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“Quem assumir em 2023 vai enfrentar a verdadeira herança maldita”, diz Elena Landau 

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Elena Landau ganhou notoriedade nos anos 1990 ao implementar as privatizações do governo FHC à frente do Programa Nacional de Desestatização do BNDES. A economista participou da implantação do Plano Real e presidiu o conselho da Eletrobras, no governo de Michel Temer. É uma das maiores defensoras do liberalismo na economia, apesar de ser crítica feroz da gestão de Paulo Guedes. Condena a “PEC Kamikaze” e diz que Bolsonaro, com o Centrão, “introduziu a chantagem na condução de sua política populista”. Elena já chama o ano de 2023 de “herança maldita” por conta das ações impensadas da atual gestão que, segundo explica nessa entrevista, têm resultado em inflação acima de dois dígitos. Atualmente, Elena chefia o programa de governo da pré-candidata à Presidência pelo MDB, Simone Tebet. A emedebista confiou a ela a missão porque diz que Elena “é uma liberal com olhar social como ela mesma”.

Como a sra. avalia as propostas econômicas da candidatura de Lula até agora?

É um projeto de retomar políticas que deram muito errado no passado. Lula diz que não precisa explicar o programa porque tem oito anos de mandato para mostrar. Exatamente por isso precisa garantir que mudou. Por mais que o PT tente colocar toda a culpa do desastre econômico na Dilma, a origem está no governo Lula. Ele se empenhou pessoalmente na reeleição de Dilma, quando os sinais de que a economia estava sem controle eram evidentes. Só na política do BNDES foram cerca de R$ 300 bilhões de subsídios para a elite empresarial. Dez anos de Bolsa Família foram gastos para nada. E o programa dele volta com o mesmo projeto. Mostra que não aprendeu nada e corremos o risco de não sair desse crescimento pífio, incapaz de dar qualquer alento aos que buscam trabalho e um futuro para sua família. O discurso é um, mas a realidade é bem diferente.

E o programa econômico de Bolsonaro?

Bolsonaro não tem programa algum. Desde a campanha, ele deixou claro que não liga para a economia. A proposta dele é outra. É a agenda de retrocesso moral e institucional em todas as esferas. Ninguém vota em Bolsonaro por sua pauta econômica. Ou as pessoas acreditam no discurso autocrata dele ou apenas estão contra a volta do PT. Bolsonaro hoje tem uma política econômica que não é diferente da de Lula: populista, intervencionista, isolacionista, cheia de incentivos para quem não precisa, total desrespeito às regras fiscais e uma suposta política social, muito mal desenhada. Usar descontrole fiscal para fazer transferência de renda é dar com uma mão e tirar com a outra, por conta da inflação.

O programa econômico de Simone Tebet será liberal e reformista? O que é fundamental para o País nos próximos anos?

Simone me convidou assim: “Quero você coordenando meu programa porque, como eu, você é uma liberal com olhar social”. Então, o programa dará efetividade a essa postura. O fundamental é colocar o social no centro do projeto de Nação, com destaque para a criança. Por isso, será criada a Secretaria da Criança e da Juventude, ligada diretamente à Presidência da República. No meio ambiente, o foco será revogar os decretos de Bolsonaro que desativaram mecanismos de controle, fiscalização e punição e zerar o desmatamento ilegal. Temos que recuperar a credibilidade do Brasil, com uma nova diplomacia ambiental. Na economia, a primeira medida é recriar o Ministério de Planejamento e Orçamento e, com isso, mostrar à sociedade o que o governo pretende fazer com os recursos que arrecada para os quatro anos de mandato. O objetivo é retomar o controle da execução orçamentária e acabar com orçamento secreto.

A terceira via tem chances nas eleições?

A campanha formal ainda não começou. Por enquanto temos uma fotografia em que a polarização parece consolidada. O filme pode ser diferente. Com a maior exposição da Simone, seu histórico político e suas ideias, os eleitores verão que há opção por um país de futuro e não precisam ficar aprisionados no passado. A polarização também trará nas campanhas o discurso de ódio de novo. Vimos o que foi feito com Marina, em 2014. Vimos do que PT e Bolsonaro são capazes. E a sociedade está cansada do “nós contra eles”.

O País está preparado para a venda da Petrobras?

Está muito mais preparado para privatizações do que antes, inclusive da Petrobras. Mas, infelizmente, pelos motivos errados. Foram os escândalos de corrupção do Petrolão, no governo do PT, e a constante ameaça de Bolsonaro em intervir na empresa e entregá-la para o Centrão — no que se iguala a Lula — que diminuíram a resistência à venda da Petrobras. Isso não deveria ser a motivação para privatizá-la, ou qualquer estatal. Vender uma empresa como a Petrobras, que contribui enormemente para o Tesouro, só para fingir um discurso liberal, é o retrato do desastre que é Guedes no comando da economia. Vão torrar um patrimônio valiosíssimo para mais política populista eleitoreira.

Como o País poderia ter evitado a crise da alta dos combustíveis?

As opções para subsidiar quem precisa estavam na mesa há meses, muito antes do período eleitoral. Todos os países, mesmo os liberais, deram alguma forma de apoio financeiro para quem precisava. Temer resolveu a greve dos caminhoneiros rapidamente, sem rasgar o teto de gastos. Mas o que Bolsonaro queria mesmo era confrontar, mais uma vez, os governadores. Daí a estapafúrdia ideia de intervir no ICMS e tomar para si e para o Centrão a Petrobras. Guedes falou contra subsídios, mas não trouxe qualquer proposta e acabou aceitando e apoiando mais um furo no teto. É um desgoverno, que só se mexe de olho em pesquisas eleitorais.

A inflação em junho surpreendeu mais uma vez. O País corre o risco de conviver novamente com uma inflação alta?

A inflação está afetando a economia mundial por conta da recuperação rápida pós-pandemia, pelo atraso na recuperação da cadeia de produção e insumos e pelo impacto da guerra da Ucrânia sobre preços de energia. Mas aqui acrescentamos uma gordura na inflação por conta da incompetência do governo.  Primeiro, uma desvalorização do real, mesmo com a elevação dos preços das commodities, em razão da instabilidade permanente criada pelo presidente. Cada vez que ele fala em golpe, em Petrobras ou outros disparates, o dólar sobe, afetando os preços internos. Depois, pela atuação do próprio Guedes. Foi ele, que, se dizendo liberal, desmontou o arcabouço fiscal com a PEC dos Precatórios e o furo no teto. Como esquecer o: “devo não nego, pago quando puder”? Juros futuros mudaram de patamar ali. Depois, veio com a invenção de devolver “excesso de arrecadação”. Isso não existe em país com histórico de déficit público. O mais importante neste momento é sobreviver a 2022 e impedir a reindexação da economia, porque não se faz um Plano Real a toda hora.

E se o teto de gastos acabar? Quais as consequências?

Por enquanto o teto, mesmo esburacado, existe. Em 2026 estava prevista a revisão das regras. O grave da situação atual é que foi o próprio ministro da Economia que desmoralizou o teto. Ele não faz um discurso direto contra o teto, como Lula, mas, na prática, está criando subterfúgios para gastar fora dele.

A Simone no comando, com uma equipe fiscalmente responsável, vai resgatar a credibilidade no governo. Isso é muito mais relevante que qualquer regra, porque leis e normas é que não faltam no País, mas é preciso que sejam respeitadas por todos.

A “PEC Kamikaze” é o fim da responsabilidade fiscal?

A PEC acrescenta mais uma dificuldade para as contas públicas. Como disse, sobreviver ao populismo de 2022 é um desafio. E nem as regras para o período eleitoral estão sendo respeitadas. Mais grave que a PEC em si é o desmonte das regras democráticas. O Bolsonaro, com o Centrão, introduziu a chantagem na condução de sua política populista. Não faz nada, não planeja, não propõe. Foi assim com o Auxílio Brasil na PEC dos Precatórios e agora com a “PEC Kamikaze”. Mas ele só tem sucesso porque tanto Lira quanto Pacheco estão atropelando as regras democráticas. O governo transformou PECs em instrumentos triviais, como se tornaram as Medidas Provisórias.

O País precisa de um programa de privatizações como aquele que a sra. liderou no governo FHC?

Uma revisão da atuação do Estado na economia é uma tarefa permanente. Atividades que vão entrando em extinção devem ser avaliadas. Fusões podem tornar o Estado mais eficiente, atividades que não são função estatal devem ser assumidas pelo setor privado e concessões e PPPs devem ser buscadas. Isso faz parte da revisão de despesas do governo e da busca de eficiência da economia, sempre de acordo com o que diz a Constituição Federal no art.173: a participação do Estado na economia é exceção, e não regra, como nossa cultura patrimonial quer acreditar. A desestatização começou em 1991, foi ampliada com FHC e não parou. Mas o tamanho do programa de desestatização, hoje, é menor. Eu não gosto de pensar em lista de empresas e sim na reforma de Estado ampla: que empresas devem ou não se manter estatais e por quê.

O populismo econômico está de volta?

Totalmente. Uma tristeza isso. Não traz nenhum impacto duradouro, abusa das esperanças de uma população carente. Aprisiona o cidadão em lugar de libertá-lo. O populismo econômico está na raiz de um crescimento medíocre ao limitar o florescimento de ideias, de empreendedorismo, de uma ciência e cultura livres de ideologia. Essa é a pior herança dos governos PT e Bolsonaro: termos andado para trás depois de um governo liberal e liberalizante de FHC.

A gestão de Paulo Guedes prejudicou os que defendem uma pauta liberal na economia?

Muito. Mas também não era possível acreditar que Guedes fosse liberal e participar tão ativamente de um governo que defende a tortura. Não existe liberalismo só com agenda econômica. Liberalismo é muito mais amplo que isso, pois incorpora, na sua essência, o olhar social e a democracia representativa. É tudo o que não existe com Bolsonaro. Guedes foi prejudicial não só por aderir a este governo cegamente, mas por não ter sequer seguido a cartilha liberal na economia.

Como a sra. vê o Brasil em 2023?

Sempre fui otimista, afinal sou botafoguense. Mas estou muita preocupada. Inflação, miséria, desigualdade, desarranjo fiscal e instituições frágeis serão o legado deste governo. Quem assumir vai enfrentar a verdadeira herança maldita, e não aquele País arrumado de 2002. Mas tenho esperanças de que a democracia se fortaleça e o País saia da armadilha do baixo crescimento. Entrei na campanha da Simone porque não jogo a toalha.

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