Entrevistas

Conversa com Moro está começando, diz Pastore

Valor (publicado em 18/11/2021)

Um dia depois de o pré-candidato ao Planalto Sergio Moro (Podemos) tê-lo mencionado como assessor econômico, o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore afirmou ao Valor que considera que quem assumir a Presidência em 2023 terá um cenário de crescimento mais favorável, com inflação e juros mais baixos.

Para isso ocorrer, no entanto, o Banco Central terá de aumentar ainda mais os juros, levando a economia em 2022, último ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro, para uma recessão, avalia ele.

Pastore disse ontem que está “iniciando” uma conversa sobre a economia brasileira com Moro. Disse conhecer o ex-juiz federal há algum tempo, desde quando estava na diretoria do Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP) e o convidou para uma palestra.

Mais recentemente, em agosto, Moro – que foi ministro da Justiça de Bolsonaro – participou de debate na instituição sobre “Perspectivas para o Brasil”, tendo como moderador o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung.

“Estamos iniciando uma conversa. Ainda não tenho uma visão clara de como as coisas vão caminhar. Vou transmitir a ele o que penso de economia, mas não tenho mais detalhes sobre isso. Vou ver como ele reage e daí para frente a gente vai tocar”, afirmou Pastore.

Moro disse em entrevista ao programa “Conversa com Bial”, da TV Globo, que o ex-BC faz parte de um grupo que ele reuniu para discutir os rumos do Brasil. “É um dos melhores nomes do país, afirmou. Segundo o pré-candidato, Pastore o assessora em relação à macroeconomia.

Entre as ideias que o ex-presidente do BC pretende levar a Moro estão o que ele considera os três pontos fundamentais que resumem seu pensamento sobre a economia brasileira hoje.

O primeiro é a necessidade de um arcabouço macroeconômico que crie estabilidade. “O Brasil precisa de um arcabouço macro que permita estabilidade, um conjunto de regras fiscais que permita uma âncora fiscal junto com a independência do Banco Central, para, no fundo, haver obediência à restrição orçamentária, com toda a flexibilidade que isso possa ter, mas que permita uma economia previsível e estável”, diz.

Destruído o teto de gastos com a PEC dos Precatórios, o país, defendeu ele, vai ter que pensar em outra estratégia fiscal. “O teto não é a única regra fiscal, temos que discutir que tipo de procedimento é necessário para ter para ter equilíbrio e disciplina fiscal”.

O segundo ponto crucial para Pastore é a recuperação do crescimento econômico, com reformas, como a tributária e a abertura comercial. O terceiro é a distribuição de renda e o combate à pobreza.

O economista tem sido um crítico da política fiscal do governo e da reação tardia do BC à aceleração da inflação e, como integrante do CDPP, esteve este ano no centro de dois manifestos críticos à administração Jair Bolsonaro, um deles a favor das instituições e do sistema eleitoral brasileiro, e outro cobrando providências contra a crise sanitária desencadeada pela pandemia de covid-19. O primeiro recebeu mais de 17 mil assinaturas. O texto começou a ser gestado dentro do CDPP e Pastore foi um de seus primeiros signatários.

“O que impressiona é como foi rápido haver consenso em torno da necessidade da sociedade civil se colocar contra os ataques que o presidente da República está fazendo contra as instituições. E como foi rápida a adesão… Ao defender o voto impresso e atacar o Judiciário, um dos poderes do país, o presidente está criando uma crise institucional, a sociedade civil tem que se manifestar”, afirmou ao Valor na ocasião.

Pastore considera que a economia pode ter parâmetros melhores no primeiro ano do próximo governo, em 2023, caso o BC faça o ajuste necessário para que a inflação volte à meta em 2022, como tem assegurado seus diretores. Para isso, seria necessária uma alta de quatro pontos percentuais na Selic até fevereiro do próximo ano, para 11,75%, o que levaria a uma queda do PIB. Não haveria, contudo, na visão dele o perigo de a recessão contaminar 2023.

“Isso [a volta da inflação à meta] implica queda de juros no fim de 2022 ou no início de 2023. Voltamos a crescer como antes. A inflação volta para a meta, o juro volta para a taxa neutra”, disse ele, hoje sócio da A.C. Pastore & Associados. O juro neutro é aquele que não acelera nem desacelera a inflação.

O economista lembra que, com um mandato de quatro anos, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, estará no comando da autoridade monetária qualquer que seja o presidente em 2023. “Se não subir o juro agora, vai gerar uma recessão mais profunda. É do interesse desse presidente do BC fazer esse ajuste agora para eliminar o problema”.

Do ponto de vista fiscal, disse Pastore, embora seja muito criticável, a PEC dos Precatórios definiu o rombo para 2022. Na esteira, a curva de juros parou de subir e o câmbio se apreciou nos últimos dias.. A sua avaliação é que, na percepção do mercado, poderia ser pior. “Significa que aquela dúvida que o BC colocava, que era a incerteza vinda da política fiscal, ficou muito menor. Resta a ele cumprir o seu mandato”.

Pastore, 82 anos, formou-se em economia pela Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da Universidade de São Paulo (FEA-USP), em 1961, onde também fez o doutorado. A vida pública do economista começou em 1966, quando tornou-se assessor do então secretário de Fazenda de São Paulo, Delfim Netto. Assessorou os ministérios da Fazenda e do Planejamento na década de 1970 e tornou-se professor da FEA-USP em 1976. Foi secretário da Fazenda em São Paulo de 1979 a 1983, nos governos de Paulo Maluf e José Maria Marin. Entre 1983 e 1985, no governo militar de João Batista Figueiredo, presidiu o Banco Central em meio à crise da dívida externa.

Link da publicação: https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/11/18/conversa-com-moro-esta-comecando-diz-pastore.ghtml

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