Essa gestão trata o cuidado do meio ambiente como inimigo do desenvolvimento
Estadão
Por conta do comovente filme Drive my car, resolvi reler Tio Vania
Nesta releitura da peça, foi Astrov que me prendeu a atenção ao dizer: “Florestas estão desaparecendo, rios secando, animais morrendo, o clima arruinado e a terra empobrecendo a cada dia”. Da desertificação a enchentes e desastres ambientais, o pessimismo do médico tinha sua razão de ser, e seus temores viraram realidade.
A Amazônia reflete esse cenário de forma contundente. São extensas áreas desmatadas. Seus habitantes, em consequência, vivem uma aguda crise social e econômica.
Esse governo trata o cuidado do meio ambiente como inimigo do desenvolvimento. Essa foi a justificativa para o ex-ministro Ricardo Salles passar sua boiada. Foi apoiado pelo seu colega da Economia, para quem “o pior inimigo do meio ambiente é a pobreza”. “As pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer.” É exatamente o oposto. A ocupação desorganizada em uma terra sem lei coloca cada vez mais pessoas na pobreza.
Cuidar da região é cuidar da natureza, da flora, da fauna, defender o bioma. E é cuidar da sua gente. É na região Norte que se concentram os piores indicadores sociais. Enquanto no resto do País os índices de violência diminuíram, lá aumentaram. Não por acaso. O crime organizado tomou conta da região e avançou com a retirada, pelo governo Bolsonaro, de instrumentos de fiscalização e mecanismos de punição. Partiu deste governo a proposta de facilitar o garimpo em terras indígenas, já ameaçadas pela prática ilegal, que ocorre sob olhar conivente de Brasília. Os criminosos estão à vontade.
É também lá que se registram os piores índices de acesso a saneamento e água potável. A menor cobertura digital e o atraso no aprendizado decorrente da pandemia são gravíssimos, assim como a evasão escolar. Os jovens estão sem esperanças, e o quadro de saúde mental é preocupante.
A peça de Chekhov estreou em 1897. Como seu personagem, ele era um visionário.
Infelizmente, passados 125 anos, ainda há quem tente negar o efeito do desmatamento sobre as mudanças climáticas e, delas, sobre a humanidade.
Não temos mais tempo a perder. O ponto de partida de uma política ambiental do novo governo deve ser a revogação das políticas de Bolsonaro. De pária, podemos virar agentes de transformação, para, então, podermos dizer como Astrov: “Quando vejo minhas plantas florescendo, eu sinto que, de alguma forma, o clima está sob meu controle. E, por conta desses pequenos gestos, cem anos passados, alguém no futuro será feliz por minha causa”.
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