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Sobre combater a corrupção e a pobreza

Crusoé (publicado em 30/12/2021)

Corrupção e pobreza caminham juntas pelo mundo. Países pobres apresentam elevados índices de corrupção e países desenvolvidos convivem com níveis baixos de corrupção. Na raiz, tanto do círculo vicioso como do virtuoso, está a qualidade das instituições de cada país. Quando as regras do jogo são inclusivas, desenhadas com o objetivo de perseguir o bem-estar da população, protegendo-a contra o poder das elites, dos políticos e de grupos privilegiados, geram o desenvolvimento econômico e níveis baixos de corrupção. Já as regras desenhadas para proteger interesses de grupos e pessoas levam à estagnação econômica e à corrupção elevada. São vários os canais por meio dos quais essa interrelação entre economia e corrupção ocorre, e entender as forças que nos amarram ao mau equilíbrio é o primeiro passo para enfrentar e mudar a situação.

Quanto ao estado da economia, a situação é dramática. Depois de um ciclo que pavimentou mudanças institucionais importantes, iniciado com a Constituição Cidadã de 1988, e que prosseguiu com as reformas do governo FHC, a partir do segundo governo Lula, e sobretudo com Dilma, houve um sucateamento progressivo das instituições, garantindo caminho livre para a captura do governo por interesses privados. Colhemos perda do dinamismo econômico, com a redução progressiva da participação da indústria no PIB, e inúmeras distorções acumuladas, que vêm provocando aumento do desemprego e empobrecimento da população. De acordo com os últimos dados, que vão até o terceiro trimestre de 2021, o PIB ainda está cerca de 3% abaixo do observado no último trimestre de 2013, e a renda per capita 8% menor. O país está empobrecendo.

Esse resultado pouco tem a ver com a pandemia, cujo efeito negativo sobre o PIB foi neutralizado por políticas fiscal e monetária exageradamente expansionistas, feitas para gerar a propalada recuperação “em V”, mas que se esgotaram. Deixaram, contudo, o custo da amplificação dos choques de preços vindos do exterior, pela desvalorização do real, que aumentou a inflação. Diante disso, só restou ao Banco Central elevar os juros para trazer a inflação de dois dígitos de volta à meta. Sua tarefa tende a ser dificultada pela pressão por elevação de gastos públicos durante o ano de eleição, que pode resultar em soluços de crescimento econômico artificial. Caso ocorram, virão acompanhados de novas pressões inflacionárias, provocadas pelo risco fiscal e político. Surtos não escondem, e nem alteram, a tendência de ausência de dinamismo econômico que há tempos castiga a economia brasileira. Enquanto não resolvermos os problemas estruturais que nos afligem, pouca esperança de melhora haverá para o futuro.

Quanto ao estado da corrupção no país, a própria natureza de atividade ilícita determina a escassez de indicadores objetivos. Mas os sinais exteriores da sua presença são abundantes e eloquentes. Segundo levantamento da Transparência Internacional, em 2020, entre 180 países, nosso Índice de Integridade (o oposto do Índice de Percepção de Corrupção) foi de 38, numa escala de 0 a 100, abaixo da média, que atingiu 43, e abaixo dos índices de Uruguai (71) e Chile (67). Uma rápida leitura do noticiário dos últimos meses revela o agravamento de um quadro que já era estarrecedor, com mensalão e petrolão. A evidência de impunidade aos crimes de corrupção decorrentes do abrandamento de leis e do acanhamento do Judiciário frente às pressões de políticos poderosos sinaliza que o crime compensa, ou que “quem manda não precisa obedecer”, como aponta Roberto DaMatta. Embora afete o país inteiro, os custos da corrupção não são igualmente distribuídos e recaem mais pesadamente sobre os pobres que, sem alternativas, sofrem com a baixa qualidade dos serviços públicos – saúde, saneamento básico, educação, segurança, transporte –, agravando e perpetuando a desigualdade de renda, riqueza e oportunidades. Fome, desamparo e desalento tornam esses excluídos presas fáceis de vendedores de ilusão, à esquerda e à direita, que têm por objetivo usar o poder em benefício próprio.

Países presos na armadilha do baixo crescimento econômico e da corrupção elevada, como o Brasil, costumam apresentar um conjunto de sintomas característicos: sistemas tributários complexos, opacos e distorcivos; pouca integração com o exterior, protegendo empresas nacionais ineficientes; baixa qualidade dos serviços públicos; enorme burocracia estatal, cara e pouco produtiva; ineficiência e baixa credibilidade do Judiciário, criando insegurança jurídica; escassa confiança e cooperação entre os cidadãos; instabilidade política; proliferação de milícias e crime organizado, entre outros. Independentemente do potencial que o país possa ter, não há ambiente institucional propício para o surgimento de inovações, só para destruição.

Quando um ciclo dessa natureza se instala, a maioria da população empobrece continuamente, mas há grupos que se beneficiam desse estado doentio e impedem a implantação das mudanças necessárias para reverter a situação. Operam como uma infestação de insaciáveis cupins, que vai minando as estruturas e o funcionamento do organismo econômico, social e político, em prejuízo do bem-estar comum.

O caminho do desenvolvimento e da integridade é conhecido, já foi trilhado pelos países que avançaram no processo civilizatório e se tornaram mais prósperos e justos. É preciso reconstruir, passo a passo, todas as regras que falharam na busca do bem comum, bem como as que vêm sendo deturpadas e corroídas pela busca de interesses privados. Para que elas se sustentem e produzam efeito, é necessário que a Justiça seja eficiente e independente do poder político, de maneira a garantir que boas regras escritas sejam seguidas pela população, moldando práticas e comportamentos. Se a lei não valer para todos, não haverá justiça — e, sem justiça, não há desenvolvimento econômico, nem paz social.

Parte do projeto de reconstrução vem sendo desenvolvida, há tempos, por especialistas nas universidades, grupos e organizações da sociedade civil, e há propostas maduras e consolidadas para as reformas mais importantes a serem enfrentadas. É o caso da questão tributária. O sistema tributário atual inviabiliza o país. A sucessão de remendos, puxadinhos, leis de ocasião, perdões sucessivos de dívidas tributárias, isenções, guerras fiscais entre estados e tantas outras artimanhas feitas sob medida para prestar “favores” bem remunerados o tornou disfuncional. Desestimula as exportações, os investimentos, gera ineficiências e injustiças por todo lado. Sabe-se que um bom sistema tributário precisa ser simples e transparente, tratando igualmente os iguais, sem distorcer a atividade econômica, além de dificultar a sonegação, como ensina, há anos, Bernard Appy, em sua louvável cruzada. Propostas bem elaboradas sobre esse e outros temas mofam nas gavetas do Congresso. Sabe-se, igualmente, como erradicar a pobreza; cuidar da primeira infância; melhorar a educação; conectar o país com o exterior; desenvolver a Amazônia de maneira sustentável; incentivar a pesquisa e a ciência etc, etc, etc. Sem vontade política e sem pressão da sociedade, os cupins impedirão qualquer mudança que blinde e torne eficientes as estruturas do organismo econômico.

Não existe democracia forte e sólida sem a participação permanente da sociedade em torno de um projeto para o país. Precisamos nos unir em torno de ideias e valores. Cobras-criadas não se transformam em anjos para resolver nossos problemas. Visões mágicas apenas acalentam, mas nos tornam seres supérfluos, que testemunham, passivamente, o fracasso do país.

Link da publicação: https://crusoe.com.br/edicoes/192/sobre-combater-a-corrupcao-e-a-pobreza/

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Cristina Pinotti