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Sem incentivo à grilagem na Amazônia

Globo (12/12/2021)

Poucos dias após assumir, na COP26, em Glasgow, compromissos públicos de redução significativa das emissões de carbono ao longo dos próximos anos, o governo brasileiro foi informado de que atingimos, em 2021, a maior taxa de desmatamento anual dos últimos 15 anos: foram 13.235 km² de floresta devastados em apenas um ano. Qualquer pessoa de bom senso julgaria que esse novo dado deveria reforçar a necessidade de fazer do combate ao desmatamento uma das maiores prioridades do país. Mas, a julgar pelas propostas de regulamentação fundiária que circulam no Congresso, não parece ser o caso. Elas não contribuem para pacificar a região amazônica, tampouco para promover o desenvolvimento alinhado à preservação da floresta. Sob o argumento falacioso de facilitar a identificação dos responsáveis pelo desmatamento, os projetos de lei em tramitação propõem medidas que resultam em prêmio a desmatadores e grileiros. E grilagem, é sempre bom lembrar, é roubo de terras públicas.

A grilagem funciona assim: grupos criminosos invadem terras públicas, desmatam e forjam documentos de posse para sua venda. De tempos em tempos, o Congresso Nacional e os estados da região amazônica fazem edições ou modificam sua legislação para regularizar a situação das áreas invadidas. Esse tipo de prática, ao beneficiar os infratores, estimula a grilagem, além de gerar prejuízos bilionários aos cofres públicos. Estima-se que uma área equivalente a 29% da Amazônia (1,43 milhão de km²), atualmente sem informação de destinação fundiária, venha a ser o principal alvo da grilagem e desmatamento, gerando conflitos e afastando investimentos de qualidade para o desenvolvimento na região.

A legislação atual já permite a titulação de terras públicas ocupadas na Amazônia Legal até dezembro de 2011. A proposta em curso é estender esse prazo até 2017, sancionando na prática as invasões ocorridas nesse período de seis anos e, o que é pior, alimentando a expectativa de que o adiamento voltará a se repetir e encorajando a perpetuação dos crimes. Deveríamos reforçar a legislação atual para proteger essa área. Porém, na semana passada, o senador Carlos Fávaro (PSD-MT), relator da matéria, divulgou uma nova proposta de texto, que agrega elementos dos dois PLs já em votação e adiciona novos artigos que agravam o retrocesso.

Infelizmente, desde 2019 há tentativas de alteração na lei federal de regularização fundiária ( 11.952/2009), com o objetivo de flexibilizar regras para a titulação de ocupações em áreas da União. Após a perda de validade da Medida Provisória 910/2019, essas tentativas se concentram em dois projetos de lei: o PL 2.633/2020, já aprovado pela Câmara Federal, e o PL 510/2021, do Senado.

A nova proposta de texto traz pontos muito preocupantes. Um deles é a anistia a quem invadiu terras públicas após 2011. Outro ponto problemático é o aumento do risco de titulação de áreas sob conflito, pois a nova lei dispensaria vistoria prévia na titulação de imóveis com até 1.500 hectares. Além disso, o projeto prevê a redução no prazo das garantias socioambientais que devem ser cumpridas após a titulação. E ainda incentiva quem pratica invasões como forma de negócio, na medida em que autoriza nova titulação para quem vendeu a área há mais de dez anos.

As orientações dos especialistas para proteger a floresta e desenvolver a região são bem diferentes do que propõe o projeto de lei. Elas se apoiam nos seguintes itens fundamentais: 1) respeito total ao limite temporal que a lei já estabelece para titular ocupações privadas em terras públicas; 2) cobrar o preço de mercado da terra na regularização; 3) premiar os produtores que adotem práticas sustentáveis de uso da terra; 4) exigir a regularização ambiental antes da titulação; 5) punir o descumprimento pós-titulação com a retomada do imóvel.

É imprescindível que o combate ao desmatamento passe a ser uma das premissas orientadoras das políticas fundiárias implementadas na Amazônia. A regularização fundiária é uma medida necessária para ordenar nosso território, criando um ambiente mais seguro para quem opera na região e para atrair novas empresas e investidores. Mas é necessário eliminar da legislação incentivos à grilagem e à destruição florestal. E não os estimular.

Link da publicação: https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/sem-incentivo-grilagem-na-amazonia.html

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Sobre o autor

Candido Bracher