O enfrentamento das mudanças climáticas decorrentes do aumento das emissões de gases de efeito de estufa (GEE) resultantes das atividades humanas é o maior desafio do mundo para os próximos anos. Ele apenas aumentou com o atual conflito na Ucrânia, que mostrou quão arriscado é depender de combustíveis fósseis que parecem baratos, sem levar em conta todas as implicações dessa escolha.
Criar estratégias para chegar a uma economia com Emissões Líquidas Zero (ELZ) de CO2 e demais GEE é a maneira mais transparente e efetiva de avançar na agenda climática gerando empregos e evitando a inflação.
O Brasil pode aproveitar seus recursos e experiência para dar um novo impulso à sua economia nesse momento, criando uma estratégia de desenvolvimento a partir da Agenda Climática e do objetivo de se tornar uma economia ELZ. Objetivo que pode ser alcançado aqui antes do que na maioria dos países porque nossa matriz energética é mais limpa e vai poder continuar assim.
O estudo “A Agenda Climática e o Novo Desenvolvimento Brasileiro”, que preparei por sugestão de Pedro Passos, indica que o país pode crescer nos próximos anos de forma sustentável com a sinalizando de políticas alinhadas à agenda do clima. Esse blog esboça o que essa sinalização pode fazer acontecer em vários setores da economia, mobilizando desde populações tradicionais da Amazônia até grandes investidores, o setor financeiro e startups em todo o país.
A maior parte das emissões no Brasil se devem ao desmatamento e à pecuária. Acabar com o desmatamento cortará nossas emissões pela metade sem prejudicar o PIB, e nos dará voz para influenciar a questão climática globalmente. Ser um líder nessa arena é crucial para nossa soberania, porque um aumento da temperatura mundial de 2°C ou 3°C terá efeito devastador na Amazônia e no resto do Brasil, ao contrário do que ocorrerá nos países nórdicos.
O espaço para uma agropecuária de baixo carbono vai ficando evidente, com a possibilidade de se diminuir a pressão sobre terras virgens e talvez chegar a um boi zero carbono onde houver políticas e investimento adequados.
A vantagem do Brasil na corrida para o carbono zero já é percebida por investidores e será ainda mais valorizada com o destaque que a segurança energética ganhou. A expansão das nossas fontes solar e eólica é mais barata que a de fontes fósseis e seu excede em muito a demanda interna para os próximos 50 anos, já pensando em eletrificar os transportes e até exportar energia limpa talvez incorporada no hidrogênio. Podemos crescer consumindo menos petróleo e liberando mais da produção dessa commodity para a exportação.
A eletrificação dos veículos não precisa deslocar o etanol, porque os carros híbridos são bem mais econômicos que os convencionais e rodam com baterias muito menores do que os puramente elétricos. Caminhões elétricos também poderão driblar os obstáculos de grandes baterias apostando na recarga dinâmica nas principais estradas. Mas essa transição nos transportes só será suave e sem perda de emprego se houver clareza nas políticas públicas, segurança de abastecimento e posicionamento inteligente do país no tabuleiro mundial da indústria automobilística.
Há oportunidades de investimentos e novos empregos em muitas outras áreas com potencial de redução do carbono. É o caso do saneamento e da indústria, mesmo onde a descarbonização é difícil, como em siderurgia e cimento. Soluções baseadas na natureza e uma economia circular, com menos desperdício, podem dar respostas a esses desafios quando apoiadas na ciência. Florestas cultivadas, por exemplo, sequestram carbono e são a base de cadeias de produção e agregação de valor que permitem produzir aço zero carbono, diminuir o consumo de cimento e substituir os derivados de petróleo em inúmeros produtos, participando ainda da economia circular com a reciclagem do papel.
As soluções baseadas na natureza também criam empregos de alto valor agregado, nas Universidades e em centros de pesquisa como a Embrapa e outros, além das inúmeras startups voltadas a aumentar a produtividade da agricultura, combater o desmatamento, reduzir perdas em processos industriais e nos serviços etc.
Como o Brasil é uma economia de mercado, será mais fácil chegar a emissões líquidas zero contando com o sinal de preço que mercados de carbono aqui e a nível global podem dar. O setor financeiro já está respondendo à perspectiva de organização desses mercados e à inclusão de temas climáticos na regulação prudencial e de mercado. Assim, vão se juntando os elementos para haver um grande ciclo de crescimento baseado na agenda climática sem necessidade de grandes gastos públicos ou subsídios. O governo também pode ajudar com a coordenação das expectativas dos agentes econômicos e promovendo políticas que façam essa transição beneficiar toda a população. A hora é boa para isso!
Leia o estudo completo no link abaixo:
“A Agenda Climática e o Novo Desenvolvimento Brasileiro”
Artigo da série Economia do Clima, sob a curadoria de Ricardo Gallo.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.