Horácio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski
Globo (publicado em 18/12/2021)
Como fotografia desbotada pelo tempo, o retrato sem cor nem vibração do Brasil atual é muito ruim. A degradação tem causas múltiplas, vem de longe e avança sorrateiramente, sem que percebamos. A perda gradual da governabilidade nos entristece e nos preocupa. E ainda pode piorar antes de melhorar.
O agravamento desse quadro melancólico começou a partir da posse do presente governo federal. O presidente dividiu o país quase literalmente entre os fanáticos ou oportunistas, que o apoiam, e os sensatos, que dele discordam em praticamente tudo.
Vejamos o que caracteriza esta situação de infortúnios em série em cada um dos três Poderes constitucionais da República.
No Poder Executivo, assiste-se à disseminação da incompetência, da inapetência, da paralisia decisória, às vezes disfarçadas de ideologização das questões. A análise deixou de ser entre o correto e o incorreto, o simples e o complexo, o que induz a eficiência e o que leva ao desperdício, o que integra o Brasil ao mundo e o que o isola. E mais: entre o que implica a inclusão versus o que reforça a exclusão, o que é sustentável versus as agressões à natureza. Nem as Forças Armadas escaparam, num processo de politização que as afasta da profissionalização e das características de instituição de Estado que readquiriram há algumas décadas.
No Legislativo, a distorção das competências entre os Poderes se constata pela completa inversão do papel do Executivo, forçado a pagar emendas individuais, de bancadas e do relator que deturpam a Lei Orçamentária. Compete ao Executivo justamente a execução do Orçamento, conforme regras auditáveis e transparentes, e não ao Legislativo, a quem cabe aprovar a Lei Orçamentária e fiscalizar seu cumprimento. A subversão desses valores implica o risco de gestão do gasto público ao sabor de interesses paroquiais, incidentais e de natureza eleitoral.
No Poder Judiciário, a insegurança jurídica salta aos olhos nos demonstrativos financeiros de todas as empresas. Seus balanços mostram depósitos judiciais, provisões para perdas em processos de toda ordem e um imenso contencioso tributário. Pode ser vista também em documentos públicos como o “Justiça em números” e no site do STF. Nele, verifica-se que, neste ano, até novembro o STF tomou 89.814 decisões, das quais apenas 4.629 pelo pleno de ministros da Corte; 75.785 decisões foram monocráticas! Em 2020 havia 75,4 milhões de processos tramitando na Justiça. No STF, uma centena de processos espera decisão há mais de 20 anos, e pedidos de vista remontam a 2014. Definitivamente, há algo muito errado no sistema judiciário, com números de tais dimensões.
Tudo isso impressiona e choca. Mas, para alguns, o país vai bem…
A inflação alta, a moeda desvalorizada, os juros elevados, os déficits fiscais fazem muito mal ao país. Mas favorecem rentistas, exportadores e os que vivem do lado oportunista do sistema financeiro. Por outro lado, infernizam a vida dos pobres, dos trabalhadores, dos 14 milhões de desempregados, dos 6 milhões de desalentados, os mais de 7 milhões com jornada parcial e salário insuficiente para sustentar a família. O país não vai bem também para os empresários cumpridores de suas obrigações, concorrendo com fraudadores, sonegadores, falsificadores — transgressores que respondem, em muitas áreas, por 25% a 50% do mercado.
Nesse cenário, a eleição presidencial tem importância especial ao demandar um candidato que some, e não divida. Um candidato que procure o bem comum, com uma plataforma que vise, ao menos, à eficiência, à racionalidade e à compaixão, cujo percurso traga o fôlego de que precisamos para resistir a mais um ano sem perspectivas promissoras.
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