Estadão (publicado em 06/02/2022)
Uma Selic (taxa básica de juros) de dois dígitos pode se tornar mais persistente do que o mercado financeiro espera hoje. Na análise do economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita, esse pode ser o cenário caso o presidente eleito neste ano estimule o crescimento dos gastos públicos. Na semana passada, o Banco Central elevou a Selic para 10,75%, chegando a dois dígitos pela primeira vez em quatro anos e meio. “Se voltarmos a ter uma trajetória forte de crescimento sustentado do gasto público, vamos viver com taxa de juros mais alta”, diz Mesquita.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
A previsão do Itaú para o PIB deste ano é de queda de 0,5%. Em janeiro, tivemos o problema da seca, prejudicando o agronegócio. Diante disso, já há um viés negativo para o -0,5?
De fato, tem notícias piores de safra por conta do clima, mas teve alguns indicadores de atividade do fim do ano passado que vieram melhores que o esperado. Então, talvez o ponto de partida seja um pouco melhor do que projetado anteriormente. Isso compensa por ora a frustração associada ao clima. Quando olhamos para 2022 como um todo, vemos riscos simétricos. Um desses é se a política monetária tiver de continuar subindo a taxa de juros. O BC sinalizou desaceleração no ritmo do aperto. Isso aponta para taxa de juros mais próxima de 12% do que de 13%. Se tiver de subir mais para 13%, aí o PIB ficaria pior, entre -0,5% e – 1%. Outro risco de baixa é a Ômicron. Se a variante afetar a mobilidade, o PIB poderia cair mais 0,2 ponto porcentual. No lado positivo, poderia ter aceleração de gastos de governo subnacionais. Se eles resolverem gastar mais, poderia dar mais 0,5 ponto porcentual para o PIB. A produção de veículos está muito volátil, mas, se normalizasse, veríamos uma alta de mais 0,2 ponto porcentual. Finalmente, o IDAT (índice diário de atividade econômica, indicador do Itaú) de serviços está rodando melhor que a pesquisa de serviço do IBGE. Se estivermos certos, teríamos mais 0,3 ponto porcentual. Somando todos os riscos, terminamos com número muito próximo do -0,5%.
Essa questão da seca pode pressionar a inflação ainda mais?
Pode. Subimos recentemente a projeção deste ano de inflação de 5% para 5,3% por várias razões, mas um fator foi a pressão nesse segmento. O risco continua. Temos visto algumas revisões de redução da safra brasileira de soja, que é fundamental para toda a cadeia do agro. Consideramos que a alta das commodities agrícolas pode jogar algo como 0,1 ou 0,2 ponto porcentual na inflação deste ano.
Como o sr. avalia a atuação do BC até agora?
O BC está fazendo o que prevê o regime de metas. Houve um choque inflacionário muito grande em 2021. O BC reagiu subindo o juro. É uma alta expressiva do juro nominal e do real, que vai ter efeito contracionista na atividade. A forma de reduzir a inflação é usando política monetária. A tendência é que funcione. É a política adequada. Ninguém comemora alta de juros, mas não tem alternativa. Viver com inflação não é possível. Tentamos na década de 60 e 70 e deu muito errado.
Quão preocupante é o cenário internacional, com a tendência de alta global dos juros?
A maioria dos BCs está subindo taxa de juros, se preparando para subir ou reduzindo estímulos quantitativos. O Banco Central Europeu mudou o tom. Antes, o tom era o de acreditar no caráter transitório da inflação. Agora, está vendo com mais cautela. O Banco da Inglaterra, nesta semana, subiu a taxa de juros como se esperava, mas há um debate no comitê para subir até mais rapidamente. Nos Estados Unidos, a discussão migrou primeiro de se sobe ou não a taxa neste ano para se sobe duas ou três vezes. Agora já é se sobe sete vezes, em todas as reuniões que se tem no ano. Como a nossa taxa de juros já está elevada, o impacto dessa mudança de postura no exterior talvez não seja tão severo assim. Em um cenário em que os aumentos nos EUA vão de 0,25 ponto em 0,25, acho que o mercado pode digerir. Se forçar a acelerar, vai ter um período de estresse. De qualquer forma, já é suficiente para que o real não tenha uma perspectiva grande de apreciação neste ano. Observamos que a moeda tem se fortalecido, mas não vemos potencial para isso durar o ano inteiro tendo em vista o que deve acontecer com a política monetária nos países centrais. Vemos o real terminando 2022 perto do que terminou em 2021.
Quanto de instabilidade no mercado financeiro o Itaú espera devido à eleição?
Acha que a eleição, de certa forma, está embutida muito nos preços dos ativos. O cenário é muito cristalizado. Tem dois candidatos bem à frente dos demais. Claro que pode mudar, política é dinâmica. Mas o cenário parece consolidado. Aí, naquele ritmo tradicional, o mercado vai começar a deixar de se preocupar com quem vai ganhar e passar a se preocupar com qual vai ser a política econômica. Daqui um ano estaremos discutindo isso. Como ainda está distante e não tem muita informação porque nenhum pré-candidato apresenta propostas detalhadas de política econômica com tanta antecedência, se for para afetar muito o mercado, isso tende a acontecer mais pra maio e junho.
O mercado já não vê espaço para uma terceira via então?
Até agora, não se mostrou. É verdade também que muitos analistas e políticos dizem que o momento de uma nova via surgir seria mais para março e abril. Por ora, hoje, parece que é uma eleição novamente polarizada e a gente vai ter que, em vez de discutir nomes, discutir mais conteúdo de proposta de política econômica, o que a gente ainda não conhece.
O sócio-fundador e presidente da Verde Asset Management, Luis Stuhlberger, falou que vê um eventual governo Lula com inflação alta. O sr. concorda?
Quem quer que ganhe a eleição não vai querer conviver com uma inflação elevada. Então, não vejo um cenário de inflação persistentemente alta como muito provável. Isso não quer dizer que a gente não possa caminhar na direção de ter taxas de juros altas para evitar que a inflação fique alta. Alta que eu digo não é uma taxa de juros que bate 11% ou 12% no auge de um processo de desinflação, mas é um ambiente mais persistente de taxa de juros de dois dígitos. O Brasil aprovou reformas importantes nos últimos anos, como o controle dos gastos e a redução da relevância do crédito subsidiado, se voltarmos a ter uma trajetória forte de crescimento sustentado do gasto público, a ter uma segmentação intensa do mercado de crédito, aí provavelmente para a gente viver com taxas de inflação mais baixa, vamos viver com taxa de juros mais alta. É o tipo de equilíbrio que o Brasil já teve em momentos passados até por bastante tempo. A taxa de juros voltou ao patamar de dois dígitos. Isso vai ser uma exceção que tem a ver com o choque da pandemia ou vai ser o novo normal da taxa de juros no Brasil? Vamos descobrir nos próximos 18 meses.
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