Conjuntura Econômica – FGV IBRE
No começo de agosto, Bernard Appy (CCiF), Carlos Ari Sundfeld (FGV Direito SP), Francisco Gaetani (FGV Ebape), Marcelo Medeiros (PUC-RJ), Pérsio Arida (ex-presidente do BC) e Sérgio Fausto (Fundação FHC) lançaram o documento Contribuições para um Governo Democrático e Progressista, reunindo propostas de políticas públicas que, de acordo aos autores, tem como fio condutor a busca por justiça social, concomitantemente a ampliar o potencial de crescimento econômico do país.
No campo da proteção social, o documento aponta à mesma preocupação sinalizada por Ricardo Paes de Barros e Laura Machado em outra contribuição apresentada recentemente, de garantir um sistema que proteja os cidadãos da extrema pobreza, mas que também olhe para o trabalho. Enquanto Paes de Barros e Laura focam sua proposta em como melhorar a produtividade dos microempreendores – muitos destes informais – e da população em idade ativa desempregada ou subaproveitada – associando planos de desenvolvimento familiar a programas de formação profissional que aprimorem o potencial de reinserção no mercado de trabalho –, a proposta dos seis autores se concentra em medidas que reduzam o custo de formalização do trabalho. “O objetivo é tornar o sistema mais progressivo, corrigir distorções que prejudicam a criação de empregos e a formalização, e aumentar a eficiência da organização do mercado de trabalho”, diz o documento, ressaltando o efeito positivo da formalização do emprego para o crescimento econômico.
As propostas partem da referência a uma Renda Básica de Cidadania (RBC), que teria como base inicial o valor do salário-mínimo, e seria reajustada anualmente pela inflação. Para a assistência social, os autores defendem uma política composta por um Benefício de Renda Mínima, uma Poupança Seguro Família e por programas focados à primeira infância. A ideia é inspirada na proposta de coautoria de cinco especialistas, entre os quais o pesquisador do FGV IBRE Fernando Veloso, publicada pelo Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) e que deu origem ao projeto da Lei de Responsabilidade Social (PL 5.343/2020). O desenho do Benefício de Renda Mínima pressupõe transferência decrescente conforme maior a renda familiar per capita – levando em conta as rendas formal, informal e de outros benefícios como aposentadoria. “A ideia inicial é garantir um benefício de R$ 200 por pessoa para famílias sem renda, cujo valor seria reduzido gradualmente até zero, no caso de famílias com renda per capita superior a R$ 400 por mês”, explica Appy. Ele destaca a progressividade desse modelo em relação ao Auxílio Brasil, que distribui um valor fixo por família, independentemente do número de pessoas e de outras fontes de renda que seus componentes recebam. “O benefício tomado como base pode ser maior, desde que reduzido o valor do teto”, acrescenta.
Renda Mínima e Poupança Seguro Famíla
per capita (R$/mês)
Fonte: Contribuições para um Governo Democrático e Progressista.
Já a Poupança Seguro Família prevê que o governo aporte uma porcentagem da renda do trabalho em uma conta individual, remunerada pela Selic, permitindo-se o saque dos recursos até duas vezes ao ano. Essa porcentagem seria de 15% para famílias com renda do trabalho per capita no limite do teto de rendimento para elegibilidade ao Benefício de Renda Mínima e decrescente para renda do trabalho per capita superior a esse limite e inferior à Renda Básica de Cidadania. Appy cita como exemplo uma família uniparental com dois filhos em que a mãe ou o pai recebe um salário mínimo – tomado aqui como R$ 1,2 mil, para facilitar o cálculo. Isso significaria uma renda per capita de R$ 400, o que excluiria esse parente do grupo de beneficiários do Benefício de Renda Mínima, mas permitiria aferir R$ 180 mensais. “É um valor que é quase um salário adicional a cada seis meses. Além de estimular o emprego, o Seguro é um mecanismo que contribui para a estabilização da renda de trabalhadores informais”, explica o diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF).
Contribuições sobre folha
(% salário)
Fonte: Contribuições para um Governo Democrático e Progressista.
O outro braço da proposta relaciona-se a uma defesa já expressada por Appy em entrevista à Conjuntura Econômica, da necessidade de uma desoneração de folha que desestimule a informalidade. A primeira mudança defendida é a redução das contribuições incidentes sobre a parcela do salário equivalente à Renda Básica de Cidadania (RBC). Assim, as contribuições incidentes na parcela de todos os salários do mercado até o valor da RBC (e que tem como ponto de partida o salário-mínimo) cairiam de 7,5% para 3%, no caso do empregado, e de 20% para 6%, no caso do empregador. A fatia salarial superior à RBC passaria a ter alíquota de, respectivamente 10% e 20%, ou mesmo de 11% e 22%, dependendo da situação fiscal, sugerem os autores. Além disso, essa parcela de salário dentro da RBC seria desonerada de contribuições não previdenciárias, como o Sistema S e o Salário Educação.
A proposta ainda prevê uma unificação dos regimes de arrecadação sobre folha, em que MEIs, optantes do Simples, contribuintes individuais e até trabalhadores rurais (estes últimos, possivelmente, subvencionados pelo governo) contribuíssem sob o mesmo sistema. “Isso reduziria a distorção que vemos no mercado de trabalho, de substituição de empregados por MEIs, tão comum hoje em dia”, diz Appy. Outra novidade proposta é a obrigação de recolhimento de contribuição previdenciária em qualquer contratação de conta-própria e MEI, seja por pessoa física ou jurídica, sob as mesmas alíquotas de 6% e 3% para contratante e contratado. Essa contribuição incluiria de diaristas, prestadores de serviços autônomos e trabalhadores de aplicativos – neste último caso, diz Appy, seria preciso descontar o valor relacionado a custos operacionais desses trabalhadores, como os gastos com combustível, no caso de entregadores e motoristas. Os demais recolheriam com base no valor das contribuições recebidas ao longo do mês. Com isso, uma empresa que contrata um profissional autônomo passaria a recolher contribuição previdenciária para MEIs, por exemplo, o que não ocorre hoje. E aqueles que recolhem sob um salário de contribuição menor que o mínimo também teriam direito a benefícios previdenciários com base nesse salário de contribuição, o que permitiria a esse trabalhador ter acesso a benefícios de risco, além de uma aposentadoria, caso esse trabalhador não seja elegível ao BPC LOAS.
Appy complementa que, na lista de combate a distorções, o documento ainda prevê a revisão de todas as aposentadorias especiais; e defende o uso do saldo da conta individual do FGTS para financiar parcelas do seguro-desemprego, com aporte do governo só em caso de insuficiência de saldo, desestimulando a rotatividade no mercado de trabalho. “São medidas que respondem ao objetivo simultâneo de proteção ao mais pobres e redução do custo de formalização das pessoas de baixa renda, e isso também se relaciona a estimular o potencial de crescimento do país”, reforça Appy.
Link da publicação: https://ibre.fgv.br/blog-da-conjuntura-economica/artigos/proposta-visa-aliar-protecao-social-reducao-de-custo-de
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.