Artigos Blog do CDPP

Mais SUS

A pandemia de Covid-19 mostrou que ter um sistema público e universal de saúde é fundamental para que um país possa enfrentar adequadamente grandes crises sanitárias. E o Brasil deveria se orgulhar, pois é o único país com mais de 200 milhões de habitantes no mundo a oferecer direito à saúde de graça à toda sua população.  

No entanto, desde sua constituição em 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) convive com dois desafios crônicos e aparentemente antagônicos: o financiamento e a eficiência na provisão de serviços. 

O SUS é cronicamente subfinanciado. O Brasil investe cerca de 9% do Produto Interno Bruto (PIB) em saúde – comparável a boa parte dos países desenvolvidos – mas menos de 4% é investido no SUS. Ou seja, mais da metade dos recursos alocados em saúde dizem respeito à saúde privada – que atende menos de um quarto da população. Se olharmos para países como a Espanha, que tem um sistema parecido com o SUS, esse investimento na saúde pública corresponde a 6,7% para atender 50 milhões de habitantes.

Não há país com sistema universal que invista tão pouco na saúde pública como o Brasil. Chega a ser surpreendente, que com tão pouco, o SUS consiga entregar tanto. No entanto, cabe destacar que o SUS tem também problemas crônicos de eficiência na gestão e organização das suas ações de saúde. É possível fazer ainda mais com o que já existe.  

Para alguns, basta simplesmente aumentar os recursos para que a saúde melhore. Para outros, basta ampliar a participação do setor privado para corrigir as ineficiências do SUS. Temos a convicção de que não existe solução simples para melhorar a qualidade dos serviços prestados. É preciso enfrentar os dois desafios crônicos conjuntamente: aumentar o orçamento do SUS e aumentar a eficiência na gestão.  

Por essa razão, o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e a UMANE estão lançando a Agenda Mais SUS, direcionada às(aos) candidatas(os) à Presidência da República e a outros cargos no setor público. O projeto organiza propostas em seis caminhos que o Estado brasileiro deverá percorrer, já no curto prazo, para superar tais desafios e assegurar um acesso à saúde de qualidade e equitativo, de forma eficiente. 

A primeira proposta está focada em ampliar recursos e orientar o financiamento para induzir a universalização do SUS. É necessário que até 2026, se eleve o investimento de 3,96% para 5% e, subsequentemente, para 6% até 2030. Propomos uma série de medidas responsáveis fiscalmente e possíveis, como por exemplo a redução dos volumosos subsídios que existem para a saúde privada.  

A segunda proposta diz respeito à universalização da Atenção Primária no Brasil. Porta de entrada do sistema, estudos indicam que ela pode resolver até 80% dos problemas de saúde. Com uma atenção básica resolutiva, teremos menos demandas por média e alta complexidade, grande gargalo do sistema de saúde no país. O próximo governo tem condições de ampliar a cobertura da Estratégia de Saúde da Família (ESF) até 100% da população, considerando a conversão de modelos tradicionais para ESF e garantindo completude e valorização das equipes, novas funções e profissões e incorporação de ferramentas de saúde digital. 

A terceira proposta foca em ganhar eficiência na organização dos serviços e ações de saúde. Para isso, é necessário inovar nos mecanismos de governança do SUS, aprimorando a coordenação entre os entes federativos. Nesse sentido, é importante que se possa transformar as 438 regiões de saúde no locus prioritário da organização dos serviços de saúde.  

A quarta proposta foca em aumentar a produtividade dos recursos humanos em saúde. O SUS é feito sobretudo por pessoas, e seu sucesso está diretamente ligado à dedicação dos profissionais de saúde. No entanto, é fundamental que se expanda a atuação multiprofissional, e se amplie o escopo de práticas da enfermagem. Propomos também a criação de uma unidade de inteligência, monitoramento e avaliação dos recursos humanos no Ministério da Saúde.  

A quinta proposta busca valorizar e promover Saúde Mental: monitorar e fiscalizar as políticas públicas de saúde mental, aprimorar a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), promover estratégia para capacitação e valorização dos profissionais que interagem com pessoas em sofrimento ou com transtorno mental e resgatar estratégias e diretrizes de resgate e avanço da Reforma Psiquiátrica. 

A sexta proposta busca tornar o SUS ainda mais robusto no enfrentamento às emergências de saúde pública. Para tanto, é necessário formalizar uma estrutura de governança técnica e qualificada que centralize funções relacionadas às crises sanitárias; bem como desenvolver instrumentos de planejamento e comunicação baseados em evidências.  

As seis propostas são factíveis politicamente, viáveis tecnicamente e responsáveis do ponto de vista fiscal. Elas são possíveis de serem implementadas, e a Agenda Mais SUS detalha esse passo a passo. Um Governo Federal que consiga colaborar com o Congresso, com as(os) governadores e prefeitas(os) estaria em excelentes condições para implementar os seis pontos. Não existem soluções mágicas para melhorar a saúde. É preciso conservar o que se fez até aqui e arregaçar as mangas para melhorar significativamente o serviço prestado à população.  

Miguel Lago é diretor-executivo do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e leciona na School of International and Public Affairs da Universidade de Columbia.  

Todos os dados utilizados neste artigo foram extraídos da Agenda Mais SUS: Evidências e Caminhos para Fortalecer a Saúde Pública no Brasil, projeto assinado pelo IEPS e UMANE, sob metodologia rigorosa de apuração e viabilidade técnica. Acesse: www.agendamaissus.org.br

Artigo da série Saúde Pública, sob coordenação de Arminio Fraga.

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

 

Sobre o autor

Miguel Lago