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O Brasil desenvolve seu sistema educacional de forma “frustrantemente” lenta e ainda vive uma fase de retrocessos, define o economista, cientista social e escritor Eduardo Giannetti, palestrante que fechará o Festival LED – Luz na Educação. O evento está marcado para os dias 8 e 9 de julho, no Museu de Arte do Rio e no Museu do Amanhã.
No encontro, ele defenderá que os desafios são enormes para as salas de aula, mas é lá o local onde está sendo construído o futuro do país. E por isso é preciso a máxima atenção com o que está acontecendo com as escolas brasileiras.
O Festival LED – Luz na Educação é realizado pela Globo e pela Fundação Roberto Marinho em parceria com a plataforma “Educação 360 – Conferência Internacional de Educação”, com patrocínio de Invest.Rio e apoio do Coppead.
O senhor defende que o futuro do Brasil vai ser definido em sala de aula. Por quê?
Porque a formação de capital humano é o que define a vida de um país. Nenhum local prospera, encontra o seu melhor, se não der a cada cidadão a capacidade de desenvolver o seu potencial humano. E o Brasil está muito longe de alcançar essa realidade.
No atual cenário, que futuro o senhor vê para o Brasil?
Regredimos muito nos últimos anos. A pandemia trouxe um desafio novo, que é de alguma maneira atenuar as perdas irreparáveis que causou ao processo de formação. Mas temos grandes oportunidades com a transição demográfica. Na Europa, demorou 60 anos para o número médio de filhos por mulher passar de três para dois. No Brasil, foram só 19 anos para isso acontecer. Isso significa que o número de novos alunos está caindo fortemente e continuará assim. Mesmo que o país não aumente o gasto total, o investimento per capita vai crescer. O Brasil hoje gasta pouco e mal. Mas a nova realidade é de queda de ingressantes. Com isso, é possível melhorar ensino oferecendo, por exemplo, tempo integral para todos os alunos.
Como o Brasil gasta mal?
Países que gastam a mesma proporção do PIB têm resultados superiores ao nosso. Isso é sinal de que muito do dinheiro não redunda em aprendizagem, habilidades e competências necessárias às etapas escolares. A gente está com um problema no Brasil que é a inflação de credenciais educacionais sem lastro. Isso são pessoas que completaram o ciclo educacional, mas não adquiriram as habilidades e competências daquelas etapas. É um papel sem realidade, um papel vazio. Muito desse problema diz respeito à má formação de professores, falta de compromisso e um certo ritualismo do aprendizado no Brasil.
O que é esse certo ritualismo?
O aprendizado no Brasil está muito calcado na memorização e é pouco voltado para formação de competências cognitivas de, por exemplo, identificar problemas e apontar soluções. Fui professor durante 30 anos e me impressionava muito com a propensão dos alunos de não reproduzirem a aula nas provas. É um equívoco grave essa expectativa. Na vida, não vai ser pedido o que foi dado em aula. Prefiro uma resposta errada que parta do aluno, do que uma cópia de um conteúdo não assimilado.
Considerando que o Brasil só chegou à sua universalização do ensino fundamental nos anos 90, o sistema educacional brasileiro tem evoluído bem?
Não. Ainda está muito lento. Diria frustrantemente lento. Realmente, talvez, o maior déficit civilizatório do nosso país. É com descaso que sempre se tratou o ensino no país, uma realidade que lamentavelmente continua presente. E é preciso lembrar que o desafio de formação humana não diz respeito apenas ao governo, mas à sociedade como um todo. As famílias de modo geral não se dão conta na prática da importância da educação especialmente na parte inicial da vida das crianças. Até vocalizam certa importância, mas no dia a dia as famílias se omitem. Isso permeia todas as camadas de renda do Brasil. Muitos pais acham que pagando escola cara já estão fazendo a sua parte. Isso não é real. É preciso acompanhar as crianças.
O senhor afirma que o aluno brasileiro tem uma postura credencialista. O que é isso?
Credencialismo é achar que apenas completar o grau tem efeito. No Brasil, a educação se resume a uma situação em que uns fingem que ensinam, outros fingem que aprendem e tudo termina em diploma.
O novo ensino médio tem potencial de resolver isso?
Potencial, tem. Mas quero ver na prática se entrega. Não vi ainda nenhum tipo de evidência que me permita fazer essa afirmação. Até essa mudança, o ensino médio era muito desconectado com a realidade social e humana do jovem adolescente. Tudo que se puder fazer para trazer os conteúdos para perto da realidade do seu aluno, melhor.
De que forma o senhor avalia a atuação do MEC a partir do decreto da pandemia?
Obviamente a educação não é prioridade para o governo Bolsonaro. Tivemos ministro completamente despreparados, trazendo questões regressivas, como o homeschooling, o que é uma não questão para a vida brasileira e uma desatenção para o que realmente importa. Já perdi a conta de quantos ministros já passaram, o que mostra o caos, o descaso e um certo tom de galhofa, deboche, que tomou conta da área educacional no MEC. Esse é um grande retrocesso no campo da formação humana.
A gente está se aproximando do fim do atual Plano Nacional de Educação. Que metas o senhor sugeriria para um próximo ciclo?
Diminuir e acabar com a evasão escolar e recuperar o lastro do grau acadêmico. Ou seja, garantir que uma pessoa que completa um ciclo educacional de fato se preparou e adquiriu as competências e habilidades desse grau. Isso é fundamental. Um outro objetivo é adoção do tempo integral universal no ensino fundamental. E melhorar muito a pré-escola. Quanto mais cedo houver um suporte, maior será a prontidão da criança quando ela entrar na escola.
Link da publicação: https://oglobo.globo.com/brasil/educacao/educacao-360/noticia/2022/06/no-brasil-vivemos-grande-retrocesso-na-formacao-humana-diz-eduardo-giannetti.ghtml
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