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Eleições, política externa, cenário internacional

Estadão

As próximas eleições vão escolher a quem caberá o exercício da Presidência da República. Serão múltiplos os desdobramentos desta escolha. Um deles é a condução da política externa, atribuição constitucional do presidente. A ele cabe, na moldura do Estado de Direito de nossa Constituição, com a colaboração e apoio em especial do ministro das Relações Exteriores e dos qualificados quadros do Itamaraty, dar o sentido de direção da inserção internacional do Brasil.

Cabe reiterar que é o presidente, por sua ação ou eventual desinteresse, que configura os contornos da presença do Brasil na vida internacional. Ele indica rumos e organiza expectativas. Isso requer, para ser efetivo, a capacidade de orientar-se na variedade das conjunturas do mundo. O interconectado mundo da era digital, heterogêneo e interdependente, permeado no momento atual por tensões políticas provenientes da dinâmica das tensões de hegemonia e equilíbrio que incidem nos campos econômico, da segurança e dos valores. É o que torna desafiante identificar interesses comuns e compartilháveis, lidar com as desigualdades do poder e mediar a diversidade e o conflito dos valores.

É neste cenário que se move a política externa como uma política pública voltada para traduzir exigências da agenda interna em possibilidades externas, ampliadoras da capacidade do País de controlar o seu destino. É o rumo desta política pública que está em jogo nestas eleições, e como o mundo “não dá a ninguém inocência nem garantia”, no dizer de Guimarães Rosa, a política externa é ao mesmo tempo uma gestão de riscos e oportunidades.

Cabe sublinhar que o papel da diplomacia transita pelo poder da palavra. A palavra do presidente tem um peso único ao delinear rumos e organizar expectativas. Ele reúne no exercício da sua função externa três dimensões de representação. A representação simbólica, que traduz, com maior ou menor ressonância, pela qualidade da sua palavra, a importância ou desimportância do que um país significa para os demais. A representação política, que pressupõe a palavra formuladora e articuladora de interesses e valores. A representação jurídica, na qual a confiabilidade da palavra lastreia o poder de negociar e assumir compromissos legalmente válidos.

Daí os cuidados que devem acompanhar a palavra do presidente, pois ela envolve, mais do que a de qualquer outro, a responsabilidade da representação do Brasil no mundo. Por isso deve ser, não só no plano interno, como no externo, a expressão da confiabilidade da sua administração. No uso da palavra, o presidente deve proceder de modo compatível com os “standards” jurídicos da dignidade, honra e decoro do cargo.

Este “standard” de apropriada conduta presidencial não transparece nas manifestações e nas palavras do presidente Bolsonaro. Estas, na sua carência de civilidade, obedecem à lógica do confronto e ao polarizador espírito de facção que permeia a sua gestão. Expressam no plano institucional o seu mal-estar com as normas do Estado de Direito e com as regras do jogo da democracia, do qual um grande exemplo são as contínuas e infundadas acusações à Justiça Eleitoral e às urnas eletrônicas. Subjaz a estas expressões da sua palavra uma inconformidade com o pacto de redemocratização consagrado na Constituição de 1988. Daí a reação de amplo e plural espectro da sociedade civil revelada nas manifestações no dia 11 de agosto em prol da democracia e do “Estado de Direito Sempre”. É este que assegura a segurança ordenadora da pluralidade e diversidade das expectativas de todos.

Mas não são apenas as consequências no plano interno dos riscos para a democracia detectados no uso da palavra por Jair Bolsonaro que merecem atenção e resposta. Elas impactam negativamente a política externa e a situação internacional do Brasil. Criam riscos. Estreitam oportunidades.

Com efeito, a transposição para a política externa da lógica de confrontação e do espírito de facção são um equivocado uso da responsabilidade do presidente. Ergue muros e não constrói pontes no nosso relacionamento com o mundo. Contribui, com uma autocentrada diplomacia de combate, para o isolamento internacional do País, inclusive no seu entorno regional. Compromete a confiabilidade. Dilapida o capital diplomático brasileiro e a sua tradicional abertura para a cooperação e a mediação construtiva. Desdenha a sensibilidade internacional em relação à gravidade do tema global do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, desconsiderando o acervo acumulado do País que provém no plano mundial da Rio-92. Induz, deste modo, restrições às exportações brasileiras, diminuindo ao mesmo tempo o escopo de investimento internacional. Afasta-nos, num voluntarismo discricionário, dos nossos múltiplos parceiros internacionais. Atrapalha a nossa atuação em múltiplas instâncias multilaterais.

Em síntese, a palavra do presidente compromete e não garante a qualidade da presença do Brasil no mundo.

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Sobre o autor

Celso Lafer