Guido Penido, Valor (publicado em 28/10/2021)
Centro de Debate de Políticas Públicas olha para fase de regulamentação de projeto de lei 528/2021
A criação de um sistema de comércio de emissões de gases do efeito estufa (SCE), compulsório e regulado no Brasil, é encarado por especialistas como condição para que o país aproveite melhor o mercado internacional de créditos de carbono. As regras internacionais devem ser definidas semana que vem, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), e implementadas nos próximos anos. O amadurecimento do SCE nacional, dizem ambientalistas, permitiria ao governo refinar informações sobre a poluição das empresas brasileiras e ajustar as metas climáticas, além de avançar na certificação de créditos de carbono, dando confiança a compradores estrangeiros no futuro.
O projeto de lei 528/2021, que tramita no Congresso, traça as diretrizes do sistema doméstico, mas o arcabouço institucional, formato e regras só virão com a regulamentação. Ao mirar essa etapa, o Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) lançou relatório que propõe desenho para o sistema, baseado em estudos sobre precificação de carbono do Ministério da Economia em parceria com o Banco Mundial, o projeto PMR Brasil. A sigla, do inglês “partnership for market readiness”, remete à parceria para a preparação de mercado.
Ao Valor, o consultor do Banco Mundial e responsável pelo documento, Guido Penido, detalha a proposta do CDPP: em uma primeira fase, de um a três anos, o SCE deverá envolver somente as emissões de parte da indústria de médio e grande portes, praticando preços módicos, para, depois ter o escopo ampliado paulatinamente.
Para o CDPP, só indústrias que emitem mais de 40 mil toneladas de CO2 por ano devem ser reguladas, limiar que poderia cair até 25 mil toneladas segundo o especialista. Outra proposta, a do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), que baseia substitutivo do PL 528, prevê mínimo maior: 50 mil toneladas de gás equivalente.
Para o CDPP, o total de emissões industriais visadas na chamada “fase de aprendizado” deverá ser de aproximadamente 150 milhões de toneladas de carbono equivalente, pouco mais de 10% da poluição atmosférica do país. “É importante que esse sistema seja iniciado, ainda que pequeno e pouco ambicioso, para depois ser ampliado em fases. É o que mostra a experiência internacional”, diz Penido.
Ele explica que esse volume agregado, a ser precisado por um ano base anterior à criação do SCE, deve ser dividido em cotas, as chamadas “permissões de emissões”, de uma tonelada de gás cada uma. Essas cotas são distribuídas gratuitamente pelo regulador às empresas observadas. A alocação das permissões deve variar com o histórico produtivo das empresas, que devem fechar seus exercícios dentro do volume concedido.
Em um segundo momento, as empresas poderão vender e comprar as permissões entre si, buscando se adequar ao volume concedido no início do ano. Uma vez que os processos produtivos sejam aprimorados, com redução de emissão, a empresa poderá negociar o excedente – o que ela poderia emitir, mas não emite – no mercado, vendendo esse direito a companhias com problemas para se manter dentro da cota estipulada. Assim, o sistema incentiva efetivamente métodos produtivos mais limpos pela via financeira.
“Isso não vai ser uma jabuticaba, é algo feito no exterior. O mercado da União Europeia teve uma primeira fase menos ambiciosa que a nossa proposta. O México já está com um primeira fase piloto, assim como a Colômbia”, diz Penido.
Ele sinaliza a necessidade de se desenvolver capacidades públicas e privadas. Além da implementação do SCE, função para a qual sugere o Comitê Interministerial de Mudança do Clima, será necessário um órgão regulador, que poderia ser o Banco Central, a Comissão de Valores Imobiliários, uma secretaria ministerial existente ou autarquia nova. Esta seria responsável por verificar os reportes anuais de emissões das empresas por amostragem e acompanhar as transações no mercado secundário de permissões de emissões.
Do lado privado, as empresas teriam de desenvolver capacidades para monitorar e relatar as emissões, a serem verificadas por empresas especializadas, que atestarão os relatórios entregues ao regulador. É essa sistemática de monitoramento, relato e verificação (MRV) que rege a maior parte dos sistemas de comércio de emissões maduros no mundo.
A proposta do CDPP especifica que, na fase de aprendizagem, 80% das cotas de cada empresa devem ser distribuídas gratuitamente e, aquelas que comprovarem riscos de competitividade ao seu negócio, poderão receber do regulador os 20% restantes. Como nem todas as empresas vão receber esse volume adicional de permissões, o Estado fica com um excedente a ser leiloado para as empresas. O valor arrecadado vai para um fundo voltado ao fomento de inovações de baixo carbono.
Além disso, com o intuito de aprimorar a segurança dos créditos de carbono, hoje voluntários no Brasil, as empresas reguladas poderiam compensar até 20% das emissões com esses créditos, desde que validados pelo novo sistema. E, ainda, poderiam carregar 10% das emissões não utilizadas em um exercício para o próximo ano.
O não cumprimento das regras por uma empresa geraria multa de valor variável e a falsidade no relato geraria penalidade de valor fixo, dobrando em caso de reincidência. Os preços propostos, diz Penido, são baixos na comparação com a média internacional. A proposta do CDPP é de que cada permissão de emissão valha entre US$ 2 e US$ 10 por tonelada de carbono. A ideia é que os preços subam à medida que o sistema se consolide e mais empresas sejam incluídas.
É o caso de segmentos com grande pegada de carbono, como o pecuário e o de combustíveis, cujas emissões centrais ficariam potencialmente fora da primeira fase do SCE proposto pelo CDPP por resistência política ou dificuldades na medição precisa das emissões biológicas de bovinos. Então, frigoríficos e petroleiras seriam reguladas somente pelas queimas de processos industriais, como o processamento de alimentos e refino.
Link da publicação: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/10/28/cdpp-faz-proposta-para-credito-de-carbono.ghtml
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.