Valor
Uma parcela significativa dos nossos jovens continua sem perspectivas na vida. Muitos já saíram da escola, não encontram empregos que atendam suas expectativas e irão passar grande parte da sua vida passando do emprego informal para o desemprego, quando não acabam na criminalidade. Para conseguirmos aumentar o crescimento do PIB per capita e reduzir a desigualdade precisamos aumentar a qualificação dos jovens, para que eles possam trabalhar no setor formal da economia ou empreender gerando empregos.
A única maneira de transformar a vida dos jovens é através da educação, compreendida de forma ampla, englobando desde os estímulos na primeira infância, passando pelo desenvolvimento de habilidades cognitivas e socioemocionais e chegando ao processo educativo formal. Mas, qual deve ser a etapa final desse deste processo educativo para os jovens mais pobres: o ensino médio ou superior? Muitos argumentam que há excesso de formados no ensino superior, que acabam desempregados, defendendo que o ensino médio técnico seria suficiente para a maioria dos nossos jovens. Será verdade?
Para sabermos a resposta precisamos analisar os diferenciais de salários entre trabalhadores com diferentes níveis educacionais, que refletem a lei da oferta e da procura, que também funciona com a educação. O diferencial de salários depende do número de pessoas com cada nível educacional e da demanda da economia por estas pessoas. Se muitas pessoas atingem determinando nível, o diferencial de salários declina, pois o empregador tem muitas pessoas para escolher para cada função e pode pagar salários mais baixos. E quando a economia precisa de muitas pessoas com determinada qualificação, o salário destas pessoas aumenta para estimular a formação de um contingente maior.
A ideia de que o jovem de família pobre deve se contentar com o ensino técnico é elitista e está equivocada
A figura ao lado mostra o que ocorreu com estes diferenciais nos últimos 40 anos. Podemos notar que em 1981 o maior diferencial estava no ensino fundamental completo. Como mais da metade da população adulta brasileira ficava menos do que quatro anos na escola, os que completavam o ensino fundamental ganhavam em média 250% a mais do que os analfabetos. Naquela época, saber ler e escrever corretamente fazia toda a diferença e quem tinha essas habilidades (apenas 18% dos adultos) conseguia um bom emprego formal. Ao longo do tempo, como a maioria das crianças e jovens passaram a frequentar a escola até o ensino fundamental, esse diferencial foi declinando, chegando a 53% em 2021.
Interessante notar que o ensino médio nunca fez tanta diferença salarial com relação ao ensino fundamental completo, permanecendo ao redor de 30% desde 1981 até 2001 (9% por cada ano). E quando o número de pessoas com ensino médio aumentou, porque os jovens passaram a ficar mais tempo na escola, este diferencial começou a cair, chegando a 15% hoje em dia. Ou seja, o jovem que ficar três anos a mais na escola, aprendendo as cerca de 17 disciplinas e adiando a entrada no mercado de trabalho, vai ganhar em média apenas 15% a mais do que aquele que abandonou a escola no ensino fundamental (R$ 1.900,00 versus R$ 1.650,00).
A grande vantagem de concluir o ensino médio está na opção que o jovem ganha de fazer o ensino superior, que, aí sim, traz um grande diferencial de salários. Desde 2001, quem tem ensino superior completo ganha 2 vezes e meia o salário de quem tem apenas ensino médio (R$ 4.900 versus R$ 1.900). Interessante notar que este diferencial continuou elevado mesmo após o grande aumento de formados no ensino superior ocorrido nos últimos 40 anos, que passou de 3% em 1981 (abrangendo somente os filhos da elite) para 18% em 2021. Isso significa que muito provavelmente a demanda por pessoas com faculdade aumentou nesse período, caso contrário o grande aumento de oferta teria reduzido o diferencial de salários. Ou seja, a economia precisa de mais pessoas com ensino superior.
Mais ainda, um diploma de pós-graduação está pagando R$ 9.500,00 em média. E a taxa de desemprego é bem menor para aqueles com diploma de ensino superior ou pós-graduação. Ou seja, para conseguir mudar de vida hoje em dia no Brasil, você tem que ter pelo menos o ensino superior. Neste sentido, a ideia de que apenas uma elite deve fazer ensino superior, ou que o jovem que nasce em família pobre deve se contentar com o ensino técnico, é elitista e está equivocada. Vale notar que na Coreia mais da metade da população adulta tem ensino superior, ao passo que nos EUA são 37%. Ou seja, teríamos que dobrar a parcela de adultos com faculdade para alcançarmos os EUA e triplicar para chegarmos na Coreia.
Isso não significa que não possamos melhorar o ensino médio, permitindo mais flexibilidade, como prevê a reforma que introduziu o novo ensino médio. Agora, além das matérias tradicionais, que continuam sendo oferecidas, os jovens podem se especializar em uma das trilhas de aprendizagem: matemática, linguagem, ciências humanas, ciências da natureza e formação técnica ou profissionalizante. Vale notar que quem faz ensino técnico ganha 15% a mais do que quem para no ensino médio normal. Assim, o ensino técnico é uma maneira válida de atrair os alunos que não se interessam pelo ensino médio tradicional e que podem sair da escola antes de se formar.
Mas, é preciso ficar claro que a reforma do ensino médio por si só não vai mudar a vida dos nossos jovens. Isso só será conseguido com investimentos nos mais pobres desde a primeira infância, passando por reformas na gestão do ensino fundamental 1 e 2 e fazendo com o ensino superior seja o caminho natural até mesmo para os jovens mais pobres. Essa é a única maneira de aumentar a mobilidade entre classes no Brasil.
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