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As pessoas no centro do desenvolvimento

Em meio aos debates sobre o futuro do Brasil, os meandros da política econômica ocupam sempre a posição central. Formam o eixo em torno do qual orbitam temas tidos como importantes, mas laterais: saúde, meio ambiente, educação, entre outros. De fato, é fundamental aprofundar a conversa sobre os rumos da economia e seus temas mais prementes, como o combate à inflação, a crise fiscal ou os custos da energia. Por outro lado, cabe observar que a dominação histórica quase exclusiva do debate eleitoral em torno de medidas pontuais de política econômica – reformas, teto de gastos ou muitos outros exemplos – não tem trazido os resultados esperados nem para a própria economia, nem para o desenvolvimento integral do Brasil.

O país cresceu muito abaixo do esperado nos últimos 40 anos, e uma das questões que ajudam a explicar reside justamente na formulação do debate: é preciso trazer para o centro da discussão o principal fator que pode permitir que o Brasil seja um país mais justo e desenvolvido, como garantir que nossas crianças e jovens saiam da escola preparados para a vida. O Brasil será um país muito melhor se passarmos a investir maciçamente no que pode ser nossa única vantagem competitiva permanente: uma população altamente educada, capaz de criar, empreender e participar da construção de uma economia tecnológica e interconectada.   

De acordo com cálculos da FGV, o Brasil fechou a década de 2011 a 2020 tendo o pior período para a economia em 120 anos. Por ano, o crescimento médio do PIB foi de apenas 0,3%, o menor desde a década de 1901. A indústria foi gradualmente perdendo espaço. Em 1985, o setor da indústria de transformação chegou a corresponder a 36% do PIB, mas, em 2021, não chegou aos 12%, segundo números da Confederação Nacional da Indústria (CNI)

O cenário desenhado para o futuro soa como uma continuidade da trajetória econômica abatida – e trazer a educação para a centralidade do debate pode ser nosso ponto de virada. É a partir da aprendizagem que se convertem sonhos e potências em realidade. Para o país, cidadãos mais capazes, preparados e motivados são uma ferramenta coletiva de transformação. Por isso, é impossível dissociar a política de desenvolvimento da política educacional. Ou ainda: a política de educação deve ser o eixo central da política de desenvolvimento do Brasil.  

Apesar da completa ausência do governo federal na construção de políticas educacionais efetivas neste mandato, o Brasil assistiu nos últimos vinte anos importantes progressos nessa área. Universalizamos as matrículas, ampliamos a obrigatoriedade do ensino a partir dos 4 anos de idade, criamos uma visão clara do que é esperado que cada aluno aprenda, através da Base Nacional Comum Curricular e aprimoramos o financiamento da educação básica. Instituímos um sistema de avaliação robusto, que permite identificar erros e acertos e aprender com experiências exitosas. Entre 2007 e 2017 dobrou o número de estudantes chegando ao quinto ano com a aprendizagem adequada e alguns centros de excelência começaram a aparecer em municípios e estados brasileiros. Apesar de tudo isso, ainda convivemos com dados assustadores: 50% das crianças não se alfabetizam na idade certa, 40% dos jovens evadem a escola e só 6% terminam o ensino médio com aprendizagem adequada em matemática. Como deixamos mais de 90% dos jovens sem aprender e esperamos, em resposta, desenvolvimento? É como se o país tentasse subir uma ladeira com óleo na pista e o freio de mão puxado. Sem acelerar dramaticamente a aprendizagem, o Brasil estará sempre trabalhando abaixo de sua capacidade e, mais grave, frustrando os sonhos e direitos de milhões de pessoas.  

A boa notícia é que é possível reverter isso. O primeiro passo é garantir que todas as crianças sejam alfabetizadas na idade certa. Se isso não acontece, aprendizagens futuras ficam comprometidas e crescem os riscos de reprovação, abandono e evasão escolar. No Brasil, o caso de transformação mais conhecido é o de Sobral, no Ceará. No ano 2000, dois em cada cinco alunos da terceira série (com oito anos) não conseguiam ler nem sequer uma palavra.  De lá para cá, a prefeitura desenvolveu um plano de gestão focado na erradicação do analfabetismo, na redução da evasão escolar e na valorização da gestão pedagógica das escolas. Acabou por consolidar uma rede de educação pública que se tornou referência no país.

Em 2015 Sobral se tornou o município de melhor IDEB do Brasil, chegando a receber nota 9,1 em 2017, contra 5,6 da média nacional. A experiência inspirou o Estado do Ceará a desenvolver o Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC), levando o Estado a alfabetizar 92,7% de suas crianças no segundo ano. A experiência do PAIC tem sido expandida em parceria entre Governos Estaduais, Municipais e a sociedade civil e está agora em 11 Estados. 

Além do foco na alfabetização, outro ponto fundamental é priorizarmos a gestão da aprendizagem, uma estratégia para promover educação de excelência com equidade. Essa abordagem propõe que a organização das redes educacionais no Brasil se dê em torno de garantir a aprendizagem de todos os estudantes. Parece óbvio, mas certamente essa não é a realidade. Os profissionais das escolas e Secretarias constroem juntos, a partir dos dados de aprendizagem de suas crianças, um plano de ação claro para promover as melhores práticas educacionais que possam superar cada um dos gargalos que impedem o sucesso escolar. Eles recebem formação e apoio e instituem rotinas de acompanhamento que permitem aprimorar continuamente essas práticas. Programas com esse foco tem ganho escala nos últimos anos e provado que é possível acelerar a aprendizagem em um curto espaço de tempo. 

Um terceiro fator merece nossa atenção: ampliar o tempo que a criança permanece na escola. Mais uma vez, a boa notícia é que isso é possível de se fazer, e um bom exemplo está dentro do Brasil. Em Pernambuco, 59% dos jovens da rede pública do Ensino Médio estudam em escolas de tempo integral. Segundo estudo publicado na revista “Economics of Education Review”, as médias de estudantes nessas escolas foram superiores em 50% em Língua Portuguesa e 30% em Matemática se comparado ao obtido nas escolas regulares. 

Por último, mas não menos importante, precisamos atrair e reter cada vez melhores professores. Em países que priorizam a educação, como Singapura, Finlândia ou Chile, a seleção e formação de futuros professores é um eixo central na política educacional. 

Com o direito à educação de qualidade garantido, cada criança vai poder atingir seus sonhos. No âmbito coletivo, por sua vez, o Brasil só poderá atingir seu potencial de desenvolvimento quando todas as crianças terminarem a escola tendo efetivamente aprendido. Romper com o ciclo de desigualdade e baixo crescimento é possível, basta colocar o compromisso com nossas crianças e jovens no centro de nossas prioridades. 

Denis Mizne é CEO da Fundação Lemann e associado do CDPP.

Artigo da série Educação e o Futuro, sob curadoria de Denis Mizne.

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

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Denis Mizne