundo empresarial está inquieto em relação a democracia e quer se manifestar [Na noite de ontem a Febraban se dissociou da decisão da Fiesp de adiar o manifesto e reiterou apoio ao seu conteúdo].
Valor: O fato de o manifesto não sair no dia 7 pode acabar favorecendo o presidente?
Barbosa: De certa maneira o manifesto já saiu. Já está lido e entendido. Já criou o clima, já é sabido que existe uma preocupação dos empresários com a democracia. Embora não tenha sido publicado, ganhou notoriedade, até maior visibilidade do que teria tido sua publicação. O fato é que houve um alerta da preocupação com relação à insegurança que está preocupando todo mundo.
Valor: É esta a sua definição do Brasil de hoje?
Barbosa: Sim, a instabilidade institucional, alimentada constantemente por declarações do governo, afugenta investimentos e dificulta a retomada da economia e a geração de empregos.
Valor: A divisão explicitada não favorece o presidente na medida em que enfraquece a unidade necessária à ação política do empresariado na contenção do seu governo?
Barbosa: O ideal teria sido que houvesse uma aceitação ampla, mas as associações acomodam pontos de vista diferentes.
Valor: Fiesp, CNI, Sinduscon, Apas, Abinee, todas soltaram notas pelo impeachment da ex-presidente Dilma em 2016. Agora nem mesmo um manifesto moderado em defesa da ordem constitucional consegue unir as entidades. Aquele momento era mais grave que o de hoje?
Barbosa: O momento de hoje é mais radicalizado no Brasil e no mundo do que há cinco anos. A vantagem desta polarização é que ela desperta nas pessoas a vontade de se manifestar.
Valor: Se o momento hoje é mais radicalizado do que o foi cinco anos atrás por que não se consegue unidade em torno de um manifesto? O que aconteceu em 2016 que não aconteceu agora?
Barbosa: Em 2016 não havia essa posição tão firme de eu sou contra ou a favor desta ou daquela direção. Nos Estados Unidos é a mesma coisa. Trump criou essa situação nos Estados, de promover uma sociedade polarizada. A sociedade se polarizou em 2018, não era tanto assim antes, entre aqueles que eram contra e a favor do PT. E desde então a polarização vem sendo explorada pelos dois lados.
Valor: Não é medo da alternativa, do tipo “se não der com Bolsonaro é o PT que volta?”
Barbosa: Nesse mundo empresarial não é isso que está pegando. Existem de fato pessoas que querem se manifestar a favor do governo e outras que querem defender uma democracia que está sendo atacada. De fato, não existe nenhum amor em relação à retomada daquilo que foi a administração do PT nos últimos anos. Existe, de fato, legitimamente, quem quer apoiar o governo por acreditar nesse caminho.
A esquerda não tem o monopólio do que é bom para a sociedade; a agenda liberal não é a da insensibilidade”
Valor: O país já registra os maiores índices de inflação em décadas, juros de longo prazo acima de 10%, câmbio pressionado para cima, a iminência de uma crise hídrica e queda no PIB no segundo trimestre, além de um presidente que afronta as instituições. Como se explica essa crença por parte de dirigentes de empresas que precisam apostar em estabilidade e crescimento?
Barbosa: O que ouço é que o governo tem ações defensáveis, o marco regulatório do saneamento, que foi a coisa mais importante aprovada no Brasil nos últimos anos, lei do gás e a autonomia do Banco Central. O pessoal consegue pinçar nessa confusão toda algumas coisas e conclui que não é para se jogar tudo na lata do lixo. São pontos razoáveis e tem ainda a base comportamental que agrada uma parte. Mas não é um fenômeno localizado. O que leva as pessoas, por exemplo, a votarem num Donald Trump?
Valor: Tem uma diferença em relação a Trump. Ele tinha um partido, aliás tem ainda, que está com ele até hoje. Bolsonaro não tem partido. Ele se baseia em setores da sociedade e agora fica muito claro que entre esses setores se inclui uma parte do empresariado. Tem uma diferença importante, não?
Barbosa: Bolsonaro nunca teve partido. Ele foi eleito porque foi identificado na sociedade um anseio de alguém que tivesse um posicionamento contra tudo que está aí. Ele foi eleito com base num discurso de combate à corrupção que era muito presente à época e capturou o sentimento da população contra tudo que está aí.
Valor: Se as entidades não se unem para conter a escalada autoritária no país como vão se unir para buscar um nome de terceira via?
Barbosa: Essas conversas estão se dando entre pessoas físicas. São vários grupos que estão conversando e discutindo alternativas, conversando com líderes de partidos, políticos experientes e pré-candidatos. O setor privado mudou muito nesses últimos anos. A gente fica muito centrado no governo, mas, à margem dele, tem um agribusiness avançado e ciente de suas responsabilidades sobre o meio ambiente. O governo não é dono da sociedade.
Valor: Mas o agronegócio está dividido e parte importante estará em Brasília, não?
Barbosa: Nunca vai haver unanimidade. Existe uma polarização. Empresas de carne hoje fazem rastreamento para saber de onde vem o bezerro para poder exportar carne. Ou ele se ajusta ou não vai mais vender. Até a China começa a ter essas considerações. Falei ao John Kerry [enviado especial para o clima dos Estados Unidos] que nem a sociedade, nem os governadores pensam como o governo federal
Valor: Quais são os pressupostos da terceira via? Que critérios um candidato da terceira via precisaria preencher?
Barbosa: Não é para ser vista como nem-nem, essa ideia de que qualquer coisa serve desde que não seja um dos dois extremos. A ideia é um candidato que traga esperança e acolhimento de uma sociedade que está passando por dificuldade. Conversar com a sociedade e resgatar um pouco dessa esperança de que se pode ter dias melhores. Pessoas com capacidade de fazer esse resgate com capacidade de articulação. Não estamos mais falando de pessoas sem experiência na política. Este é o perfil que identificamos em pesquisa – que seja conciliatório, busque estabilidade, e tenha empatia com a dificuldade dos outros. A gente entende que o perfil de gestor cai muito bem para o mundo empresarial mas esse perfil não é bem compreendido por aqueles que, na verdade, querem o benefício de uma boa gestão, empregabilidade, saúde. Este é o perfil que a gente busca. Vai depender das prévias do PSDB, das alianças, mas também dos candidatos, para que não saiam várias candidaturas e a gente viva a síndrome do Peru onde saíram vários candidatos e acabaram favorecendo os dois extremos. Ainda faltam 14 meses e muita água ainda vai passar embaixo da ponte.
Valor: De que maneira João Doria, Tasso Jereissati, Eduardo Leite, Ciro Gomes, Rodrigo Pacheco e Luiz Henrique Mandetta se adequam ou não a esses critérios?
Barbosa: Todos eles já foram eleitos. Têm capacidade de comunicação. E estão no jogo. Tenho uma preferência por aqueles que entendam que uma orientação econômica liberal é a melhor maneira de lidar com a economia no Brasil. Minha briga em relação à esquerda é de chamar para si o monopólio daquilo que é bom para a sociedade. Não aceito isso. Sempre fui liberal porque acredito que é assim que se criam oportunidades para se oferecer educação, saúde e complemento de renda. Uma economia que gera riqueza. A agenda liberal está sendo perdida para uma visão de insensibilidade social com a qual não concordo. Quero o bem do país tanto quanto aqueles que estão à minha esquerda. Apenas entendo que o melhor caminho não é o de uma presença maior do Estado mas sim de termos uma presença menor com reforço para as questões mais criticas do país na educação, na saúde e na renda. Tenho uma orientação econômica de direita o que não significa que queira uma ditadura.
Valor: Quem quer que assuma o país em 2023 terá que fazer escolhas impopulares. O Estado está sobrecarregado e a população, desassistida. De onde deve vir o sacrifício para recolocar o país no rumo?
Barbosa: É fundamental uma reforma administrativa. Não sei se a teremos neste ano e se será convincente. São Paulo e Rio Grande do Sul fizeram e geraram recursos suficientes para investimentos. Há funcionários públicos extraordinários e que merecem ter um reconhecimento diferenciado. A outra é a reforma tributária que daria condições para um país competitivo. Um governo com respaldo eleitoral teria condições de fazê-las num primeiro ano. O candidato tem que ter a capacidade de falar sobre os problemas mas colocar a esperança de que as pessoas possam ter dias melhores. Falar que vai ter aperto não dá. Sempre foi um problema do discurso do candidato em relação ao que ele vai fazer. Não pode fazer um estelionato eleitoral mas obviamente tem que deixar mais claro para certos ambientes quais são as medidas e suas consequências.
Valor: Não lhe preocupa o grau de divisão do PSDB?
Barbosa: Tenho ouvido que haveria um compromisso de se apoiar quem for escolhido nas prévias. Não tem problema de estar dividido agora. O problema é sair rachado depois das prévias. Há esse risco? Há. O ideal é que busquem algum alinhamento de maneira a não aparecerem cinco candidatos. Entendo que, por parte de muitos deles, há a disposição de não ir adiante se não decolarem nas pesquisas. Não começou ainda. Aprendi que há três tempos. O do mercado e da mídia que querem um nome agora, o dos partidos, que vão esperar as prévias do PSDB, e o do eleitor que vai se preocupar com eleição em julho. Muita coisa acontece em 14 meses.
Valor: Se a terceira via não deslanchar e o jogo ficar novamente entre PT e Bolsonaro, o senhor vai seguir o rumo do Fernando Henrique Cardoso e do Tasso e declarar voto no PT ou o contrário?
Barbosa: Não vou pensar em hipótese. Tenho duas filhas. Se estivessem com covid e houvesse apenas um leito de UTI? Se eu disser qual das duas eu levaria a conclusão seria de que eu gosto mais desta em detrimento daquela. Estou focado 100% na busca de uma alternativa.
Valor: Não corre o risco de as duas morrerem, ou seja, de a democracia morrer?
Barbosa: Não se responde uma pergunta hipotética. Quando acontecer vejo o que vou fazer. Não vou ficar com um carimbo na testa. Desde janeiro estou participando de quatro grupos para discutir alternativas para 2022.
Valor: Quem faz parte desse grupo?
Barbosa: São grupos de oito a dez pessoas. São presidentes de empresas e ex-presidentes de empresas que se sentam para discutir. A gente conversa com líderes políticos e candidatos. Desde janeiro, em um único grupo já fizemos 27 reuniões, uma vez por semana. E tem sido fantástico. Por que esses candidatos vêm? Votos não vão ter porque somos meia dúzia de gatos pingados. Colaboração para campanha também foi-se o tempo.
Valor: E acontecem aqui no seu escritório?
Barbosa: Não, são virtuais. Não teriam sido tantas se fossem presenciais. Aqueles manifestos de que participei não teriam acontecido sem o virtual. Eles vêm porque acreditam que nesses grupos há formadores de opinião que vão falando e articulando neste momento em que eles estão que não é o momento de conseguir votos mas de arregimentar ideias e apoios. E nós nos empenhamos em fazer os candidatos entenderem que não é o momento de irmos divididos.
Valor: Quem quer que pegue o país terá dificuldade de governar com o peso do Centrão sobre o Congresso. Isso não os preocupa?
Barbosa: O Brasil mudou muito e Congresso ganhou proeminência que não tinha. Conceitualmente falando não há erro em relação a isso. O Congresso em muitos países é quem define o Orçamento. A questão é qualificar melhor o Congresso. Buscamos candidatos à Presidência e pessoas novas para a Câmara, como a Tabata Amaral (sem partido-SP), Felipe Rigoni (PSB-ES), Vinícius Poit (Novo-SP), Marcelo Van Hatten (Novo-SP). Tem de 30 a 50 pessoas muito preparadas hoje lá. É aumentando essa bancada que escapamos da barganha. Mas a gente não deveria ficar só olhando para o buraco. Cada um deveria fazer sua parte. Não sei como resolver todos os problemas do país, mas sei que se cada um varrer sua calçada o país ficará mais limpo. Se as pessoas não chamarem a responsabilidade de fazer a coisa certa no dia a dia, na transparência, ética e responsabilidade não vamos sair desse imbróglio nunca. Tem muita coisa que a gente pode fazer a começar por pagar os impostos. A gente pode dar certo fazendo a coisa certa.
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