Estadão, Horácio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski (publicado em 21/02/2022)
Temos de nos envolver mais do que nunca no processo de discussão do Brasil que ansiamos e na escolha consciente, no pleito de 2022, de nossos representantes
As eleições gerais se aproximam e os primeiros pré-candidatos estão em cena. Boa hora para destacar o que faz este pleito exigir de nós, eleitores, mais atenção que a habitualmente observada.
Sim, atenção máxima, e não só com a escolha do presidente, dos governadores e dos parlamentares que vão dirigir o País depois de 2022, mas com as decisões atuais e as que ainda poderão ser tomadas até lá. Como porta arrombada, Executivo e Congresso estão aprovando o que em tempos normais já seria chocante, quanto mais com as contas públicas deficitárias há quase nove anos, o que significa que todo novo gasto federal está sendo bancado com dívida.
Em vez de ofertar suas emendas ao Orçamento, em troca de apoio ao governante de turno, para, assim, viabilizar o Auxílio Brasil, mudaram a Constituição para adiar o pagamento dos precatórios, que são dívidas federais transitadas em julgado.
Calote de dívida líquida terá consequências danosas à confiança na ordem jurídica. Seria de se esperar algum constrangimento dos políticos nestes tempos marcados por eventos de horror, como as mortes pela covid, o desemprego, a volta da fome, as tragédias climáticas, as queimadas na Amazônia e no Pantanal. E o que tem sido?
O veto ao chamado fundão eleitoral de R$ 5,7 bilhões foi derrubado, de modo que os partidos terão mais que o triplo da dotação das eleições de 2018 para gastar em 2022. Deputados tentam aprovar um esdrúxulo projeto para legalizar a caça dita “esportiva” de animais em florestas. No Senado, há outro projeto que, a pretexto de facilitar o porte de armas para caçadores, flexibiliza sem necessidade o Estatuto do Desarmamento.
Essa agenda do atraso induz a mobilização de todos, para proteger os meses que faltam até as eleições e o que poderá vir depois.
O que a maioria decidir implicará ou o aprofundamento da letargia econômica e social, o que nesta década de transformações tecnológicas aceleradas no mundo significa um estado de crise permanente, ou o início da reconstrução de um País próspero, empreendedor e comprometido com as melhores expectativas do bem-estar de todos.
O que há pela frente, a menos de dez meses das eleições, é a certeza da inflação e dos juros punitivos para tentar debelá-la, dos investimentos externos amedrontados, dos 14 milhões de desempregados, em um ano em que a tendência é que predomine a discussão monotemática das alianças partidárias que visam à formação de palanques, não de propostas.
Os candidatos precisam explicitar o que propõem para tirar a economia da pasmaceira, para fazer o setor público servir à sociedade, como pensam entregar a educação de qualidade requerida pelas novas profissões que emergem dos saltos tecnológicos e, sobretudo, qual a macroeconomia cogitada para tirarmos da frente os rombos fiscais que turvam o horizonte e afastam os investimentos em projetos produtivos e de pesquisa e desenvolvimento.
Tais questões dialogam com o Brasil em que programas sociais são imprescindíveis para garantir condições mínimas de dignidade a um grande contingente de famílias, para as quais ainda faltam recursos e oportunidades de trabalho. Há algo muito errado com a economia, se a população em idade de trabalhar, segundo o IBGE, alcança 171 milhões de pessoas e a força de trabalho não passa de 106 milhões, incluindo entre estes os desempregados e os muitos com empregos precários.
Sobreviveremos, é claro, um país não acaba, mas, dependendo das escolhas que fizermos, correremos o risco de sairmos mais machucados, estendendo o prazo de recuperação por muitos anos durante os quais veremos negócios fechando, fome grassando e o tecido empresarial esgarçando.
Não é hora de omissão. É preciso que se entenda que os governantes reagem à mobilização da sociedade. Significa que temos de nos envolver mais do que nunca no processo de discussão do Brasil que ansiamos, na construção de programas e consensos, e na escolha consciente de nossos representantes no pleito de 2022.
Usualmente se atribui a denominação de “elite” a quem parece estar em melhores condições de poder e riqueza, mas a verdade é que, no Brasil, todos os que leem este texto fazem parte do universo de formadores de opinião que precisam vocalizar suas preocupações de curto, médio e longo prazos. Medidas populistas que sugerem aliviar o presente e destroem o futuro devem ser barradas.
Como industriais acostumados a solavancos, cientes do potencial de crescimento do País, lidando com temas delicados, como a criação de empregos, a absorção de inovações e tecnologia em par com o mundo ágil e competitivo, assumindo riscos, nos parece fundamental, neste início de ano, refletir sobre as responsabilidades expressas pelo voto. Mas dedicando, igualmente, especial atenção aos meses adiante para evitar mais danos, além dos já criados.
Dos gabinetes dos altos poderes, infelizmente, há pouco a esperar. Estamos, brasileiros, por nossa conta e risco.
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