Entrevistas

Teto de gastos está morto e precisa ser substituído, diz economista de Moro

Affonso Celso Pastore, Folha (publicado em 11/01/2022)

Para Affonso Celso Pastore, assessor de ex-juiz da Operação Lava Jato, nova âncora fiscal é condição para crescimento

Assessor econômico do pré-candidato a presidente Sergio Moro, o economista Affonso Celso Pastore, 82, afirma que o teto de gastos está morto. A regra limita o aumento das despesas à inflação.

Para ele, é preciso substituí-la por um arcabouço fiscal que obrigue a obediência às limitações orçamentárias para evitar uma escalada dos juros no país.

Pastore afirma em entrevista à Folha que o teto funcionou enquanto não foi destruído e que novas regras são necessárias para os cofres públicos continuarem limitando as despesas.

“Sem uma âncora fiscal, rapidamente a taxa de juros implícita da dívida retornará à situação anterior à aprovação da regra do teto”, afirma.

Ele rechaça a ideia de que a nova regra fiscal deva levar em conta também o cenário das receitas e ressalta a necessidade de voltar as atenções ao corte de gastos excessivos e desperdícios. “É um erro resolver o problema com o aumento da carga tributária”, afirma.

Para Pastore, é possível destinar recursos a políticas sociais desde que sejam feitas reformas para revisar gastos. Já os investimentos em infraestrutura, que críticos ao teto apontam como um dos principais prejudicados pelo limite de despesas, devem ser liderados pelo setor privado.

Questionado mais de uma vez sobre qual seria o novo arcabouço fiscal que defende, Pastore não detalhou. Em outras ocasiões, ele declarou que ainda não tinha a resposta final à pergunta —embora avalie que, uma vez que ela seja definida e que seja cumprida, o mercado se tranquilizará.

Ex-presidente do Banco Central durante o regime militar, Pastore preferiu conceder a entrevista por escrito.

Esta entrevista faz parte de uma série da Folha sobre os cinco anos do teto de gastos com entrevistas com os assessores econômicos dos principais postulantes ao Palácio do Planalto em 2022.

A ordem de publicação segue o desempenho na última pesquisa Datafolha.

***

SÉRIE PENSAMENTOS ECONÔMICOS DE PRÉ-CANDIDATOS

Debate sobre teto de gastos com economistas de pré-candidatos à presidência

***

O teto de gastos trouxe mais benefícios ou prejuízos ao país? Enquanto existiu a esperança de que reformas levariam ao controle dos gastos, o teto trouxe apenas benefícios. Para que o país cresça, é preciso responsabilidade fiscal.

Temporariamente, o teto garantiu isso e a consequência foi a redução dos juros tanto da taxa neutra real como da taxa de juros implícita da dívida bruta.

Críticos afirmam que a queda de juros decorre justamente da menor perspectiva de crescimento baseada no gasto público. Como o sr. avalia essa visão? Não há lógica nessa crítica. Quando o governo [de Dilma] Rousseff resolveu gastar para crescer, jogou o país na recessão iniciada em 2014.

Este é o ciclo econômico mais longo de nossa história. Decorridos oito anos do início da recessão de 2014, o PIB ainda está 3,5% abaixo do nível atingido em 2013.

Sem uma âncora fiscal, maiores gastos elevam o déficit primário, depreciam o câmbio e elevam a inflação, obrigando o BC a elevar a taxa de juros, o que reduz o crescimento e piora a dinâmica da dívida.

Sem o teto, os juros voltariam a subir? Estima-se que o teto de gastos tenha trazido a taxa de juros neutra real de juros para 3% ao ano, e sabemos que a taxa implícita da dívida caiu de 14% em 2016 para 7% atualmente.

O prêmio de risco fiscal já vem elevando a taxa neutra de juros, e a destruição do teto de gastos depreciou o câmbio e elevou a inflação. Com isso, todas as taxas nominais de juros, de um a dez anos, se situam em torno de 12% ao ano.

Em 2022, o governo terá de rolar um pouco acima de 30% da dívida, substituindo títulos que em média pagam 7% ao ano por títulos que pagam 12% ao ano.

Mesmo que [o governo] não gerasse déficit primário, o que é impossível, em um ano a taxa de juros da dívida se elevará um pouco acima de 1,5 ponto porcentual, e em dois anos em mais de 3 pontos.

Sem uma âncora fiscal, rapidamente a taxa de juros implícita da dívida retornará à situação anterior à aprovação da regra do teto.

Tentativas do Congresso de se apropriar do Orçamento, como por meio de emendas, foram limitadas pelo teto. Isso é um benefício? Emendas parlamentares abrem uma brecha para o clientelismo e a barganha política. Através do aumento de gastos, favorecem partidos e congressistas sem o benefício da sociedade como um todo.

A proposta de Orçamento requer uma análise de custo/benefício social dos gastos, que deve ser realizada pelo Poder Executivo. Ao Congresso cabe aprovar o Orçamento e fiscalizar a sua execução.

Os investimentos públicos baixaram para mínimas históricas após o teto. Para um país que ainda sofre com infraestrutura precária em grande parte, faz sentido limitar os investimentos? Investimentos em infraestrutura têm retornos sociais altos e promovem o crescimento. Porém, com eficiência maior do que se fossem executados pelo governo podem, com raras exceções, ser feitos pelo setor privado na forma de concessões.

Para isso, é preciso uma boa regulação, leilões abertos, competitivos e bem desenhados.

Como são investimentos feitos com dívida, precisam de empréstimos intermediados pelo mercado de capitais com taxas de juros baixas, que são a consequência de uma boa âncora fiscal. O teto de gastos em nada tolhe a realização destes investimentos.

Dentro de um Orçamento de R$ 1,8 trilhão, há espaço para redirecionar recursos às políticas de interesse do país? Se sim, que gastos poderiam ser cortados? O Brasil tem um nível muito elevado de pobreza absoluta, o que exige por parte do governo a construção de uma rede de proteção social. Mas isto pode ser feito com grande eficiência dentro do teto de gastos.

Exemplo é um trabalho realizado por Vinicius Botelho, Fernando Veloso e Marcos Mendes, que se transformou no projeto [de Lei] de Responsabilidade Social que está nas mãos do senador Tasso Jereissati [PSDB-CE].

O teto pode continuar existindo com uma redução na pobreza absoluta e com a melhoria da distribuição de renda, dentro do teto de gastos. Cortes devem ser feitos onde há desperdícios.

O sr. defende manter a regra do teto sem alterações ou propõe algum tipo de ajuste? Caso haja necessidade de mudança, qual seria? A regra do teto infelizmente está morta. Funcionou enquanto não foi destruída. Terá de ser substituída por um arcabouço fiscal que controle os gastos.

E qual deveria ser o novo modelo, em sua visão? O importante a transmitir é que há gastos excessivos e desperdícios. Era o caso da Previdência, que foi parcialmente corrigida, e há outros.

Não é um problema que possa ser resolvido com a elevação da carga dos atuais tributos ou criação de outros, o que impede a retomada do crescimento.

São necessárias reformas que controlem os gastos e dirijam os recursos existentes aos programas que tenham os maiores retornos para a sociedade como um todo, não para os grupos de interesse e das corporações.

O teto aplica uma contenção do lado das despesas, enquanto desobriga o país de rediscutir o lado das receitas (como mudanças no sistema tributário). Por isso, uma regra que também considerasse o lado das receitas não seria mais indicada? Já tivemos responsabilidade fiscal quando valia o modelo do tripé da política macroeconômica. Existiam metas de superavit primário que levaram à redução da dívida/PIB.

Porém, os gastos primários cresciam 6% ao ano, as metas dos superavits somente podiam ser cumpridas com o aumento da carga tributária, que cresceu muito e tornou-se um inibidor do crescimento econômico.

Era preciso controlar os gastos, o que requer reformas. É um erro resolver o problema com o aumento da carga tributária.

Como colocar o país na rota do crescimento econômico e quais são as primeiras medidas a serem adotadas pelo novo governo? Não há uma bala de prata. A retomada do crescimento exige um amplo programa de reformas que incluem, entre outras, a tributação de bens e serviços e o Imposto de Renda.

Porém não terá sucesso sem que se reconstrua um arcabouço fiscal que obrigue a obediência à restrição orçamentária e que crie a condição para que a política monetária controle a inflação. Esta é a condição necessária para a retomada do crescimento.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/01/teto-de-gastos-esta-morto-e-precisa-ser-substituido-diz-economista-de-moro.shtml?origin=folha

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

CDPP