Folha
Nas colunas anteriores, gastei um bom tempo revisitando a macroeconomia brasileira nos anos 2000. Uma análise mais completa encontra-se no Blog do Ibre.
O motivo é muito claro: o período que vai de 2004 até 2012, aproximadamente, foi o melhor para o país desde a redemocratização: tivemos crescimento econômico com queda da desigualdade e sinais claros em diversos indicadores de melhoria do bem-estar da população em geral.
No entanto, o período terminou na maior crise de nossa história. No meu entender, a crise deveu-se à insustentabilidade da política econômica no período e a um elevado grau de artificialidade da política econômica, já presente no segundo mandato do presidente Lula, que se agravou no primeiro mandato de Dilma.
Que nosso melhor período tenha tido política econômica insustentável e no final muito artificial diz mais sobre nós do que do governo, no caso o do período petista.
Na democracia, os governos decidem de acordo com a popularidade. Se praticar uma política econômica insustentável gera ganhos de popularidade, a política adotada será insustentável, independentemente do grupo político que ocupe o Planalto.
A insustentabilidade ocorre quando a política econômica força a economia a operar acima da sua capacidade. Testa os limites do possível da economia.
Dois conceitos dos livros-texto de macroeconomia expressam esses limites. A taxa natural de desemprego e a taxa neutra de juros.
A taxa natural de desemprego é aquela que mantém a inflação estável, isto é, que não acelera a inflação ou que mantém os salários crescendo no ritmo da produtividade do trabalho.
A taxa de juros neutra é aquela que mantém a economia crescendo o seu potencial com inflação estável e na meta. Ou seja, é a taxa de juros que nem contrai nem expande a demanda agregada.
Evidentemente, esses dois parâmetros da economia —taxa neutra de juros e taxa natural de desemprego— não são constantes da natureza. Eles dependem de todo o marco legal e institucional no qual opera a economia. Reformas institucionais podem alterá-los.
Em um recente texto no Blog do Ibre, meu colega Bráulio Borges apresenta indícios de que a reforma trabalhista de 2016 pode ter reduzido a taxa natural de desemprego em um ponto percentual, de 9,5% para 8,5%.
O resultado de Bráulio é uma ótima notícia. Mas, a depender da dinâmica da economia em 2022, pode não alterar o fato, tratado na coluna da semana passada, de que poderemos entrar 2023 em uma situação próxima de pleno emprego.
A América Latina, em geral, e o Brasil, em particular, têm tido dificuldades de construir ciclos longos de crescimento. A enorme desigualdade dificulta a construção de consensos.
No Brasil, o único limitador que temos tido às políticas insustentáveis é que, mais cedo ou mais tarde, elas redundam em aceleração da inflação. E, até agora, nossa sociedade tem dado sinais de que pune pesadamente o partido do chefe do Executivo que é responsabilizado pela sociedade por inflacionar a economia.
Nesse aspecto, estamos na frente de nossos vizinhos ao sul.
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O título da coluna lembra importante texto publicado em 1976 na revista Pesquisa e Planejamento Econômico, do saudoso colega do FGV Ibre Regis Bonelli, em parceria com Pedro Malan. Abordava os limites do possível da política econômica do período, na tentativa de manter a economia crescendo forte em meio a inúmeros desequilíbrios. Nunca termina bem.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2022/07/os-limites-do-possivel.shtml
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.